Tentativas de desacreditar as urnas eletrônicas. Pressão pelo voto impresso. Ataques ao sistema eleitoral diante de embaixadores estrangeiros. Discursos em atos de 7 de Setembro de confronto ao Judiciário e de ameaça de não deixar o cargo. No dia da eleição, operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em rodovias que dificultaram o acesso de eleitores. Após a derrota, bloqueios, acampamentos em frente a quartéis e articulações com militares para barrar a posse de Lula — incluindo a minuta de um decreto golpista. Planos de sequestro e assassinato de autoridades. Tentativa de atentado a bomba em Brasília às vésperas da posse. E, por fim, a invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
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A sucessão de fatos narrada acima reúne os principais episódios da trama golpista investigada que começará a ser julgada a partir da próxima terça-feira (2), no Supremo Tribunal Federal (STF). O chamado “núcleo crucial do golpe” que estará em julgamento é composto pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete investigados (veja lista abaixo), incluindo ex-ministros de Bolsonaro e um chefe das Forças Armadas.
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Bolsonaro chega ao banco dos réus como o quarto ex-presidente preso desde a redemocratização. O ex-chefe do Executivo já está em prisão domiciliar desde 4 de agosto como medida cautelar em uma investigação paralela, que apura suposta interferência dele e do filho Eduardo Bolsonaro no processo da tentativa de golpe por meio de sanções do governo dos Estados Unidos, comandado pelo aliado Donald Trump. Caso seja condenado, no entanto, pode ser preso para o cumprimento da pena em uma instituição militar, carceragem da PF ou mesmo em cela no Complexo Penitenciário da Papuda, em Brasília. Nesta semana, o ex-presidente teve monitoramento em tempo integral por agentes da Polícia Federal em frente a sua residência autorizado pela Justiça, por suposto risco de fuga.
Bolsonaro responde pelos crimes de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Caso seja condenado com as penas máximas por todos os crimes, o ex-presidente pode pegar até 43 anos de prisão.
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Na semana que antecedeu o julgamento, aliados de Bolsonaro afirmaram que o ex-presidente já dá como certa a condenação no julgamento no STF, embora a equipe jurídica não acredite que ele pegará a pena máxima prevista para os crimes dos quais é acusado. Mesmo em caso de condenação, a defesa de Bolsonaro ainda poderá recorrer de detalhes do processo com os chamados “embargos”, que teriam previsão de julgamento até outubro ou novembro. Somente depois disso é que a aplicação de eventual pena do ex-presidente e dos demais réus poderia ser posta em prática.
Escalada de ataques ao sistema eleitoral
Os primeiros fatos citados na investigação da Polícia Federal e na posterior denúncia da Procuradoria-Geral da República sobre a tentativa de golpe coincidem com a reta final do mandato de Bolsonaro. Após um período de conflitos constantes com as instituições, ministros do STF e lideranças do Congresso, em crises ligadas a decisões da gestão da pandemia de Covid-19, o hoje ex-presidente aumentou o tom das críticas ao voto eletrônico e ao sistema de votação conforme a disputa presidencial de 2022 se aproximava. Em março de 2021, após uma decisão do STF anular as condenações de Lula e torná-lo novamente elegível, o ex-presidente intensificou os ataques ao sistema eleitoral. Em julho daquele ano, em uma live transmitida também pela TV Brasil, Bolsonaro questionou as urnas eletrônicas e disse que “nunca mais tocaria no assunto” caso a proposta de voto impresso fosse derrotada no Congresso — o que aconteceu no mês seguinte.
Em julho de 2022, já mais perto da campanha eleitoral, Bolsonaro chegou a afirmar que teria provas de que teria vencido ainda no primeiro turno as eleições de quatro anos antes. Convocou uma reunião com embaixadores de mais de 70 países em que questionou as urnas eletrônicas e citou supostas informações de um hacker, nunca confirmadas. Já após os dois turnos da eleição de 2022, o PL, partido do ex-presidente, questionou formalmente o funcionamento das urnas, posicionamento que rendeu uma multa de R$ 22 milhões da Justiça Eleitoral ao partido por litigância de má-fé, por não ter apresentado indícios ou provas.
Em meio aos questionamentos das urnas, ministros, militares e aliados de Bolsonaro também teriam articulado uma tentativa de golpe para impedir a posse do presidente eleito Lula e manter Bolsonaro no poder. Os fatos serão analisados no julgamento do caso na próxima semana, na Primeira Turma do STF.
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O julgamento de Bolsonaro e outros sete réus do chamado “núcleo crucial” da trama golpista começa na próxima terça-feira (2) e deve se estender por outras cinco data já reservadas pelo STF: 3, 9, 10 e 12 de setembro.
Os primeiros dias devem ser dedicados à leitura do relatório do ministro Alexandre de Moraes, à sustentação oral do procurador-geral da República, Paulo Gonet, que terá até duas horas para falar, e dos advogados dos oito réus, incluindo a defesa de Bolsonaro, cada um com até uma hora para manifestação.
