O Supremo Tribunal Federal (STF) retomou, nesta quarta-feira (10), o julgamento do núcleo 1 da trama golpista, com dois votos favoráveis pela condenação de Jair Bolsonaro, dos ministros Alexandre de Moraes, relator do caso, e Flávio Dino, e um voto contrário, de Luiz Fux. A sessão se estendeu por mais de 12 horas, com um longo voto de Fux, que foi o único a falar nesta quarta.

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O ministro votou para anular todo o processo pela “incompetência absoluta” do STF para julgar os réus, que segundo ele não têm prerrogativa de foro privilegiado. Ele também votou pela falta de competência da Primeira Turma de analisar o caso, e competência do plenário do Supremo.

— Os réus não têm prerrogativa de foro, porque não exercem função prevista na Constituição, se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão maior da Corte. […] Acolho essa preliminar e também declaro a nulidade de todos os atos praticados por este STF.

Fux também acolheu a preliminar de cerceamento da defesa. Os advogados dos réus alegaram um “tsunami” de dados e pouco tempo para analisá-los. O ministro disse que “salta os olhos” a quantidade de material comprobatório apreendido:

— Eu confesso que tive dificuldade para elaborar o voto. Eu acolho a preliminar de violação à garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa e, por consequência, declaro a nulidade do processo desde o recebimento da denúncia.

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Fux começou a votação por volta das 16h57min, analisando a conduta de cada réu, começando por Mauro Cid. Ele votou pela responsabilização do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro por tentativa de abolição violenta e julgou como improcedente o cometimento de crime de organização criminosa armada, golpe de estado, e dano qualificado e ameaça grave. Com isso, o STF formou maioria para condenar Mauro Cid por tentativa de abolição violenta do Estado.

Sobre Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, Fux votou para absolvê-lo pelo crime de organização criminosa, de tentativa de abolição violenta do estado de direito e golpe de estado, e de dano qualificado e dano a bem tombado.

Depois, Fux começou a análise das condutas de Bolsonaro afirmando que é “realizar uma divisão das acusações”. O ministro dividiu as condutas de Bolsonaro enquanto ele ainda era presidente e citou a chamada Abin paralela, os ataques ao sistema eleitoral, e tentativa de golpe de estado. Às 20h10min, Fux absolveu Bolsonaro de todos os crimes. Com isso, o placar está de 2×1 a favor da condenação do ex-presidente.

Com mais de 12 horas de leitura de voto, Fux também condenou o ex-ministro de Bolsonaro, Braga Netto, por crime de abolição violenta e o absolveu sobre o crime de organização criminosa. Além disso, Fux votou pela absolvição de Paulo Sérgio Nogueira, Augusto Heleno, Anderson Torres e Alexandre Ramagem, por todos os crimes.

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Entenda os principais pontos do voto de Fux

Anulação do processo

  • O Ministro Luiz Fux votou para anular todo o processo por falta de competência do STF para julgar os réus: “Os réus desse processo, sem nenhuma prerrogativa de foro, perderam os seus cargos muito antes do surgimento do atual entendimento. O atual entendimento é recentíssimo, desse ano.”
  • Fux também votou pela incompetência da Primeira Turma de analisar o caso e competência do plenário do Supremo. “Os réus não têm prerrogativa de foro, porque não exercem função prevista na Constituição, se ainda estão sendo processados em cargos por prerrogativa, a competência é do plenário do STF. Impõe-se o deslocamento do feito para o órgão maior da Corte”, justificou.

Análise de preliminares

  • Ele acolheu a preliminar de cerceamento da defesa. “Nem acreditei porque são bilhões de páginas e, apenas em 30 de abril de 2025, portanto mais de um mês após receber a denúncia, em menos de 20 dias foi proferida a decisão deferindo a entrega de mídias e dos materiais apreendidos”, disse.
  • Sobre a delação de Mauro Cid, Fux votou para acolher o acordo e os benefícios propostos pela Procuradoria Geral da República. Com isso, a Primeira Turma tem maioria para reconhecer a validade da delação.
  • Fux defendeu descartar o crime de organização criminosa. “A imputação do crime de organização criminosa exige mais do que a reunião de vários agentes para a prática de delitos, a pluralidade de agentes. A existência de um plano delitivo não tipifica o crime de organização criminosa.”
  • Para Fux, não há evidências nos autos de que os réus se omitiram de impedir a vandalização dos bens públicos no dia 8 de janeiro. “Pelo contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou, tomaram medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido pelos vândalos.”
  • Segundo o ministro, não configuram crimes “eventuais acampamentos, manifestações, faixas e aglomerações que consistem em manifestação política com propósitos sociais, assim entendido o desejo sincero de participar do alto governo democrático, mesmo quando isso inclua a resignação pacífica contra os poderes públicos”.
  • Fux ainda disse que “golpes de estado não resultam de atos isolados ou manifestações individuais desprovidos de articulações, mas sim de ação de grupos organizados, dotados de recursos materiais e capacidade estratégica”. Para ele, não há golpe de Estado sem a deposição de um governo legitimamente eleito.

