Salários mais baixos, desemprego mais alto, maior informalidade, assédio, violência, dupla jornada, dificuldade em atingir postos mais altos. Palavras que fazem parte da rotina de milhares de mulheres que enfrentam os desafios de se lançarem no mercado de trabalho enquanto equilibram várias outras funções ao mesmo tempo. Ocupando cada vez mais espaços, elas ainda buscam condições mais igualitárias.
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As mulheres com 14 anos ou mais que estão na força de trabalho correspondem atualmente a 48,5 milhões de pessoas, segundo dados do 4º trimestre de 2024 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), do IBGE.
No país, 53,1% das brasileiras com mais de 14 anos trabalham, contra 72,7% dos homens. Em Santa Catarina, a diferença é um pouco menor, com 60,5% de participação das mulheres no mercado de trabalho, contra 76,8% dos homens.
Brena Fernandez, professora do Departamento de Economia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e uma das coordenadoras do Núcleo de Pesquisa em Economia Feminista, explica que a inserção desigual está diretamente ligada às mulheres serem socialmente responsáveis pelo trabalho dentro de casa.
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— Socialmente, historicamente, sempre se acreditou que a responsabilidade sobre os trabalhos domésticos e de cuidados era feminino. Cuidados com a família, com os filhos, cuidados com a casa, preparar comida, limpeza. Então a mulher tem essa dupla jornada, e isso faz com que ela já chegue no mercado de trabalho numa condição muito desfavorável comparativamente aos homens — aponta a pesquisadora.
Isso impacta na decisão de contratação dos empregadores, que sabem que as mulheres têm menor disponibilidade de tempo, e faz também com que as mulheres se insiram em cargos com possibilidade de jornada reduzida, menos valorizados do que trabalhos de 40 horas semanais.
A menor carga de trabalho semanal fora de casa é comprovada pelos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que mostram que a média de trabalho semanal para homens no Brasil é de 40,3 horas por semana, enquanto que para as mulheres é de 36,1 horas semanais. Em Santa Catarina, a média de horas trabalhadas por semana é de 38,7 para mulheres e 41,8 para homens — a maior entre os estados e a segunda maior, respectivamente.
A historiadora Maria Luiza Péres, que tem pesquisas nas áreas de trabalho feminino e história do trabalho, lembra que a presença da mulher no mercado de trabalho se expandiu nas últimas décadas. Atualmente, elas estão em setores diversos, e não só nos considerados tradicionalmente como femininos.
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— As mulheres estão em setores bastante diversificados do mercado de trabalho no Brasil e no mundo. É mais comum, por um lado, que a gente veja mais mulheres em cargos de liderança do que algumas décadas atrás — explica.
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Entrada das mulheres no mercado de trabalho
Ainda que se tenha o entendimento de que a inserção da mulher no mercado de trabalho veio a partir da Primeira Guerra Mundial, as mulheres já trabalhavam muito, muito tempo antes. É o que explica a historiadora Maria Luiza Péres.
— Muito antes disso, mulheres já trabalhavam, sobretudo em espaços domésticos, no interior das casas, fosse um trabalho remunerado ou não, e também no espaço rural — pontua.
Maria Luiza destaca que a Primeira Guerra Mundial foi um marco no ingresso de mulheres em postos tradicionalmente masculinos, como fábricas e escritórios, já que muitos homens estavam no fronte de batalha, e houve um “boom” da participação de mulheres no mercado formal. Isso provocou transformações sociais e econômicas em diversas partes do mundo.
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Depois da guerra, a permanência das mulheres nessas posições foi motivo de resistência, o que tornou o processo de ingresso da força feminina não linear ao longo da história. A partir da Segunda Guerra, processos semelhantes ocorreram, mas foi somente no fim do século que elas garantiram maior espaço no mercado.
— A transição para uma maior presença das mulheres nesse mercado de trabalho mais visível, um trabalho fora das casas, se consolidou lentamente nos anos seguintes. Principalmente a partir de 1970 — detalha.
O crescimento no número de mulheres ocupadas se deu de forma mais acelerada a partir dos anos 2000, com queda na taxa de desemprego feminina, pontua Maria Luiza, e crescimento da escolaridade dessa parcela da população. Nos últimos anos, outro fato histórico impactou o trabalho das mulheres: a pandemia de Covid-19.
— A gente sabe que a pandemia afetou mais as mulheres, que foram com mais frequência despedidas dos seus empregos, e que até hoje elas têm mais dificuldade de reingressar, de voltar ao mercado de trabalho — afirma a historiadora.
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No 4º trimestre de 2024, a taxa de desemprego de mulheres com 14 anos ou mais era de 7,9% no Brasil, segundo dados do IBGE, em comparação com 5,1% dos homens. Em Santa Catarina, a taxa de desocupação é de 3,3% entre mulheres e 2,1% entre os homens no mesmo período. Em Florianópolis, o índice cresce em comparação com o Estado, com 5,1% para mulheres e 3,8% para os homens.
