O desmatamento de quase 5 mil hectares de vegetação nativa dos Campos de Altitude, ecossistema sensível e prioritário para conservação no bioma Mata Atlântica em Santa Catarina, se transformou em uma disputa judicial entre o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a empresa brasileira Klabin, a maior produtora e exportadora de papéis para embalagens do país.
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A destruição dos hectares de vegetação, segundo o Ibama, ocorreu em oito áreas distintas no planalto catarinense, especialmente na região da Coxilha Rica, zona rural do município de Lages. Segundo o Ibama, a maior parte das áreas desmatadas está sob responsabilidade da multinacional.
A Justiça Federal iria julgar, nesta terça-feira (29) um pedido do Ibama contra a empresa. Isso porque o órgão foi impedido de embargar, ou seja, conter, áreas desmatadas pela Klabin e de multar a companhia, após uma lei estadual de Santa Catarina se sobrepor às regras federais de proteção ambiental, que amparariam os interesses do Ibama (entenda mais abaixo).
No entanto, houve uma mudança de planos ainda nesta terça. Conforme apuração da Folha de S. Paulo, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu suspender todos os processos judiciais que envolvam a discussão até que o STF julgue definitivamente a matéria. Esta é uma forma técnica de dizer que a Suprema Corte irá analisar e decidir sobre o conteúdo principal da discussão, ou seja, dizer se algo é constitucional ou não de acordo com a lei. Somente aí todos os outros processos que estavam parados vão seguir essa decisão como base.
Ao NSC Total, o Ibama informou, por nota, que analisa esta decisão, até que o STF se manifeste de forma definitiva sobre a matéria. Afirmou, ainda, que continuará buscando as medidas judiciais cabíveis para assegurar a proteção dos remanescentes dos Campos de Altitude, “ecossistema essencial para a conservação da Mata Atlântica”.
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Procurada, a Klabin diz que as atividades realizadas pela empresa em Santa Catarina são regulares e estão em conformidade com a legislação vigente.
Ibama identificou desmatamento entre junho e julho
As vistorias que identificaram a destruição de quase 5 mil hectares de vegetação nativa dos Campos de Altitude foram realizadas entre os meses de junho e julho deste ano. A descoberta foi feita durante a Operação Mata Viva, do Ibama.
De acordo com o instituto, as vistorias são uma nova etapa das ações iniciadas há mais de cinco anos com as operações Campereada e Araxá, que visam proteger os remanescentes do bioma Mata Atlântica e punir os responsáveis por sua degradação.

O Ibama destaca, ainda, que o desmatamento na Serra catarinense teve como principal finalidade a conversão ambiental do ecossistema para plantio de monoculturas de Pinus, espécie usada na produção de papel.
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Segundo o Ibama, a empresa segue ampliando plantações de Pinus sobre vegetação nativa protegida por leis federais. Apesar das constatações e das medidas administrativas adotadas, uma liminar da 6ª Vara da Justiça Federal de Florianópolis impede que o Ibama atue contra a empresa.
As operações de fiscalização do Ibama identificaram outros responsáveis pela destruição do bioma. Eles foram multados, tiveram as áreas embargadas e serão notificados a retirar as mudas de Pinus e iniciar a recuperação da vegetação nativa, conforme determina o Decreto nº 6.514/08, que diz que “o órgão ou entidade ambiental, no exercício do seu poder de polícia ambiental, aplicará as seguintes sanções e medidas administrativas cautelares: I – advertência; II – multa simples; III – multa diária; IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora e demais produtos e subprodutos objeto da infração, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração”. A Klabin, no entanto, permanece isenta das sanções.
Mais de 50 mil hectares do bioma já foram convertidos em Pinus
A mudança do bioma por meio do plantio de árvores exóticas ganhou destaque, recentemente, com a publicação de um artigo na revista Science, no dia 10 de julho, assinado por pesquisadores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e outras instituições do Sul do país. O estudo aponta que os Campos de Altitude abrigam mais de 1,6 mil espécies de flora, com pelo menos 25% de endemismo, e são habitat de 13 espécies de aves ameaçadas de extinção.
Segundo os autores, entre 2008 e 2023 cerca de 50 mil hectares já foram convertidos em plantações de Pinus, processo que tende a se agravar com o tempo, caso não haja impedimento jurídico.
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Em Santa Catarina, o avanço das monoculturas está amparado pela lei estadual nº 14.675/2009, que restringe a proteção ambiental a áreas acima de 1.500 metros de altitude. O Ibama afirma que a lei está “ignorando a abrangência real dos Campos de Altitude”. Para o instituto, essa norma viola a Constituição Federal e desrespeita a Lei da Mata Atlântica (Lei nº 11.428/2006) e a Resolução Conama 423/2010, que protegem o ecossistema com base em critérios técnicos e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), inclusive em altitudes inferiores.
Qual a importância dos Campos de Altitude para SC?
Além da biodiversidade única, os Campos de Altitude, conforme o Ibama, são fundamentais para a recarga de aquíferos e nascentes, regulam o clima regional e sustentam atividades tradicionais e sustentáveis, como a produção do mel de canudo de pito, o queijo serrano, a carne frescal e o turismo de natureza.
Esse valor cultural foi retratado na 23ª Sapecada da Serra Catarinense, durante a 35ª Festa Nacional do Pinhão, em Lages, no dia 13 de junho. A música vencedora, “Coxilha Pobre”, de Luiz Pedro Zamban e Ricardo Oliveira, denuncia justamente a transformação da paisagem nativa em campos de Pinus.
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Vencedora da Sapecada da Serra Catarinense, “Coxilha Pobre” critica degradação dos campos
Leia a nota do Ibama na íntegra
“O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) informa que está analisando a decisão que determinou a suspensão dos processos judiciais relacionados ao tema, até que o Supremo Tribunal Federal se manifeste de forma definitiva sobre a matéria. A autarquia ressalta que cumprirá integralmente todas as determinações judiciais.
Em articulação com a Procuradoria Federal Especializada junto ao Ibama, o Instituto continuará buscando as medidas judiciais cabíveis para assegurar a proteção dos remanescentes dos Campos de Altitude, ecossistema essencial para a conservação da Mata Atlântica.
O Ibama reafirma seu compromisso constitucional com a proteção ambiental e com a garantia de um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e as futuras gerações”.
Leia a nota da Klabin na íntegra
“A Klabin esclarece que atua de acordo com as melhores práticas de sustentabilidade, com respeito ao meio ambiente, à legislação, às pessoas e à história da região.
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A Companhia informa que a operação de suas atividades em Santa Catarina é regular e está em conformidade com a legislação vigente, em especial o Código Florestal Nacional e o Código de Meio Ambiente do Estado de Santa Catarina, que contém definição específica sobre os Campos de Altitude – já declarada constitucional pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 2019 e em decisão confirmada pelo Supremo Tribunal Federal em 2022.
Em julho de 2024, a Klabin sofreu autuações do IBAMA em 1.073 hectares de duas fazendas localizadas na região de Coxilha Rica, no Estado de Santa Catarina, tendo sua regularidade certificada pelo órgão ambiental estadual e diante das decisões transitadas em julgado no Judiciário, a Klabin moveu ação anulatória com pedido de liminar que foi concedida suspendendo os efeitos das autuações, diante da incontroversa constitucionalidade da norma catarinense.
A Klabin, portanto, atuou em estrito cumprimento de norma vigente, de atendimento obrigatório, sobretudo diante do reconhecimento do judiciário em decisões transitadas em julgado, o que deve ser observado por todos”.
*Sob supervisão de Giovanna Pacheco
**Com informações da Folha de S. Paulo
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