Depois disso, o ministro Alexandre de Moraes deve apresentar a proposta de voto, em que irá pedir a condenação ou absolvição dos réus. Os demais ministros da Primeira Turma votam na sequência, em ordem de antiguidade no tribunal: Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, que fecha o julgamento por ser presidente da Turma.
Quem são os outros réus
O núcleo que será julgado a partir da próxima semana reúne Bolsonaro e outros sete investigados, todos ex-ministros ou cargos de primeiro escalão do governo do ex-presidente ou das Forças Armadas. Além deste grupo, chamado de “núcleo crucial do golpe”, há ainda outros cinco grupos de investigados, que totalizam 37 réus. Ainda não há data definida para os julgamentos outros núcleos.
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- Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
- Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Investigação (Abin);
- Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
- Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
- Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
- Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência;
- Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
- Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil.
Julho de 2021 — Live contra as urnas
Em live do Palácio do Planalto, Bolsonaro criticou o voto eletrônico, disse haver “indícios” de fraude nas urnas sem apresentar provas e exaltou a atuação das Forças Armadas. A transmissão foi retirada do ar um ano depois pelo YouTube.
Setembro de 2021 — ataques no 7 de setembro
Em ato durante o feriado da Independência, Bolsonaro fez um discurso dizendo que “não iria mais se submeter” às decisões da Suprema Corte e que só sairia da presidência “preso, morto ou com vitória”. Mais tarde, a investigação mostrou que o grupo do então presidente já tinha traçado um plano de fuga para Bolsonaro caso ele não sofresse reação dos poderes e não tivesse apoio para um golpe.
Julho de 2022 — Reunião com embaixadores
Em reunião com embaixadores estrangeiros, Bolsonaro repetiu a tese de supostas fraudes nas urnas eletrônicas sem comprovar as acusações. Os ataques ao sistema eleitoral diante de mais de 70 diplomadas levaram, mais tarde, à condenação de inelegibilidade por oito anos de Bolsonaro em julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
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Julho de 2022 — “Virada de mesa”
Em reunião convocada por Bolsonaro, o então chefe do GSI, general Augusto Heleno, afirmou que “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”. Ele afirmou ainda ser necessário “agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas”. A conversa foi revelada durante a investigação da PF.
Outubro de 2022 — Blitze no segundo turno
No dia do segundo turno da eleição presidencial de 2022, a PRF fez blitze em rodovias federais que segundo investigadores da PF teriam dificultado o acesso de eleitores a zonas eleitorais em que o então candidato Lula (PT) havia recebido mais votos no primeiro turno.
Outubro de 2022 — Bloqueios e acampamentos
Logo após a divulgação do resultado do segundo turno da eleição, grupos bolsonaristas fizeram bloqueios em rodovias e deram início a acampamentos em frente a quartéis do Exército em todo o país. Nesses locais, estenderam faixas pedindo intervenção militar e a manutenção de Bolsonaro no poder. Bolsonaro demorou 44 horas para falar pela primeira vez após o resultado e não reconheceu a vitória de Lula. A investigação da PF mostrou que muitos desses acampamentos teve apoio financeiro para oferta de refeições e manutenção de estrutura com banheiros. O acampamento montado em
frente ao quartel de Brasília serviu de ponto de encontro de manifestantes que participaram dos ataques aos prédios públicos nos atos de 8 de janeiro de 2023.
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Outubro a dezembro de 2022 — Trama golpista e operação “Punhal Verde Amarelo”
Nos meses entre a eleição e a posse foi o período em que os 37 réus teriam atuado para convencer chefes das Forças Armadas para impedir a posse do governo eleito e manter Bolsonaro no poder. Os planos envolveram a elaboração de uma minuta de golpe, discutida por Bolsonaro com comandantes do Exército e da Marinha. O documento mais tarde foi encontrado na casa do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, Anderson Torres, e até tentativas de sequestro e assassinato do ministro Alexandre de Moraes, do STF, do então presidente eleito Lula e do vice Geraldo Alckmin (PSB), que receberam o nome de operação “Punhal Verde Amarelo”. Bolsonaro permaneceu recluso na maior parte do período, mas aliados como o ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Netto chegou a falar a pedir a aliados que “não percam a fé”. Nesse período, a PF também evitou um ataque a bomba no aeroporto de Brasília duas semanas antes da posse de Lula, em dezembro de 2022.
Janeiro de 2023 — Ataques de 8 de janeiro
Invasões e depredações nos prédios dos Três Poderes no dia 8 de janeiro de 2023 reuniram manifestantes com roupas e mensagens de apoio a Bolsonaro. O ato resultou em policiais feridos e destruições do Palácio do Planalto, prédios do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. No dia seguinte, mais de 1 mil pessoas suspeitas de participar dos atos antidemocráticos foram presas.
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