Os porta-retratos em cima da mobília contrastam com a seriedade da sala localizada no segundo andar do Centro Administrativo Governador Casildo João Maldaner, sede do Governo de Santa Catarina em Florianópolis. As imagens retratam o lado mãe e avó, em momentos de descontração, e dão um tom mais familiar ao ambiente que é usado diariamente para reuniões e tomadas de decisões sobre o futuro do Estado. É neste mesmo espaço que, ao centro, fica a mesma repleta de papéis da pessoa que o ocupa desde janeiro de 2023: Marilisa Boehm (PL), a segunda mulher a assumir o cargo na história catarinense.

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Natural de Joinville, no Norte catarinense, e formada em Direito, Marilisa foi a fundadora da primeira Delegacia da Mulher, na década de 1990. O local, rapidamente, se tornou um ponto de apoio para as mulheres que, já naquela época, buscavam por proteção para fugir de lares abusivos.

— Elas achavam, naquela época, que era normal ser agredida, porque a avó já era, a mãe já era. Então, ela ser agredida também fazia parte dessa história e era muito triste. Eram mulheres muito deprimidas, mulheres muito tristes, mulheres muito abandonadas — conta.

Ainda como delegada, Marilisa atuou na criação da casa “Viva Rosa”, para abrigar vítimas de violência, e no Protocolo de Atendimento às Pessoas Vítimas de Violência Sexual. Além disso, foi delegada-regional entre 1999 e 2002. No entanto, mesmo com o protagonismo na sua área de atuação, a delegada não escapou dos comentários misóginos dentro e fora do ambiente de trabalho ao longo da carreira:

— Eu chamava eles de vossa excelência, eles me chamavam de mulherzinha.

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Já a política entrou na vida de Marilisa devido a uma inquietação e com o desejo de ver mais mulheres à frente de um cargo no executivo. Mas, deixa escapar o fato de que não imaginava que, um dia, ocuparia a mesa daquela sala do Centro Administrativo:

— Eu achava que a gente não iria ganhar a eleição. Eu dizia para o Jorginho [Mello, governador de SC]: homem de Deus tem um monte de candidato forte!

Agora, aos 60 anos, mãe de um casal de filhos e avó de gêmeos, ela busca com o cargo fortalecer as políticas públicas para mulheres, principalmente no combate a violência de gênero.

O NSC Total conversou com a vice-governadora sobre o início da carreira, os desafios no combate a violência doméstica e os projetos do Estado para os próximos meses. Confira:

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Antes de começar, gostaria que a senhora falasse o que destaca do trabalho que a senhora desenvolve como vice-governadora de Santa Catarina?

Eu aceitei ser vice-governadora, junto com Jorginho Mello (PL), porque na ocasião ele me disse que queria cuidar e dar oportunidade para as pessoas. Eu falei: mas como você quer fazer? Ele: quero fazer faculdade gratuita, quero cuidar da saúde, melhorar os hospitais, fazer cirurgias eletivas. Eu como delegada de polícia, já estava acompanhando mulheres que estavam há 10, 12 anos esperando por cirurgias, e aquilo me encantou porque eu sempre trabalhei em prol das pessoas. Eu não era só uma delegada de polícia, eu era uma assistente social, uma psicóloga, uma recrutadora de empregos. A gente sabia que a violência adivinha, às vezes, do problema que é a falta de moradia, falta de emprego, enfim, de tudo isso, do alcoolismo na época…Então, eu aceitei ser vice-governadora para ajudar o governador Jorginho Mello. E nós estamos fazendo isso desde o primeiro dia que assumimos.

Eu queria que a senhora falasse sobre a sua trajetória antes de ser vice-governadora. A senhora foi a primeira delegada da Delegacia da Mulher, lá em Joinville, antes de tudo isso. Mas de onde surgiu essa vontade de seguir na área da segurança? Foi alguma inspiração?

