A coluna fez quatro perguntas sobre a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro aos advogados criminalistas Larissa Kretzer e Pedro Fernandes. O antigo ocupante do Planalto está detido desde sábado (22) na superintendência da Polícia Federal, em Brasília. 

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A prisão foi determinada pelo STF após a convocação de uma vigília, pelo senador Flávio Bolsonaro, para a frente da casa do ex-presidente e alertas sobre  tentativas de violação do equipamento de monitoramento eletrônico do ex-presidente. 

Os 10 passos que levaram à prisão de Bolsonaro

Veja as 4 perguntas sobre a prisão de Bolsonaro:

– Diante da prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, quais são, em linhas gerais, os próximos passos processuais imediatos? O que a defesa pode fazer em um primeiro momento?

 Larissa – A ata do julgamento no STF já foi publicada e a condenação dele, por tentativa de golpe, foi mantida por unanimidade pela Turma. Isso coloca o processo numa etapa em que o relator pode autorizar o início da execução da pena, dependendo do que considerar sobre os próximos recursos. A defesa provavelmente pleiteará a manutenção do regime domiciliar, invocando a questão delicada de saúde já publicamente reconhecida. 

 Pedro – Considerando que o ex-presidente respondeu ao processo em liberdade até o presente momento – já que a prisão domiciliar vigente é referente ao inquérito policial de obstrução no curso do processo –, a decretação de sua prisão preventiva nessa fase final do processo é um cenário improvável, salvo se ele praticasse algum fato novo que gerasse risco à ordem pública, ou à aplicação da lei penal. 

A proximidade do trânsito em julgado, que deve ocorrer ainda este ano, indica que a prisão provavelmente será cumprida após o esgotamento de todos os recursos e a confirmação da pena (em definitivo). Nesse cenário, caberia à defesa, inicialmente, atuar junto ao Juízo da Execução Penal para garantir direitos e condições específicas de cumprimento da pena, como, por exemplo, um local de custódia adequado à condição de ex-presidente. Consoante já decidido pelo STF noutras oportunidades, como no caso do Fernando Collor, a condição de ex-presidente da república garante o cumprimento da pena em ala especial de presídio, com cela individual.

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– Quais são hoje os principais instrumentos jurídicos à disposição da defesa de Bolsonaro?

Larissa – Com a condenação confirmada por unanimidade pelo STF, as possibilidades recursais da defesa ficam restritas. Como não houve votos divergentes, não cabe embargos infringentes, que seriam o único recurso capaz de reabrir o mérito.

O que resta, na prática, são embargos de declaração, usados apenas para esclarecer pontos da decisão e habeas corpus interno, caso a defesa vislumbre alguma ilegalidade na execução da pena.

Fora isso, não existe mais nenhum mecanismo capaz de mudar o mérito da condenação; neste momento, a atuação jurídica se limita a tentar amenizar os efeitos da condenação e discutir como ela será cumprida.

Pedro – Novamente, destaca-se que a prisão de Bolsonaro hoje é altamente improvável, pelos motivos supracitados. Contudo, nessa remota hipótese, poderia a defesa técnica impetrar Habeas Corpus, no próprio STF, ou Agravo Regimental contra a decisão, para tentar a revogação da ordem de prisão, argumentando a ilegalidade da medida antes do trânsito em julgado; a violação da presunção de inocência; ou, a ausência dos requisitos legais exigidos para a decretação da prisão preventiva. 

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Por outro lado, se a prisão ocorrer somente após o trânsito em julgado, o mais rápido e eficaz instrumento jurídico ao alcance da defesa será o Habeas Corpus para substituir a prisão por domiciliar, fundamentando tal pedido em laudos médicos (sequelas da facada, idade avançada) ou razões humanitárias. É possível efetuar esse requerimento por própria petição no STF ou no Juízo da Execução. 

– A defesa poderia buscar a anulação do processo, em linha com o que ocorreu em parte dos processos do presidente Lula? Em que situações a anulação é viável e o que precisaria ser demonstrado? No processo de Bolsonaro, existe esse ‘espaço”?

Larissa – A anulação de um processo só é possível quando há um erro estrutural muito grave. No caso do presidente Lula, o ponto central foi a falta de competência territorial. O Supremo entendeu que os processos dele iniciou no juízo errado, porque a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para conduzir aqueles casos. Como o processo inteiro nasceu onde não deveria, isso levou à sua anulação.

