Antes de vir espalhar por Floripa seus agora famosos camaleões coloridos, o artista Rodrigo Rizo passou a infância pisando em várias cidades brasileiras: nascido em São Paulo e filho de militar, se acostumou a se mudar com frequência, em função da profissão do pai. Morou no Espírito Santo, no Mato Grosso do Sul, voltou ao Espírito Santo, passou um tempo no Pará. Depois, enfim, a família veio aportar em Florianópolis – “e, ainda bem, meu pai optou por não sair mais daqui”, conta o artista.

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Apaixonado por desenho desde a infância, Rizo descobriu a cultura hip-hop aos 12 anos de idade, e aos 13 começou a se aventurar pelo graffiti – ainda sem nem saber que nome aquilo tinha. Sem nunca ter feito um curso superior de artes ou aulas formais de desenho, ele aprendeu na prática a profissão que hoje exerce: a de artista plástico, artista de rua, grafiteiro, muralista e tantos outros nomes aplicáveis.

Co-criador do projeto Street Art Tour (ao lado dos produtores culturais Marina Tavares e Arturo Valle Junior), Rizo assina grandes paineis que chamam atenção pelas ruas do Centro de Floripa – como o mural Cisne Negro, em homenagem ao poeta Cruz e Sousa; e, mais recentemente, o Natureza do Desterro, tributo à natureza que cerca a Ilha de Santa Catarina.

Conversamos com Rizo sobre sua carreira, suas inspirações, o novo mural Natureza do Desterro e a atual cena da arte de rua em Florianópolis. Confira:

Como você começou a se interessar por arte de modo geral, e especificamente pelo grafitti e pela arte de rua?

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Desde a infância eu sempre gostei de desenhar: gostava das aulas de arte e era sempre o responsável por ilustrar os trabalhos da escola. Por volta dos 12 anos eu passei a andar de skate e a conhecer o hip-hop através da música, o que me influenciou bastante, pois passei a criar ilustrações com personagens e caligrafias para customizar meu skate; e os temas urbanos estavam sempre presentes em minhas criações. Foi uma época em que eu passava bastante tempo na rua, transitando por toda a cidade.

Meu primeiro contato com o graffiti veio através das viagens que fazia para visitar meus parentes em São Paulo, e a cada viagem eu percebia que o mesmo trajeto ia sempre mudando, coisas novas iam aparecendo. Aquilo chamava muito minha atenção, porque o tipo de desenho que eu via nos muros se parecia muito com o que eu já desenhava nos meus cadernos e no skate – então eu sentia que também devia fazer aquilo, sair e pintar um muro. Até que, em uma festa na escola em que eu estudava, convidaram uma galera pra montar uma pista de skate, e alguém simplesmente tirou umas latas de spray e começou a pintar um desenho na parede, bem ali, na minha frente. Eu tinha uns 13 anos, e, quando vi aquilo, fiquei fascinado. Ali na hora eu entendi que eu tinha que fazer aquilo e fiquei assistindo pra aprender o máximo que pudesse. Desde aquele momento não parei mais.

Rodrigo Rizo e Tuane Ferreira trabalhando no mural
Rodrigo Rizo e Tuane Ferreira trabalhando no mural “Natureza do Desterro” (Foto: Tunai)

Comecei a praticar usando rolinho e pincel. No ano seguinte pedi à diretora para ceder uma parede e comprar algumas latas de spray, ela atendeu meu pedido, e eu fiz minha primeira pintura com spray. Ficou péssimo, mas eu curti muito. Depois disso passei a perceber uma sigla escrito “CI” em alguns lugares perto da minha casa. Fiquei muito intrigado, até que um dia, no ônibus, vi um guri um pouco mais velho que eu com um envelope de papel pardo com alguns rabiscos com a mesma caligrafia. Perguntei se era ele que fazia os desenhos, e ele disse que sim; que fazia graffiti na região do Estreito e que tinha mais alguns amigos que também faziam. Ali naquele momento eu entendi que o que eu fazia se chamava graffiti e que era uma cultura. Depois disso eu conheci esse pessoal e hoje faço parte desse mesmo coletivo, chamado Contato Imediato.

