A advogada especialista em direito ambiental e urbanístico, Rode Martins, fez uma análise muito clara sobre a fragilidade e inconsistência do pedido de tombamento histórico do prédio da antiga rodoviária de Florianópolis, localizado na Avenida Mauro Ramos, Centro da cidade. 

Continua depois da publicidade

O local está sem uso, abandonado, interditado devido a problemas estruturais e é ponto de encontro de usuários de drogas. A prefeitura da capital pretende vender o imóvel. 

Prédio tem estrutura comprometida e está abandonado:

O leilão está suspenso pela Justiça.

Leia o que disse Rode Martins:

1.     A Propósito do tombamento da antiga rodoviária de Florianópolis, surge o tema do tombamento de bens com valor histórico.

Continua depois da publicidade

O parecer que o SEPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural de Florianópolis)  96/2025 fez para o presente caso é uma aula. Ele rebateu, com propriedade, os pareceres do Ministério Público e do IAB, especialmente em razão da ignorância da legislação específica que rege os tombamentos em Florianópolis, além de erros de caracterização arquitetônica e informações sem verificação documental.

Aqui é interessante notar a narrativa: Os proponentes do tombamento buscam um argumento pseudo técnico, que seria uma “abóbada de berço”, no que so SEPHAN rebateu que seria uma cobertura formada por arcos de concreto conjugados a elementos de madeira e telhas de fibrocimento”. “A configuração do grande vão central, onde de fato se encontram pilares isolados, não é uma aplicação do princípio modernista da ‘planta livre’, mas sim uma solução tipológica e construtiva convencional para grandes espaços cobertos, encontrada em mercados, pavilhões industriais e estações ao longo de décadas, inclusive anteriores ao Modernismo..  Não é incomum vermos não só apenas nos discursos em defesa de restrições urbanísticas, mas também ambientais, argumentos forçosos que, depois de um estudo mais aprofundada, verifica-se a insustentabilidade do argumento”.

2.     Mas afinal, podem os interessados no tombamento, diante da ausência de reconhecimento de valor histórico, buscarem os serviços de Patrimônio Histórico do Estado ou da União, como quem diz, se não me atendem num lugar, tentarei em outro? Não podem. Esta tentativa é ver  “quem acolhe a minha tese” é inconstitucional, ilegal e imoral.

A competência no âmbito do tombamento é dada pelo interesse. Se o interesse é local, portanto, a atribuição é do Município. Assim, o órgão estadual – a FCC, ao subscrever manifestação de apoio ao tombamento, nada mais fez que política, até porque lhe falta competência para apreciar pedido de interesse local. Mas ainda é a falta de competência do IPHAN, cuja atribuição é de interesse de âmbito nacional!

Continua depois da publicidade

Como muito bem esclareceu o SEPHAN, não é qualquer valor cultural de uma edificação que autoriza o tombamento como patrimônio histórico. É preciso ter cuidado com os argumentos persuasivos baseados em pseudo-ciencia, carentes de base factual, permeado de subjetividades e, não raro, de caráter puramente emocional e especulativo, desprovido de rigor técnico. É evidente que qualquer construção poderá ter um certo valor cultural, mas isto está longe de reivindicar um tombamento, o que impõe uma restrição severa ao patrimônio. Como bem disse  o SEPHAN, a memória de uma dada edificação poderá ser preservada por outros meios, como registros históricos e sinalização urbana. “O  tombamento é um instrumento jurídico de máxima proteção, que deve ser reservado para os casos em que a própria materialidade do bem – sua configuração espacial, solução construtiva, autenticidade e integridade – é portadora de um valor cultural excepcional e insubstituível”.

Agora, eu não poderia deixar de prestar minha homenagem à perspicácia do arquiteto parecerista do SEPHAN quanto à assimetria do debate público e a questão da representatividade.