Segundo a pesquisadora, alguns dos motivos que explicam o maior impacto da pandemia nesse grupo estão a grande presença de mulheres no setor terciário, de comércio e prestação de serviços, que foi muito afetado pela crise e teve uma retomada mais lenta. Ainda, a responsabilização das mulheres pelos cuidados tornou a questão mais crítica.
— As mulheres assumiram tarefas adicionais nos domicílios, como é recorrente. O cuidado das pessoas doentes, já que era um período pandêmico, e também as tarefas domésticas — afirma.
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Séculos de luta e busca por igualdade
A história das mulheres no ambiente de trabalho é marcada por lutas que se estendem aos dias atuais, já que muito ainda precisa ser conquistado. Uma das reivindicações importantes que já se tornou realidade foi a licença-maternidade, que teve início entre o final do século 19 e início do século 20.
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Outros temas, como o assédio no ambiente de trabalho e as taxas de informalidade entre mulheres, também têm sido debatidos ao longo do tempo, indica a historiadora Maria Luiza Péres. A bandeira do “trabalho igual, salário igual”, que busca igualdade salarial para mulheres, também vem sendo reivindicada por sindicatos e pelo movimento feminista desde os anos 1920 e 1930.
Atualmente, no Brasil, o rendimento médio mensal dos homens de 14 anos ou mais ocupados é de R$ 3.777, enquanto das mulheres nos mesmos parâmetros é de R$ 3.004, equivalente a R$ 773 a menos, segundo dados da PNAD Contínua, do 4º trimestre de 2024.
O levantamento do IBGE mostra que em Santa Catarina essa diferença é ainda maior e chega a R$ 981. Os homens ganham em média R$ 4.320 no Estado, e as mulheres, R$ 3.339. Em Florianópolis, o rendimento médio da população masculina acima de 14 anos é de R$ 6.819, enquanto que a parcela feminina ganha, em média, R$ 4.825. Quase R$ 2 mil a menos.
Na média, as mulheres recebem 79,5% do rendimento dos homens no Brasil, 77,3% do rendimento dos homens em Santa Catarina e 70,8% do rendimento dos homens, em Florianópolis.
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A situação é ainda mais crítica se considerado o recorte das mulheres negras. Dados do IBGE, que trazem o rendimento domiciliar per capita médio, sem benefícios de programas sociais governamentais, mostram essas diferenças.
Em Santa Catarina, a PNAD Contínua mostrou que o rendimento médio per capita dos homens negros em 2023 era de R$ 2.255. Em contrapartida, o rendimento médio per capita das mulheres negras era de R$ 2.153, sendo que esse valor era de R$ 2.310 para mulheres brancas e de R$ 1.576 para mulheres pretas ou pardas, uma diferença de R$ 734 a partir do recorte racial.
Discriminação no mercado
Brena Fernandez, professora do Departamento de Economia da UFSC, explica que a dupla jornada que as mulheres desempenham, conciliando os trabalhos domésticos e os cuidados com os filhos com o trabalho fora de casa é um dos motivos para a média salarial feminina ser inferior à masculina.
— Elas estão segregadas nesses empregos que pagam menos. Pagam menos por um lado porque elas trabalham menos horas no mercado de trabalho, elas têm menos horas disponíveis, porque elas têm dupla jornada. Em segundo lugar, também outro fator é que existe discriminação no mercado de trabalho. Então existem aqueles empregos que são reputados como femininos e são socialmente menos valorizados do que aqueles empregos que são reputados como masculinos — detalha a pesquisadora.
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Por serem socialmente desvalorizados, os empregos vistos como “de mulher” fazem com que a média salarial das mulheres seja bastante inferior à média salarial dos homens. Outro fenômeno impacta no bolso delas: os gaps salariais por gênero, explica a pesquisadora Brena.
— São as diferenças de pagamento que as mulheres recebem para desempenhar as mesmas funções que os homens, sendo que elas têm, nesses casos, o mesmo número de anos de educação. Esses gaps salariais por gênero não tem explicação plausível. A explicação que a gente encontra é que elas estão sendo discriminadas. Essas diferenças salariais podem gerar em torno de 20% a 30% dependendo da função — aponta Brena.
Glaucia Fraccaro, professora do departamento de História da UFSC e pesquisadora nas áreas de Trabalho e Autonomia Econômica das Mulheres, destaca ainda que as tarefas de cuidado são causas tanto da desigualdade salarial quanto da menor inserção no mercado de trabalho formal. Ainda que em menor participação, a pesquisadora afirma que as mulheres trabalham cerca de 10 horas a mais do que os homens, em média, nessas atividades domésticas, responsabilidades que não costumam ser reconhecidas pelas empresas e pelo governo.