Eu acredito que surgiu na faculdade. O meu professor de Direito Penal passava muitas provas e trabalhos para a gente fazer, sempre com [temas como] estupro, mulher violentada, criança estuprada, e eu ficava revoltadíssima. Um dia estava tendo uma prova sobre isso e, eu indignada, resmunguei lá [no fundo da sala]. Daí ele: Marilisa o que tu está falando aí? E eu falei: estou falando que um dia eu vou ser delegada de polícia e vou prender todos esses caras, que estupram mulher. Aí todo mundo riu na sala de aula, inclusive o professor. “Marilisa tu não vai ganhar nem para matar fome”. Naquela época, delegado ganhava pouquinho, mas tudo bem. E mais tarde eu advoguei, me formei com 21 anos e com 24 anos fui nomeada delegada de polícia. Eu advoguei por 2 anos e aí apareceu o convite para fazer o concurso da Polícia Civil, porque tinha um amigo que disse: “Marilisa, isso combina contigo, nós precisamos inaugurar a Delegacia da Mulher e ninguém dos homens quer inaugurar essa direção”. E era uma determinação na época. Aí eu falei, tá, vou fazer o concurso. Aí fiz o concurso, fui passando nas etapas e realmente fui nomeada. Primeiro que os psicólogos da academia não acreditavam, né? Eles deram um papel para a gente escolher três cidades para ir. Eu coloquei Joinville, Joinville e Joinville. Eles vieram: “quem era louca que botou que quer ir para Joinville de qualquer jeito?” Era a cidade mais violenta do Estado, mais perigosa e ninguém queria vir para Joinville. Todo mundo queria ficar em Florianópolis, nas praias e tudo. Mas eu sou de Joinville, tinha dois filhos, era casada, minha mãe morava lá, ajudava a cuidar dos meus filhos. Eu disse: eu quero ir para Joinville. E assim foi feito. Quando cheguei em Joinville, o delegado regional João Pessoa Machado, que já é falecido, me chamou e disse: “nós vamos inaugurar a Delegacia da Mulher”. Eu não tinha trabalhado em nenhuma delegacia ainda e fiquei uns três meses trabalhando na delegacia regional e, junto com ele, montando a delegacia [da mulher]. Era em um puxadinho de zinco, em um depósito. A gente limpou, pegamos móveis daqui, móveis dali, de outras delegacias, e fizemos a Delegacia da Mulher. Eu pensei, no primeiro dia, não vai aparecer ninguém, né? No outro dia estava cheio de gente, mulher de tudo quanto era lugar, mulher nova, de não sei quantos anos. Todas elas queriam ser atendidas para saber que direito elas têm. Aí elas contavam que eram agredidas. A gente dizia, bom, vamos fazer o boletim de ocorrência, mas muitas falavam “não, eu só vim aqui para saber se eu tinha direito, mesmo porque meu marido sempre disse que eu não tenho direito a nada e quem trabalha é ele”. E assim foi conscientizando as mulheres. Nós já tínhamos uma psicóloga também na delegacia e fomos orientando para que elas parassem de sofrer violência. Elas achavam naquela época que era normal ser agredida, porque a avó já era, a mãe já era. Então ela ser agredida também fazia parte dessa história e era muito triste. Eram mulheres muito deprimidas, mulheres muito tristes, mulheres muito abandonadas. E criamos um setor de psicologia onde fazíamos terapia em grupo com as famílias, chamava o agressor também junto com a vítima, que foi um trabalho maravilhoso. Posteriormente ele foi apresentado aqui em Florianópolis para membros da ONU que adoraram. Depois disso, consegui muito na briga, muito na luta, um prédio maior […] e lá ela passou a ser denominada a delegacia da mulher, criança, adolescente. E depois, em 2023, foi reinaugurada novamente como mulher, criança, adolescente e idoso.

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A senhora comentou um pouco sobre como era esse encontro com as mulheres que pediam ajuda na época da inauguração da delegacia, que foi na década de 1990. Mas de lá pra cá, o que mudou? E o que permanece igual e ainda é um desafio hoje?