As manifestações públicas coligidas, ainda que valiosas e respeitáveis, emanam predominantemente de um segmento específico da sociedade: instituições acadêmicas, entidades de classe de arquitetura e urbanismo, e movimentos urbanos organizados. Este grupo, que podemos caracterizar como detentor de um significativo capital cultural e simbólico, mobiliza-se por uma causa cujos custos potenciais não recaem diretamente sobre si. Suas argumentações, portanto, podem prescindir do confronto com as consequências práticas da preservação no cotidiano da cidade. Em contrapartida, existe uma outra vertente da opinião pública, menos organizada e com menor acesso aos canais formais de manifestação, que se opõe à preservação do imóvel. Esta oposição, colhida informalmente no território,1 não se funda em preceitos arquitetônicos ou históricos, mas numa experiência concreta e negativa do quotidiano. Para estes cidadãos – moradores e comerciantes do entorno – o edifício não é um símbolo do Movimento Moderno, mas um foco palpável de insegurança e degradação”.

Também não passou em branco pelo parecerista que o que está em causa é instrumentalização da questão patrimonial em favor de uma visão de modelo de cidade para o local (preservação do que existe x segurança e atração de investimentos). É quando a causa do patrimônio histórico vira um metadiscurso para esconder o verdadeiro discurso.

Continua depois da publicidade

Dito isto, não se pode esquecer que a Administração Pública, para além do Princípio da Legalidade estrita, isto é, somente fazer o que a lei permite, está submetida ao Princípio da Eficiência. Quando há a vulgarização de um instrumento tão rígido como o tombamento, desvirtuando-o, tem-se inexoravelmente um conflito social importante e uma sobrecarga do poder público, impedindo a proteção daquele patrimônio de materialidade insubstituível, até porque, quem quer fazer tudo acaba por não fazer nada.

Confira a manifestação do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SC):

O IAB/SC reitera o entendimento de que o edifício da antiga rodoviária apresenta valores que justificam a sua preservação, conforme demonstrado em Dossiê técnico elaborado pelo instituto e que instruiu os pedidos de tombamento em nível municipal, estadual e federal. Tal entendimento tem sido corroborado até o momento por parecer do Centro de Apoio Técnico do Ministério Público de Santa Catarina e também pelo Departamento de Patrimônio Material da Fundação Catarinense de Cultura, ambos favoráveis à preservação.

Somam-se ainda manifestações pela preservação emitidas pelo Departamento de Arquitetura da UFSC, pelo Conselho a estadual de Cultura e pelo Movimento Traços Urbanos. Nem todos estes documentos foram citados pela Prefeitura que não cita diretamente o Parecer do IAB. Apesar das evidências técnicas, a prefeitura de Florianópolis insiste em pedir a sua demolição, politizando a discussão e valendo-se de desinformação e posições frágeis, como a confusa defesa da prefeitura apresentada em Parecer ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina em recurso a ação que pede a demolição da edificação.

O parecer da prefeitura busca contrapor, e com argumentos questionáveis, apenas pontualmente aspectos do pedido de tombamento, esquivando-se da grande quantidade de razões que justificam o tombamento. Ainda, onparecer da prefeitura é preocupante para todos aqueles profissionais e entidades de arquitetura e urbanismo por se manifestar de maneira simplista e reducionista sobre o patrimônio, ao equiparar, por exemplo, a necessidade de preservação à colocação de uma placa informativa após a demolição. O texto ainda confunde a competência do tombamento, que pode ser avaliada em nível municipal, estadual e federal, cabendo a cada um a sua avaliação de acordo com legislação própria.

Continua depois da publicidade

É preciso dizer que se a rodoviária está abandonada e não cumpre hoje uma função social, a responsabilidade pelo abandono é da Prefeitura, que deve dar manutenção e dar uso à edificação. Dar uso e manutenção inclusive não depende do tombamento, poderia começar hoje mesmo. Cabe lembrar que a demolição foi negada pela justiça em primeira instância e que o recurso já tinha os votos de dois dos três desembargadores da turma, ambos contrários ao pleito da prefeitura, quando a votação foi interrompida por pedido de vistas.

Leia Mais:

Os três setores que alavancam o crescimento econômico de SC em 2025

Universidade faz investimento milionário e planeja expansão em Florianópolis

Novo Contorno da Grande Florianópolis atrasa e motorista terá que enfrentar inferno da BR-282 colapsada

Grupo uruguaio investe R$ 8 milhões em restaurante e fábrica em shopping de SC