Você fez algum tipo de estudo formal de arte ou desenho; ou aprendeu com a prática e com as trocas de experiências com outros artistas?

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Eu nunca fiz nenhuma escola de desenho, nem curso superior de artes. Eu aprendi mesmo na prática, desenhando no papel e fazendo nos muros. O graffiti sempre foi meu foco principal. Não se tratava exclusivamente de evoluir no desenho: se tratava mais de desenvolver um estilo que me diferenciasse dos demais, que fosse marcante e que criasse uma presença na cidade. Eu transitei por muitos estilos diferentes, sempre tentando aprender algo a mais que eu pudesse agregar. Tive referências das mais diversas, pois sempre estive em contato com muitos outros artistas que me inspiram, seja à distância ou no convívio da produção. Durante um bom tempo pintei muitas coisas diferentes, até desenvolver algo que eu pudesse olhar e dizer: esse sou eu. E foi aí que surgiu a figura do camaleão: um personagem que eu criei e que me representa enquanto artista, pois vejo meu estilo bastante mutável e adaptável. Então hoje eu me sinto bastante à vontade em explorar processos e técnicas diferentes sem perder a essência do meu trabalho.

Como é o seu processo de trabalho? Onde você busca inspiração; como planeja e executa uma obra?

Depende muito do tipo de intervenção e do espaço em que ela vai ser feita. Quando se fala em graffiti, falamos de uma intervenção mais espontânea, sem muita premeditação. Apenas observo os espaços disponíveis e me certifico de que ninguém se sentirá invadido ou agredido. São geralmente espaços degradados, precisando de revitalização. Nessas ocasiões geralmente pinto os camaleões, que são minha marca registrada. No caso do muralismo, busco uma autorização prévia do proprietário ou da instituição responsável pelo espaço, faço um estudo prévio que leva em consideração o local, as pessoas que o frequentam, e algum outro aspecto que torne o lugar especial. Já no caso de projetos como esses grandes murais em prédios é tudo feito com um profundo estudo técnico e conceitual, para então serem submetidos à aprovação da Fundação Municipal de Cultura Franklin Cascaes, e ter a possibilidade de captar recursos junto a empresas parceiras. Em todas essas possibilidades o espaço a ser ocupado de alguma forma influencia a criação: alguns pedem uma mensagem mais rápida e descompromissada; em outros casos, um conceito mais lapidado e abrangente.

“O camaleão é um personagem que eu criei e que me representa enquanto artista, pois vejo meu estilo bastante mutável e adaptável” (Foto: Victor Moraes)

Nos últimos anos tenho me dedicado a murais de grande escala, apesar de seguir fazendo graffiti. Nesses projetos eu procuro desenvolver um conceito que tenha uma relevância ampla e que paute temas que acredito ultrapassarem a questão estética, de forma que a arte seja também um meio, e não somente uma finalidade. Eu tenho pesquisado cada vez mais os aspectos culturais e identitários de Florianópolis, a fim de me inspirar e trazer à tona temas que considero importantes de serem representados e discutidos. Tenho encontrado enorme satisfação em poder aplicar no muralismo em grande escala o repertório de técnicas que adquiri a partir do exercício prático do graffiti.

Você pode falar um pouco sobre a trajetória do Street Art Tour e seu envolvimento com o projeto?

O projeto nasceu de um encontro promovido pelo Kim Isac, ex-diretor do MASC, que reuniu eu, Arturo [Valle Junior] e Marina [Tavares]. Durante a administração do Kim o MASC recebeu três grandes exposições produzidas pelo Studio de Ideias, produtora cultural do casal. O Kim Isac já me conhecia de algumas ações da nossa trajetória de militância pelo hip-hop em Florianópolis, e nos reuniu para discutir uma proposta de trazer para o MASC uma exposição que contemplasse o graffiti e também os outros elementos da cultura hip-hop. Levamos um tempo e inúmeras reuniões para formatar o projeto, e nesse intervalo houve a troca da diretoria do museu, e o Kim deixou o cargo. Conseguimos apresentar a proposta para o Masc, mas a nova administração não achou interessante para a nova proposta curatorial.