Análise individual das condutas

Mauro Cid

  • Depois de um intervalo, Fux retomou a sessão com análise da conduta de Mauro Cid, sobre a imputação de cometimento de crime de organização criminosa armada. Para Fux, Cid não pode ser responsabilidade por esse crime. Os próximos crimes analisados foram a tentativa de abolição violenta do estado democrático de estado de direito e de golpe de estado. Fux analisou que Cid deve ser responsabilizado pela tentativa de abolição violenta, enquanto julgou improcedente a denúncia pelo crime de golpe de estado. Depois, Fux analisou como improcedente a imputação de cometimento de crime de dano qualificado e ameaça grave por Cid.

Almir Garnier

  • O segundo réu analisado foi Almir Garnier. Fux votou para absolvê-lo pelo crime de organização criminosa, por tentativa de abolição violenta do estado de direito e golpe de estado, e por dano qualificado.

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Jair Bolsonaro

  • O terceiro réu a ter a conduta analisada foi o ex-presidente Jair Bolsonaro. O ministro dividiu as condutas de Bolsonaro enquanto ele ainda era presidente e citou a chamada Abin paralela, os ataques ao sistema eleitoral, e tentativa de golpe de estado. Para Fux, não há ilegalidade no acionamento da Abin por Bolsonaro. Além disso, o ministro também disse que não há provas de que Bolsonaro tenha participado de ações para impedir eleitores de votar nas eleições de 2022.
  • Fux afirmou, ainda, que a Procuradoria-Geral da República não conseguiu provar que Bolsonaro participou de minuta golpista, dizendo que a acusação “logrou indicar exatamente qual documento teria sido apresentado ou discutido” durante uma reunião entre Bolsonaro e Filipe Martins no Palácio da Alvorada.
  • Para Fux, também não provas concretas de que Bolsonaro sabia do plano Punhal Verde e Amarelo. Fux absolveu Bolsonaro de todos os crimes.

Braga Netto

Paulo Sérgio Nogueira

  • Depois, Fux falou sobre as condutas de Paulo Sérgio Nogueira. Para ele, o ex-ministro da Defesa não pode ser condenado por organização criminosa. Dessa forma, Fux votou pela absolvição de Paulo Sérgio Nogueira por todos os crimes.

Augusto Heleno

  • O sexto réu a ter a conduta analisada individualmente foi Augusto Heleno. Fux absolveu o ex-ministro do GSI, de todos os crimes.

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Anderson Torres

  • Em seguida, Fux passou a analisar as acusações contra Anderson Torres. O voto de Fux foi pela absolvição de Anderson Torres nos crimes de organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, alegando que não há provas de que ele teria determinado ou planejado tal tentativa. Ainda, votou pela absolvição pelos crimes de dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.

Alexandre Ramagem

  • O último réu que integra o voto de Fux é Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ele votou pela absolvição de todos os três crimes em que ele é citado.

Sessão

A sessão começou às 9h e tinha previsão para se estender até 12h. Porém, o voto do ministro Luiz Fux foi até 22h45. Na quinta-feira (12), devem ocorrer os votos da ministra Cármen Lúcia e do presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, a partir das 14h. Já na sexta-feira (12), a pauta será a dosimetria da pena.

Para se obter uma decisão de absolvição ou condenação é preciso obter a maioria dos votos, de três dos cinco ministros da turma. Há a possibilidade de um pedido de vistas, que pelo regimento pode ser solicitado por qualquer um dos ministros. Nesse caso, o julgamento é suspenso e deve ser retomado em 90 dias.

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Quem são os réus

  • Jair Bolsonaro, ex-presidente da República;
  • Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin);
  • Almir Garnier, ex-comandante da Marinha;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal;
  • Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI);
  • Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa;
  • Walter Braga Netto, ex-ministro de Bolsonaro e candidato à vice na chapa de 2022;
  • Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.

Como foram os votos de Moraes e Dino

O julgamento começou na última terça-feira (2). No primeiro dia, o ministro Cristiano Zanin abriu a sessão e deu a palavra a Alexandre de Moraes, que fez falas em prol da independência da Corte e da soberania nacional antes da leitura do relatório. Depois, foi a vez das defesas dos réus começarem a se pronunciar.

Nesta terça-feira (9), as votações dos ministros da Primeira Turma iniciaram. O voto de Moraes foi finalizado por volta das 14h, com a análise de questões preliminares levantadas pelas defesas, alegações de cerceamento de defesa e pedidos de absolvição.

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Moraes classificou o ex-presidente como “líder de uma organização criminosa” e afirmou que não há dúvidas de que houve tentativa de golpe de Estado. De acordo como ministro relator, os réus praticaram todas as infrações penais imputadas pela Procuradoria-geral da República.

Depois foi a vez de Dino votar. Ele acompanhou o relator, mas disse que vê níveis de culpabilidade diferentes, com Jair Bolsonaro e Braga Netto exercendo um papel dominante, e por isso tendo uma culpabilidade maior. Ele citou também Almir Garnier, Anderson Torres e Mauro Cid com alta culpabilidade na tentativa de golpe. Já em relação a Alexandre Ramagem, Augusto Heleno e Paulo Sérgio, afirmou que eles tiveram participação de menor importância.

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