Meu Deus, mudou muito. Naquela época, as mulheres sofriam porque a assistência social não existia, não existia conselho tutelar, não tinha creche. As mulheres, depois que elas casavam, elas tinham que ficar em casa. Elas só podiam voltar ao mercado de trabalho quando a criança tivesse seis anos, porque tinham que cuidar das crianças. Então, as mulheres não estudavam, não tinham redes sociais. As informações que elas tinham era da mãe, avó, que o homem pode tudo, a mulher não pode nada. Então, fazendo um comparativo, hoje nós evoluímos muito. As mulheres têm acesso à informação até lá no interior, no campo. [Porém] muitas ainda ficam naquela cultura arraigada de que ele vai mudar. Ele me bate, mas no outro dia traz um ramalhete de flores, manda uma caixa de bombom, e ele vai mudar. E a violência? Ela tende só a aumentar. Se a gente não tratar a violência de forma criminal e de forma psicológica, a tendência é aumentar e muitas vezes ter um fim trágico. E eu já acompanhei muitos desses casos. Hoje a nossa Polícia Civil está bem equipada. Nós temos delegacias especializadas, nós temos as salas lilás, nós temos a Rede Catarina, nós temos as redes sociais. E isso dá um suporte em conforto e um acolhimento para essa mulher, porque ela sabe que ela vai ser acolhida e que vai ser protegida. Eu acho que mudou muito da polícia daquela época para a polícia dessa época. E culturalmente nós estamos a cada dia dando um passinho. Porque eu sempre digo: ah, mas isso é em virtude do machismo. Mas existe o machismo feminino. Quantas mulheres acham que ser vice-governadora, ser jornalista é algo para homem? Ser delegado de polícia? Quando eu fui delegada de polícia, quase fui linchada na minha cidade. [As pessoas diziam] isso é coisa para homem, nós vamos fechar essa delegacia, isso não tem cabimento. Para que isso?

A senhora teve muita dificuldade até chegar a ser delegada?

Eu tive um juiz que tentou me bater só porque eu trabalhava numa delegacia da mulher, mas eu fui nomeada para trabalhar naquela delegacia. Cada vez que ele me encontrava, ele dizia que ia fechar a delegacia. Aí um dia, um outro juiz, me chamou lá no fórum, porque esse juiz estava de férias. E aí os substitutos usavam a sala do titular. Só que ele, nas férias dele, resolveu dar uma passada no fórum, na sala dele, e eis que quem estava lá era a dra Marilisa. Aí, ele disse para o outro juiz: “quem chamou essa mulherzinha aqui?”. [O outro juiz] disse: “eu chamei a delegada que eu tenho umas dificuldades aqui no inquérito e eu queria conversar”. Ele [o juiz] pegou, botou o dedo no meu nariz e, nós estávamos em pé, disse: “eu ainda vou fechar essa tua delegacia”. Aí eu disse: “o senhor [é] tão poderoso, então fecha”. Aí ele levantou a mão para me bater. Era nesse nível. Eu chamava eles de vossa excelência, eles me chamavam de mulherzinha. Não estou generalizando. Estou falando de um juiz, não estou falando do restante, mas eram coisas que eu tinha que enfrentar. Deboches na cidade do tipo “isso aí não vai durar, né?” Isso aí não vai vingar, isso aí vai acabar, não dou um ano que ela desiste ou antes, e não sei o quê. Eu ia nas reuniões, chamavam todas as autoridades e não me chamavam. Eu ia lá, me apresentava e sentava na mesa.

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Acredito que é ainda mais complicado quando a gente fala das forças de segurança, já que ainda se tem aquela imagem muito masculina do policial, ainda mais quando se é delegada na década de 1990 e o fato de você ser muito jovem…

Exato, o fato de eu ser baixinha e nova. Eles chegavam e falavam: quero falar com a delegada e, ai, aparecia eu. Meu Deus, que decepção. Só que a minha caneta sempre foi a mais pesada da cidade. Por que? Porque nós prendíamos mais gente do que as outras delegacias. Porque a nossa delegacia era uma delegacia da família. Eu acho que sempre deveria ter se chamado de delegacia da família, porque a gente atendia a família inteira. O que acontecia? 60% das ocorrências na época eram brigas familiares e 40% eram de furto, roubo, arrombamento, essas coisas assim. Então, quem mais prendia mesmo era a minha delegacia. E eu não era só delegada da Delegacia da Mulher. Eu atuava no plantão na cidade inteira. Teve época que nós tínhamos que atender Joinville, São Francisco, Garuva, Itapoá, porque não tinha delegado suficiente. Os policiais militares de lá faziam a prisão e traziam para Joinville, e a gente tinha que passar a noite inteira fazendo flagrante. Eu atendi todo tipo de violência. Até assalto ao banco eu atendi.