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Eu, que já vinha de uma longa trajetória de produção de murais na rua, na sua maior parte sem qualquer apoio institucional ou financeiro, sempre sonhei em elevar a arte de rua de Florianópolis a um outro nível. Em viagens que pude fazer pelo mundo, tive acesso a outras experiências de arte urbana integrada à cultura das cidades. Olhando pra Floripa percebi que é uma cidade com um potencial gigantesco de se tornar referência nesse sentido. E foi isso que resultou no Street Art Tour. Nos reunimos novamente para dar novos rumos para o projeto; eu trazendo a minha experiência com produção de intervenções artísticas, e eles com o expertise em produção cultural. Então partimos do fato de que a produção artística na ilha já é intensa, a cidade recebe a arte de rua muito bem; só que por ser algo relativamente novo e pulverizado a população não tinha noção de quanta arte pode ser apreciada nas nossas ruas. Sentimos a necessidade de aproximar a população dessa realidade e promover a valorização dessa vasta produção.

E daí veio a primeira ação do SAT, que foi desenvolver um aplicativo que é um mapa com centenas de obras catalogadas, contendo informações sobre cada uma delas e sobre seus autores, trazendo um aspecto museológico para a rua. Em vez de levarmos o graffiti para dentro do museu, transformamos a rua em museu. Além disso, o aplicativo permite que o usuário faça um tour guiado pelas obras, escolhendo quais delas quer visitar e o melhor trajeto para fazê-lo. A partir disso criamos, em parceria com o Rodrigo Stupp, o Guia Manézinho, o primeiro tour de street art de Floripa, que foi um sucesso. Realizamos outros quatro murais de médio e pequeno porte para ampliar ainda mais o acervo de obras da cidade. Depois veio a realização do projeto Cisne Negro, mural em homenagem ao poeta Cruz e Sousa que, como desdobramento, teve também a produção de um breve documentário, lançado em julho.

Rodrigo Rizo e o mural
Rodrigo Rizo e o mural “Cisne Negro” (Foto: Victor Moraes)

Quais foram as inspirações e a ideia por trás do mural Natureza do Desterro?

A natureza sempre foi a minha principal fonte de inspiração. A paisagem natural, a fauna e a flora sempre estiveram presentes em minhas criações. Desde a infância eu sempre tive muito contato com a natureza. A cidade onde morei antes de vir pra Floripa era no meio da Amazônia, e morei antes numa cidadezinha no meio do Pantanal, e no Espírito Santo morei muito perto da praia. Em Floripa foi um pouco diferente, pois vim morar em uma área mais urbana no continente. Floripa é uma cidade cercada de natureza, e eu sempre observei essa relação conflituosa entre o crescimento urbano desordenado e a preservação ambiental.

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O Natureza do Desterro nasceu dessa minha admiração pela natureza. Inscrevi o projeto com a proposta de ser uma homenagem. A minha primeira proposta de layout veio com uma visão mais contestadora sobre a nossa condição atual, em que Floripa vem se tornando uma grande metrópole, e a natureza sofre cada vez mais as consequências. Estávamos com tudo pronto para começar quando foi decretada a quarentena. Foi uma mudança de paradigma muito drástica para todos. Tive que reprocessar muita coisa sobre quais rumos meu trabalho devia seguir, e isso refletiu diretamente na minha criação. Revisei o layout e resolvi trazer uma nova abordagem sobre o mesmo tema. Entendi que, com o momento que estamos vivendo, não seria produtivo trazer mais um problema para a discussão – pelo contrário, com tanta coisa pesada pra lidar, eu busquei trazer algo mais leve, que fosse relevante pelo tema, mas com estética apreciável.