— As empresas também ganham com o trabalho das mulheres. De manhã uma série de pessoas vai trabalhar com as roupas limpas, com alimentação em dia, tendo uma moradia, um lugar tranquilo para viver. Boa parte dessas coisas que o trabalhador e a trabalhadora oferece para as empresas é uma jornada prévia desempenhada, gratuitamente, pelas mulheres — reforça.
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Para onde caminhar
Com o início em um momento incerto, em que muitas mulheres foram demitidas e buscavam novas oportunidades, a startup AHOY! surgiu com a intenção de ampliar as oportunidades para mulheres no mercado de trabalho, especialmente no setor de serviços de limpeza, explica Manoela Lira, fundadora da startup. Para além disso, hoje busca também reduzir as dificuldades encontradas pela própria Manoela em sua trajetória e por tantas outras mulheres trabalhadoras.
— Dentro da nossa empresa, valorizamos a escuta ativa das nossas profissionais, garantindo um ambiente onde suas vozes são ouvidas e onde estamos sempre em busca de melhorias para tornar nossa plataforma mais inclusiva e inovadora. Nosso modelo de negócio se diferencia por ter uma das menores taxas de mediação do mercado. Ao invés de lucrarmos sobre cada serviço individualmente, adotamos um sistema em que ficamos com uma pequena porcentagem de um montante, tornando a experiência mais justa para as profissionais — detalha a empresária.
Ainda, entre outras medidas adotadas pela startup estão a autonomia e flexibilidade por parte das profissionais em suas jornadas de trabalho, com a escolha de horários e local de atuação conforme o interesse das prestadoras de serviço.
— Já apoiamos inúmeras mulheres imigrantes que não encontravam uma forma de oferecer seu trabalho, mulheres mais velhas que enfrentavam dificuldades para se recolocar no mercado e mães que precisavam de uma oportunidade flexível, compatível com seus horários e responsabilidades familiares — afirma Manoela.
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A startup Nonno, que conecta cuidadores a famílias, hospitais e outras instituições, também tem entre suas premissas criar oportunidades para mulheres com experiência em cuidado familiar. A líder da área de cuidados, Gabriela Alban, explica que a plataforma busca oferecer flexibilidade e capacitação para as profissionais cadastradas, que já são mais de 1,1 mil.
— Nossa plataforma facilita esse acesso ao oferecer oportunidades flexíveis para cuidadoras, permitindo que conciliem suas rotinas pessoais e profissionais. Além disso, estamos investindo na capacitação e no desenvolvimento dessas profissionais. Iremos lançar em breve o Nonno academy, garantindo que estejam preparadas para oferecer um serviço de excelência — afirma.
Ela reforça que o serviço de cuidados é historicamente ligado às mulheres, cenário que segue nos dias atuais, com mais de 90% dos profissionais cadastrados na plataforma sendo do sexo feminino. Também por isso, a startup tem o compromisso com a inclusão e o fortalecimento das mulheres no setor.
— Para muitas cuidadoras, a Nonno vai além de uma fonte de renda: representa autonomia financeira, crescimento profissional e mais segurança no exercício da profissão. Diversas profissionais relatam que, por meio da plataforma, conseguiram melhorar sua qualidade de vida, sustentar suas famílias e construir uma carreira mais estável e reconhecida — destaca.
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Leis e fiscalização
A professora da UFSC Brena Fernandez traz entre as soluções para combater as desigualdades enfrentadas pelas mulheres no mercado de trabalho a criação de leis específicas, como a Lei 14.611, chamada Lei da Igualdade Salarial, criada em 2023. A legislação foi criada para coibir empregadores que pagam menos para as mulheres e mais para os homens, para a mesma função.
As especialistas reafirmam a importância de fiscalização dessa legislação, para garantir que ela esteja sendo cumprida, e destacam a existência de uma brecha para empresas com menos de 100 funcionários, às quais a regra não se aplica. Ainda, Brena reforça que outras ações seriam necessárias para buscar avanços na direção de um mercado de trabalho mais igualitário.
— Eu acho que as soluções são de longo prazo e envolvem pelo menos três níveis: uma mudança cultural na sociedade, na qual os homens passariam a se envolver mais na divisão de tarefas; mais e melhores leis com enfoque nas iniquidades de gênero e uma política de cuidados que seja realmente eficaz.
Já a pesquisadora Maria Luiza lista ações como programas de mentoria e desenvolvimento de lideranças femininas, política de zero se tolerância ao assédio, treinamento sobre igualdade de gênero e inclusão, modelos de trabalho flexíveis e remotos, apoio à maternidade, paternidade e programas de retorno ao trabalho, disponibilização de creches e espaços de amamentação.
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— Essas são algumas ideias que empresas têm adotado, que especialistas têm sugerido para que as empresas adotem, mas é muito importante o monitoramento e a fiscalização do poder público para que elas sejam realmente cumpridas — afirma.
Antonietas
Antonietas é um projeto da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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