Mas quando a senhora fala em 40%, eram outros casos, aí era das delegacias em geral, não era da Delegacia da Mulher…

Isso, daí não era da delegacia da mulher, eram de outras. E eu sempre digo: o que é mais difícil? Você entrar em uma delegacia e dizer que alguém te roubou a moto, roubou o carro, ou tu chegar na delegacia e dizer que a pessoa que te prometeu ser fiel, te proteger e que é pai dos teus filhos, te agride, te violenta? Muitas começavam a fazer o boletim e desistiam. Outras estavam no meio do boletim, a sogra ligava: “tu vai fazer isso com o meu filho? Ele é um homem tão bom, o que os filhos vão falar?” Aí elas desistiam e assim sucessivamente. Para nós era dificílimo fazer [o boletim de violência doméstica]. Furtou a minha moto? Pronto, coloca os dados. Quem é que vai se despedaçar por dentro? Vai ficar com raiva porque perdeu a moto. E quando apareciam as crianças vítimas de violência sexual, crianças pequenas, de oito, nove, 10 anos, estupradas muitas vezes pelos pais, pelos padrastos, pelos padrinhos, pelos tios?

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E no que o governo tem atuado para tentar diminuir os índices?

Nós estamos equipando a Polícia Civil, a Polícia Científica, os bombeiros, a Polícia Militar, a Rede Catarina, enfim. Estamos fazendo as salas lilás, queremos colocá-las em todos os municípios de Santa Catarina. Porque a sala lilás? Porque é um local que a mulher pode ter um espaço para relatar a violência que sofreu sem ter que se expor na frente de outras pessoas que estão ali na delegacia. Esse é um primeiro passo. Estamos equipando bastante a Polícia Científica também nesses casos de violência sexual, violência física, de toda a natureza, com equipamentos. O nosso projeto futuro ainda é construir mais delegacias da mulher, delegacias especializadas, porque as cidades estão crescendo, os centros estão crescendo e uma hora nós vamos ter que expandir. Só que isso é uma coisa que tem que ser muito bem estudada, porque não é só abrir uma porta, essa porta tem que ser realmente um local adequado para atendimento. Nós precisamos ter funcionários, policiais, psicólogos, uma sala arejada, bonita. Precisamos ter médico legista nessas cidades para fazer os exames. Enfim, nós precisamos de uma série de coisas e, para isso, a gente precisa pôr na ponta do lápis quanto vão custar essas obras, quantos concursos, quantas pessoas nós vamos precisar para colocar nessas delegacias, a capacitação, enfim, uma série de coisas.

Dentro desse planejamento há algo em relação às delegacias da mulher atuando 24 horas, já que isso está previsto em lei e atualmente não temos esse serviço devido a falta de efetivo?

É, hoje nós não temos por falta de efetivo. Nós temos uma delegacia centralizada para atender tudo, porque se não, nos outros horários, nós não teríamos policiais para atender a demanda. Na minha época [da Delegacia da Mulher], a gente atendia 24 horas, só que ficava um policial à noite para cuidar. Hoje, se tu deixar um policial [sozinho], é capaz dele ser morto, porque hoje a violência está pior do que naquela época. Hoje tem violência de tudo quanto é tipo, até digital. Então, a gente também tem que proteger o prédio, tem que proteger a vida daquela pessoa. Hoje temos muito mais habitantes do que naquela época, onde todo mundo se conhecia. A gente já sabia até quem era o bandido. O cara botava o pé dentro da cidade, a gente sabia. Nós estamos só a dois anos à frente do governo. Eu acho que, se vocês olharem, tudo que o nosso governo já fez, é muito. Eu fiquei quase 30 anos na frente da polícia e só mudou agora. Ela está recebendo esses equipamentos, carro blindado, coleta à prova de bala, pistola, capacitação. Na minha época, não. A gente tinha um colete sim, de plástico, escrito “Polícia Civil” à prova de bala de goma. A gente só era alvo se fosse com aquilo. Era o primeiro a morrer. O telefone era de discar e nem era meu, era emprestado do IML. O carro que eu tinha era um Opala, que o regional me deu e que tinha que amarrar a porta de trás, porque se tu acelerasse, a porta caía. Então, olha a diferença pra hoje.

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Apesar de Santa Catarina ser um dos estados com os menores índices de violência, ainda temos muitos casos de feminicídio. O que dá para fazer para reduzir isso, na sua opinião?

Isso é um problema cultural. Já diminuímos bastante o número de feminicídios no estado de Santa Catarina, mas por vivermos na região Sul, que é uma região ainda culturalmente masculina, como eu disse para vocês, as próprias mulheres ainda têm isso [o machismo] muito enraizado. Culturalmente, nós precisamos fazer um trabalho com as crianças desde a escola. Mudar a cultura não é fácil, não é só dizer: agora comprei um equipamento eletrônico, uma nave que veio de Marte, e agora ninguém vai matar mais nenhuma mulher. Não é assim. A gente tem que fazer com calma.

