O ministro Luiz Fux, terceiro a votar no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e dos outros sete réus por tentativa de golpe no Supremo Tribunal Federal (STF), abriu o voto afirmando que vota pela incompetência do STF para julgar o caso da trama golpista. O motivo seria o fato de os réus não estarem mais nos cargos quando forem denunciados. A fala ocorreu na manhã desta quarta-feira (10), o quarto dia de julgamento.

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O voto de Fux era considerado o mais esperado do julgamento justamente pela expectativa de divergência em relação ao voto do ministro relator Alexandre de Moraes. Na terça-feira, o julgamento terminou com o placar de 2 a 0 pela condenação de Bolsonaro e dos demais réus, com os votos de Moraes e Flávio Dino.

— Em caso, os réus deste processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano. A aplicação da tese mais recente para manter esta ação no Supremo, muito depois da prática de crimes, gera questionamentos não só sobre casuísmos, mas, mais do que isso, ofende o princípio do juiz natural e da segurança jurídica — afirmou.

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Ao analisar o caso, Fux acolheu as três primeiras preliminares, alegações de advogados para questionar ritos do processo. Além de entender que o STF não seria o foro adequado para julgar os réus, Fux também afirmou que, caso a análise fosse mantida no Supremo, pelo entendimento de envolver ex-presidente, a ação deveria ser julgada pelo plenário, e não pela Primeira Turma, que reúne apenas cinco dos 11 ministros da corte.

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Fux também falou sobre outras alegações dos advogados de defesa, como a violação à garantia de ampla defesa. O motivo alegado pelos defensores seria o excesso de documentos e provas incluídos ao processo e um suposto tempo reduzido para análise desses materiais — situação chamada de “document dump”. Em seu voto, Moraes alegou que as provas citadas pelos advogados não foram utilizadas na acusação e só foram disponibilizadas a pedido dos próprios advogados. Fux chamou o caso de “tsunami de dados” e entendeu que isso representou cerceamento ao direito de defesa.

— Além dos fatos narrados na denúncia, é preciso que a defesa tenha acesso a inúmeros dados — afirmou Fux durante o voto, pedindo a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.

Fux também defendeu a validade da delação premiada do tenente-coronel Mauro Cid, afirmando que ele prestou depoimento acompanhado de advogados e que a colaboração deve gerar benefícios ao réu.

Fux falou sobre mérito da acusação

Mesmo defendendo a anulação do processo, Fux também analisou o mérito do caso, chamando a avaliação de “premissas teóricas dos crimes”. Em um voto repleto de referências jurídicas, o ministro também afastou a acusação de organização criminosa atribuída aos réus, entendendo que não haveria elementos para caracterização desse crime.

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— Com efeito, a existência de um plano criminoso não basta para a caracterização de um crime de organização criminosa — afirmou.

O magistrado enfatizou a posição para desconsiderar o crime de organização criminosa.

— A denúncia não narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos reiterados, de modo estável e permanente, como exige o tipo de organização criminosa — afirmou.

Fux também considerou “equivocada” o que chamou de dupla imputação de crimes, que englobou tanto o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito quanto de golpe de Estado. Advogados de defesa defendem que os crimes seriam semelhantes e não deveriam ter as penas somadas.

Fux falou por mais de seis horas e também afirmou que não é possível falar de golpe de Estado se não há deposição do governo eleito. Também disse não haver crimes nos acampamentos montados em frente a quartéis, pelo caráter político das mobilizações, e comparou os atos de 8 de janeiro com outros protestos como os das Jornadas de Junho, em 2013, quando houve ataques a prédios por parte de black blocs. Naquela ocasião, no entanto, não havia pedido de intervenção das Forças Armadas.

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O ministro Fux também definiu que ninguém pode ser punido por cogitação de crime como tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.

Entenda as mudanças sobre foro privilegiado

Em períodos como o da Operação Lava-Jato, o foro privilegiado deixava de valer após a autoridade deixar o cargo, mesmo que os crimes investigados tivessem ocorrido durante o exercício do mandato. Desde 2025, a Suprema Corte passou a entender que autoridades que deixaram o cargo deveriam continuar sendo julgadas no STF quando os crimes investigados estivessem ligados diretamente ao cargo exercido. A intenção da medida era evitar que políticos renunciassem ao cargo para deixar de ser julgados pelo STF e terem os casos remetidos à 1ª instância, atrasando os processos.

No voto anunciado no julgamento de Bolsonaro, Fux considerou que a mudança de entendimento da Suprema Corte ocorreu após os supostos crimes dos investigados, que teriam começado em julho de 2021 e seguido até os atos de 8 de janeiro de 2023. Por isso, na argumentação dele, não deveria ser aplicada sobre os réus para mantê-los sob julgamento no STF, e sim na primeira instância.

O STF, no entanto, já decidiu que a atribuição de julgar casos ligados aos atos de 8 de janeiro é da Suprema Corte. A decisão do STF de março deste ano também determina que os casos permaneçam na Corte ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados após o fim do mandato dos investigados.

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* Matéria em atualização

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