Parti da ideia da reconexão com a nossa própria natureza; da necessidade urgente de nós humanos nos percebermos como uma forma de vida criada pela natureza. Como cada mínimo elemento que a compõe, somos parte indispensável desse organismo maior. Como figura central decidi representar a personificação da força criadora, que é a Mãe Natureza, Gaia, Pachamama, Sarasvati, Te Fit, ou a Natureza do Desterro. Ela emerge da linha d’água e alcança o céu. E da sua cabeça surgem inúmeras formas de vida, representadas por exemplares da fauna e da flora observáveis aqui na região. Ela possui um olhar profundo que invoca uma certa urgência de que é preciso estarmos atentos, despertos. Suas cores evocam a terra, a origem e a ancestralidade; também representadas pelo gráfico pintado na face, que é uma adaptação de uma inscrição rupestre presente na Ilha do Campeche. Acho que, a partir da identificação, as pessoas criam o sentimento de pertencimento e de valorização, e consequentemente tornam-se mais sensíveis à necessidade de preservação do meio ambiente.

Como foi trabalhar em meio à pandemia de coronavírus?

Sabíamos que não seria fácil, que teríamos que seguir todo um protocolo de segurança para trabalhar sem se expor e expor às pessoas, e também sem provocar aglomerações. Tivemos que adotar algumas estratégias diferentes para levar esse acontecimento ao público sem estimular as pessoas a sair de casa. Fizemos algumas ações com lives apresentando o que estava sendo feito, reforçamos a nossa cobertura online publicando fotos do processo e vídeos curtos. Inevitavelmente o Centro permaneceu movimentado, por conta das muitas pessoas que precisam trabalhar e não puderam fazer quarentena. Triste ver muitas pessoas sem máscara, ignorando as recomendações da OMS e agindo como se nada estivesse acontecendo.

O mural
O mural “Natureza do Desterro”, no Centro de Florianópolis (Foto: Tunai Arozi)

Por sorte conseguimos trabalhar de forma isolada, já que o acesso era feito por uma plataforma de sete metros de altura que acessamos pelo próprio hotel. E mesmo assim, quando descíamos para ver o resultado da rua, algumas pessoas insistiam em se aproximar para conversar sobre o mural, e tínhamos que explicar que era necessário manter certa distância. É bem chato, porque gostamos muito de receber esse feedback do público e dialogar sobre arte com todo tipo de pessoa; mas, nesse momento, precisamos cuidar da saúde de todos. O processo desse tipo de pintura é sempre exaustivo: as condições de trabalho não são as mais propícias. Ficamos balançando o tempo todo, com a mobilidade limitada porque estamos presos por um cinturão anti-queda. O equipamento é pesado, e ainda tivemos que lidar com todo tipo de condição climática adversa.

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Depois disso tudo, como é ver o trabalho concluído?

Dá uma satisfação e gratidão enormes ver que algo que levou anos para ser desenvolvido, que exigiu tamanha dedicação de toda a equipe, foi concretizado e concluído com sucesso. É uma responsabilidade gigante, pois uma realização dessas atinge muitas pessoas: temos um compromisso com a cidade, não só com as pessoas que apreciam e valorizam nosso trabalho. Então ver a repercussão positiva por parte da população é muito recompensador.

Você acha que a arte de rua passou a ser mais respeitada, ganhou mais espaço desde que você começou?

Com certeza desde que eu comecei muita coisa mudou. Quando comecei mal tinha graffiti nas ruas de Floripa. Hoje temos uma cena: inúmeros artistas pintando, alguns já com reconhecimento internacional, e muitos novos artistas de rua surgindo e conquistando seu espaço. A mudança de cultura aconteceu por vários fatores internos e externos. Cada vez mais no mundo todo a arte de rua está associada à qualidade de vida, e Floripa não ficou pra trás nesse sentido. A questão é que a cidade sempre teve uma relação harmônica com a arte, e com a arte de rua não foi diferente. Acho que, particularmente em Floripa, a arte de rua faz muito bem o papel de preencher essas lacunas criadas no meio ambiente pelo crescimento urbano acelerado. É uma forma de amenizar os impactos negativos.

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