No caso de Bolsonaro, essa hipótese não encontra espaço, porque o processo já começou no próprio STF, que é a instância constitucionalmente competente para julgar os fatos relacionados ao exercício da Presidência. 

Como não houve deslocamento indevido de competência e até agora, ao que se sabe, não surgiu nenhum vício dessa gravidade não há, no momento, nenhum elemento concreto que sustente uma anulação semelhante à que ocorreu com Lula. São casos concretos completamente divergentes. 

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Pedro- Em tese, sim. A defesa técnica do ex-presidente poderia buscar a anulação do processo, lançando mão de uma ação judicial específica denominada Revisão Criminal, que só pode ser solicitada após o trânsito em julgado da condenação e é condicionada à comprovação de novas evidências ou fatos novos que justifiquem a reabertura do processo. 

Contudo, a revisão criminal é um meio de impugnação extremamente restrito e raramente acolhido pelo STF contra suas próprias decisões. 

Para ter sucesso, a defesa precisaria de novas evidências concretas, como uma nova prova de que um testemunho foi falso ou algo que coloque em xeque de forma inédita a ação penal já julgada, e não apenas reiteração das teses já negadas.

Vale conjecturar que, em um cenário hipotético de mudança substancial no quadro de ministros do STF e, consequentemente, uma alteração na linha jurisprudencial dominante da Corte, a viabilidade de uma revisão criminal poderia aumentar na prática, embora os requisitos formais permaneçam os mesmos. Formalmente, a revisão criminal exige fatos novos, provas novas ou a demonstração de erro judiciário baseado em provas existentes.

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A simples mudança de ministros não altera esses requisitos legais. No entanto, na prática, um tribunal com uma composição diferente pode ter uma interpretação mais flexível do que constitui um “erro judiciário” ou uma “nova prova”, aumentando as chances de sucesso de uma ação que antes seria rejeitada.

Importante observar que o caso de Bolsonaro é completamente diferente da situação do presidente Lula.

No caso de Lula a anulação ocorreu por incompetência territorial (a 13ª Vara de Curitiba não era o local correto para julgar fatos sem relação direta com a Petrobras) e suspeição do juiz (parcialidade de Sergio Moro).

Dificilmente essas teses seriam aceitas para impugnar o caso Bolsonaro. A jurisprudência atual do STF (firmada nos inquéritos das Fake News e Milícias Digitais) solidificou o entendimento de que ataques às instituições democráticas e ao próprio STF atraem a competência da Corte, independentemente do cargo atual. Além disso, o próprio STF jugou centenas de outros casos do Golpe de 8 de janeiro. É questão já superada no próprio plenário do STF. 

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 Como costuma ser a atuação do STF em casos de condenados com questões de saúde como o ex-presidente?

Larissa – O STF analisa casos de saúde com base em critérios técnicos, mas, aqui, estamos diante de uma situação absolutamente inédita e delicada que é a execução penal de um ex-presidente da República.

Independentemente da linha dura que a Corte costuma adotar em pedidos de prisão domiciliar, é inegável que um caso com esse perfil político recebe um tratamento mais cauteloso, justamente porque envolve segurança nacional, estabilidade institucional e uma exposição pública incomum.

A Corte tende a avaliar não só o quadro médico, mas também as implicações práticas e institucionais de manter um ex-chefe de Estado em um estabelecimento prisional convencional. Nesse contexto, a tendência é que o STF adote um regime de cumprimento adaptado, como a manutenção da prisão domiciliar ou um tratamento médico externo supervisionado, justamente pela excepcionalidade do caso.

Logo, não significa privilégio, mas sim o reconhecimento de que um processo penal envolvendo um ex-presidente tem complexidades que extrapolam o padrão e o STF, logicamente, tende a ajustar a sua atuação para essa realidade.

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Pedro – O STF tem uma jurisprudência rígida quanto à concessão de prisão domiciliar por doença (artigo 318, inciso II, do Código de Processo Penal). Não basta ter uma doença grave ou crônica. A defesa precisa provar que o réu está extremamente debilitado e, crucialmente, que o estabelecimento prisional não tem condições de oferecer o tratamento médico necessário.

O STF costuma exigir perícia médica oficial para confirmar a impossibilidade de tratamento no cárcere. Dado o histórico de obstruções intestinais do ex-presidente, este seria um flanco fortíssimo da defesa, mas a concessão não é automática; dependeria de laudos atestando risco de vida no ambiente prisional.

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