Então, o passo seria trabalhar realmente a educação?

Sim e já estamos fazendo isso há muito tempo com todos esses projetos que a gente tem aí. As redes sociais estão divulgando a todo momento os direitos que a mulher tem, o que que ela pode fazer, o que que ela não deve fazer. Estamos abrindo mais universidades, nós temos uma faculdade gratuita que está oferecendo as condições para as mulheres de fazer a faculdade que querem, como medicina, advocacia, engenharia, que antigamente eram só para os homens, enfim. Já está mudando, só que isso é uma questão de tempo. Eu estou vendo de 10 anos para cá, como melhorou tudo, como as mulheres estão mais espertas, estão estudando, trabalhando, se esforçando. Hoje tem creche em tudo quanto é canto, as mulheres podem trabalhar, elas têm esse apoio, não é? E outra coisa, hoje os maridos já estão entendendo que as mulheres precisam trabalhar porque não é um capricho e não é um luxo. É uma necessidade, é uma realização, é uma coisa pessoal. E que tem que ser respeitado. […] O que a gente precisa fazer agora é um trabalho nas escolas, nas igrejas, nos centros comunitários, desde pequenininho porque tudo o que tu aprende bem pequenininho passa a ser normal. Antigamente eram as meninas pra cá, os meninos pra lá. Menino não podia fazer isso, menina só ganhava de brinquedo tanque, fogão, boneca, e o menino ganhava um carrão. Então tem muita coisa para mudar, mas nós estamos mudando.

Confira imagens da vice-governadora

O Governo de SC tem trabalhado nesse plano estadual de políticas públicas para mulheres. Como tem sido o planejamento?

Esse plano estadual de políticas públicas nasceu com o objetivo de fazer um diagnóstico em todos os municípios do estado de Santa Catarina. Nós precisamos verificar como está a situação de cada mulher em cada município. Ah, doutora, mas por que mulher? Porque a mulher é a coluna da casa. Quem sabe tudo a respeito da família dentro da casa é a mulher: se o filho está doente e o marido está desempregado, se a sogra ficou no PA esperando… Então vamos fazer esse diagnóstico. A Fapesc fez um edital e nós vamos contratar graduados e pós-graduados para fazer esse trabalho para identificar quais são as necessidades das nossas famílias catarinenses através das mulheres. Nós vamos levantar, por exemplo, se lá no interior está faltando creche. As mulheres não conseguem trabalhar porque não tem creche, outras porque não tem hospitais. Ou então tem uma cidade com um número elevado de mulheres com câncer de mama, mas não tem mamógrafo. Vamos abastecer essa cidade, dar prioridade para essa cidade, porque cada região, cada cidade tem uma peculiaridade diferente. A gente não pode pensar e comprar mamógrafo para o estado de Santa Catarina todo, porque não é necessário, tem lugar que nem tem câncer, mas está faltando creche, está faltando sala de aula, está faltando professor, está faltando faculdade. A gente precisa identificar para poder elaborar um plano. E é isso que a gente quer fazer. São poucos os estados que têm esse plano estadual com esse tipo de diagnóstico e nós queremos fazer.

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Qual o tempo estimado para vocês terem os primeiros resultados?

Um ano. Aí nós vamos sentar para fazer os planos de ações junto com a Secretaria de Assistência Social e tantas outras que forem necessárias.

Nós conhecemos o lado Marilisa vice-governadora, o lado delegada, mas existe o lado que também é mãe e avó. Como é conciliar esses dois lados? Ainda mais quando trabalhou como delegada, vendo todo o tipo de violência durante os atendimentos?

