O opositor político acusou a colega de estar fazendo “intriga barata de senzala”. Ambos, deputados estaduais de Santa Catarina: homem branco médico e mulher negra professora e jornalista. Não chegaria a surpreender se isto fosse hoje porque o preconceito escancarado persiste, apesar de séculos do fim da escravidão e da contínua luta de oposição que ainda não consegue maior repercussão. Neste caso específico, o fato ocorreu há cerca de 70 anos e o alvo do ataque preconceituoso foi Antonieta de Barros.
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A motivação alegada teria sido as crônicas que ela escrevia nos jornais de Florianópolis. Mas não era somente o que publicava que incomodava. Após décadas de movimentos reivindicatórios, somente em 1932, as mulheres conquistaram o direito de voto e puderam se candidatar a cargos políticos no Brasil. Já dois anos depois, Antonieta foi a primeira mulher negra a ser eleita deputada no Brasil e, em Santa Catarina, a primeira mulher neste cargo.
Antonieta tinha uma conduta firme e engajada desde jovem. Catarina, que havia sido escrava e foi liberta, teve três filhos Cristalino, Leonor e Antonieta, que nasceu em 1901, na cidade de Florianópolis, 13 anos após o fim da escravidão no Brasil. Catarina trabalhava na casa do político Vidal Ramos, pai de Nereu Ramos, que viria a ser presidente da República. Depois, passou a cuidar de uma pensão que hospedava quem chegava a Florianópolis para estudar. Influenciada por esta convivência próxima com os estudantes, Antonieta dedicou-se aos estudos.
Conseguiu formar-se professora e, enquanto ainda estudava, participou do Grêmio Estudantil e escreveu para a revista da Escola Normal. Trabalhou nos colégios que a elite frequentava, foi diretora do Instituto de Educação e manteve até morrer, em 1952, as aulas para adultos analfabetos que batizou Curso Antonieta de Barros.
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“O instrumento básico da vida é a instrução. Se educar é aprender a viver, é aprender a pensar. E nessa vida, não se enganem, só vive plenamente, o ser que pensa. Os outros se movem, tão somente”, escreveu Antonieta, que defendia o acesso à educação para todos como instrumento básico para uma vida digna.
A dedicação a esta causa levou-a a ser cronista nos jornais da cidade e deputada. Durante metade da vida, escreveu centenas de artigos colaborando regularmente na imprensa catarinense. Algumas das crônicas foram reunidas no único livro que publicou: “Farrapos de Ideias” (1937). Usou o pseudônimo Maria da Ilha, o mesmo que assinava nos jornais.
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Como cronista, abordou problemas sociais relacionados à educação, política, cidadania, direitos das mulheres, refletiu sobre o cotidiano, questões existenciais, a vida e a morte. Numa época de poucas mulheres escritoras e menos ainda dedicadas à crônica, Antonieta se fez presente de forma marcante na literatura catarinense. O reconhecimento no país, entretanto, ficou muito aquém da contribuição que teve para a história.
*Texto de Gisele Kakuta Monteiro
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