No começo foi bem difícil. Primeiro que eu era uma menina de classe média. Sempre estudei em colégio particular e eu não conhecia essa realidade. E quando eu passei a conhecer, eu me envolvi muito. Eu tomava para mim as dores das vítimas, tanto das crianças, dos idosos que eram espancados, das mulheres vítimas de violência. Eu tenho uma grande mãe, que era professora de história e sempre me deu muita força, conversava muito comigo e um dia me disse: minha filha, isso é trabalho. [Mas] era difícil fazer essa separação, mas a psicóloga que trabalhava comigo na delegacia, como ela estava sempre comigo, ela me fortaleceu muito. A gente fazia terapia quase toda a semana. Quando ela via que eu estava muito sobrecarregada, ela me colocava lá na salinha dela e [falava] vamos conversar? Ela fazia eu voltar à realidade. E aí eu fui crescendo. Eu era uma menina, tinha 24 anos quando eu assumi [a delegacia]. Eu tinha que cuidar dos meus filhos, do meu marido, da minha casa, da minha mãe, do meu pai, dos meus irmãos, enfim. Era difícil, mas eu tinha apoio. A minha mãe estava aposentada e já me ajudava a cuidar dos filhos. Então, eu levava para a escola, minha mãe buscava, porque pra sair [do trabalho] eu não tinha horário. Às vezes chegava flagrante tarde da noite. Então, ela era meu socorro e sempre me ajudou. Eu acho que se eu não tivesse tido a minha mãe e o meu pai do lado pra me ajudar com as crianças, eu teria desistido. Porque não é fácil uma profissão como a minha naquela época, enfrentando tudo aquilo com duas crianças pequenas. E como vice-governadora, você pergunta. Bom, para mim foi uma surpresa ser vice-governadora. Porque eu achava que a gente não iria ganhar a eleição. Eu dizia para o Jorginho [Mello, governador de SC]: homem de Deus tem um monte de candidato forte. Mas eu já fui candidata uma vez a vice -prefeita, porque eu queria provar que Joinville poderia ter uma mulher na majoritária. Na época, eu tinha ganho para vereadora, não levei por causa da legenda. Aí veio a proposta para ser vice-prefeita de Joinville com Marco Tebaldi (PSDB). Ai eu pensei: eu vou sair candidata mesmo que a gente não ganhe, porque eu vou estar mostrando para as mulheres da minha cidade que uma mulher pode fazer parte da majoritária. Aí me chamaram de louca, de psicótica, de tudo que era coisa que eu escutei. O meu marido disse na época: “está louca? Trocar o certo pelo duvidoso?”. E eu digo: não, eu vou fazer porque a minha meta é mostrar que a gente também pode. Eu fui a primeira candidata a vice -prefeita de Joinville e, na eleição seguinte, cinco mulheres se candidataram, duas a prefeita e três a vice -prefeita. E hoje nós temos a Rejane Gambin (Novo), vice-prefeita por duas vezes.

Mas como que a senhora entrou para a política?

Foi um momento de revolta. Eu já estava quase me aposentando naquela época. [Na verdade], eu já poderia me aposentar, depois ainda fiquei mais dois anos. Mas eu fazia projetinhos para as mulheres, para criança, adolescente. Eu fazia e levava na Câmara de Vereadores para que eles aprovassem. Aí eles batiam nas minhas costas e diziam que legal, maravilhoso. Mas nunca saía nada. Aí um dia acordei do avesso e disse: eu vou me candidatar, eu vou aprovar meus próprios projetos. E aí me deu a doideira, que eu sou assim, de lua. Um dia estou ótima, no outro dia eu já estou virada. E fui candidata, fiz uma boa votação, com 3.660 votos. Para 2012 era muito voto, mas não ganhei por causa da legenda. Não ganhei nem para vereadora, nem para vice-prefeita, nem para deputado estadual, mas virei vice-governadora. Acho que Deus estava me treinando, era um estágio.

Bom, a senhora tem toda essa trajetória política e de carreira pública, e no ano que vem teremos eleições. Como é que vai ser a sua participação? A senhora vai ser candidata a vice, vai se candidatar a deputada federal… A Marilisa vai estar nas urnas no ano que vem?

A Marilisa quer colaborar, mas, por enquanto, estamos só trabalhando, como diz o meu chefe, o governador Jorginho Mello (PL). A gente consegue ganhar uma eleição apresentando um bom trabalho, então essa é a minha resposta. Ainda não posso afirmar nada, porque a política é, como eu sempre digo, de hoje para amanhã [muda muita coisa]. Eu digo uma coisa, amanhã já vou tratar com o meu partido, que diz que já se reuniu e diz não, tu vai sair do federal para estadual, tu vai sair do estadual para federal, nós temos que arrumar o quadro. Então, nós ainda estamos trabalhando muito, apresentando trabalhos, e foi para isso que nós fomos eleitos.

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