O ministro Alexandre de Moraes votou pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e dos outros sete réus do núcleo crucial por tentativa de golpe após as eleições de 2022. O voto do relator do caso foi lido na retomada do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (9). A decisão foi anunciada no início da tarde. Moraes considerou que os oito réus praticaram todos os cinco crimes apontados na denúncia da Procuradoria-Geral da República: organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, além de dano qualificado a patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado. A pena aplicada aos réus deve ser discutida na parte final do julgamento.
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Ao longo de mais de cinco horas de voto, Moraes falou sobre os fatos atribuídos aos oito réus que respondem pela trama golpista. Inicialmente, o magistrado afastou as chamadas preliminares, argumentações de advogados que questionavam pontos como cerceamento de defesa em razão do curto tempo para análise de todas as provas e suposta incompetência da Primeira Turma, alegação que tentava levar o julgamento para o plenário.
Em seguida, passou a falar sobre os fatos investigados pela Polícia Federal que montam a cronologia da chamada trama golpista. Segundo Moraes, os réus do grupo bolsonarista integraram uma organização criminosa para desacreditar o sistema eleitoral e para permanecer no poder. O ministro elencou 13 eventos que considerou como atos executórios — que confirmam que o plano de tentativa de golpe foi colocado em execução, e não ficou apenas na fase de preparação, o que não é punido pela legislação. Entre os fatos estão desde o monitoramento de adversários e as lives contra as urnas eletrônicas até os planos de assassinato de autoridades e os atos de 8 de janeiro. Para Moraes, a organização criminosa teria agido sob a “chefia e liderança” de Jair Bolsonaro para tentar perpetuar o grupo político do ex-presidente no poder.
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No caso de Ramagem, a acusação não incluiu os crimes de dano ao patrimônio público e deterioração de patrimônio tombado, pelo fato de os atos de 8 de janeiro terem ocorrido após ele ser diplomado deputado federal. Em caso de condenação, Bolsonaro pode ter a pena agravada pelo papel de liderança na organização criminosa apontado por Moraes. Já Mauro Cid pode ter redução de pena por firmado acordo de delação premiada.
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Em um dos trechos mais duros contra o grupo de Bolsonaro, Moraes falou sobre os ataques registrados em Brasília entre dezembro de 2022 e janeiro de 2023 e afirmou que isso ocorreu porque o grupo do ex-presidente não soube perder as eleições.
— Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter nas eleições, mas tenta se manter pelo voto popular, não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o Poder Judiciário do seu país e a Justiça Eleitoral, com bombas em aeroportos — afirmou. Veja abaixo o teor do voto do ministro.
Os 13 eventos citados como execução da trama golpista
- Monitoramento de adversários
- Lives e encontros do ex-presidente
- Discurso no 7 de setembro de 2021
- Reunião ministerial
- Reunião com embaixadores estrangeiros
- Utilização da PRF no segundo turno das eleições
- Utilização das Forças Armadas
- Período pós-eleição
- Planos Punhal Verde Amarelo e Copa 2022
- Monitoramento de Lula e discurso pós-golpe
- Minuta do golpe
- Atos de 8 de Janeiro
- Gabinete de crise
Ministro rejeitou preliminares e defendeu delação
O ministro também defendeu a validade da delação premiada do ex-ajudante de ordens, tenente-coronel Mauro Cid, que auxiliou na obtenção de provas da investigação sobre a trama golpista. A defesa argumentava que a delação não poderia ter sido firmada pela Polícia Federal por ser atribuição específica do Ministério Público.
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Também refutou o argumento de que o delator teria dado oito versões diferentes e contraditórias, afirmando que “beira a litigância de má-fé”.
— Basta a leitura da colaboração premiada para verificar que por uma estratégia de investigação, que pode ser mais correta ou menos correta, a Polícia Federal resolveu em vez de um grande depoimento único no dia 28 de agosto de 2023, resolveu fracioná-lo em oito depoimentos, porque eram oito fatos diversos — argumentou, afirmando que eventuais omissões do delator não acarretam a nulidade da delação, mas sim uma possível reavaliação sobre os benefícios oferecidos ao réu.
O ministro refutou também o argumento de pouco tempo para análise de provas. O ministro afirmou que todas as provas usadas pelos julgadores estiveram no processo desde o início da investigação e que somente as provas não usadas na denúncia foram disponibilizadas mais recentemente, a pedido dos próprios advogados. Ainda assim, ele afirmou que as defesas tiveram quatro meses para analisar os materiais e, mesmo assim, não apresentaram “um único print, gravação ou documento importante” ao processo.
Ministro refez cronologia golpista: “perpetuação no poder”
O ministro abriu a análise do mérito do processo afirmando que o julgamento busca apontar se os réus participaram ou não da tentativa golpista.
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— Não há nenhuma dúvida de que houve tentativa de golpe. O que aqui se analisa, como nos demais núcleos que serão julgados, é a autoria das ações penais imputadas — afirmou.
Moraes montou uma cronologia de fatos como as lives com ataques ao sistema eleitoral e disseminação de desinformação sobre as urnas eletrônicas, o discurso com ameaças de ruptura democrática de 7 de Setembro de 2021 e a reunião com embaixadores em julho de 2022. O ministro citou ainda a utilização indevida das Forças Armadas para a elaboração de um relatório de fiscalização do sistema eleitoral na corrida eleitoral de 2022, os atos violentos com tentativa de invasão na Polícia Federal no dia da diplomação do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a colocação de bomba no aeroporto de Brasília em dezembro de 2022. Outros pontos citados na denúncia, como o plano Punhal Verde Amarelo, que previa o assassinato de lideranças como Lula e o próprio Moraes, também compuseram a linha do tempo apresentada pelo relator.
O ministro afirmou que desde o ano anterior à eleição os fatos buscaram desacreditar o processo eleitoral para que o grupo político de Bolsonaro se mantivesse no poder.
— Para isso, se iniciaram por parte dos réus da organização criminosa vários atos executórios para desacreditar as urnas eletrônicas, deslegitimar a Justiça Eleitoral e o Poder Judiciário, jogar parcela da população contra o Poder Judiciário, contra as eleições, e, com isso, desacreditar a democracia e se perpetuarem no poder — detalhou Moraes.
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Moraes citou o caso da chamada Abin Paralela, que envolveu monitoramento de adversários políticos, e anotações encontradas em caderneta do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de gestão de Bolsonaro.
— Não é razoável que um general do Exército, quatro estrelas, ministro do GSI, ter uma agenda com anotações golpistas. Uma agenda preparando a execução de atos para deslegitimar as eleições, o Poder Judiciário e para se perpetuar no poder. Não consigo entender como alguém pode achar normal, em pleno século 21, uma agenda golpista — afirmou.
O ministro relacionou os fatos investigados e afirmou que faziam parte do plano de manutenção do grupo de Bolsonaro no poder.
— Não são fatos aleatórios, são fatos que foram planejados em órgãos de Estado, utilizados ilicitamente, para restringir o Poder Judiciário e para se perpetuar no poder — afirmou.
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Papéis de Heleno e Ramagem
O ministro destacou o papel do general Augusto Heleno e de Alexandre Ramagem, ex-chefe da Abin, na pressão para colocar sob suspeita as urnas eletrônicas e o processo eleitoral, além de monitoramento de adversários políticos.
Ameaças de Bolsonaro
Ao citar as violências e graves ameaças necessárias para a configuração do crime de tentativa de golpe, Moraes citou discursos de Bolsonaro como o feito no feriado de 7 de Setembro de 2021, em que ele afirmou que “ou o chefe do seu poder enquadra os seus ou esse poder pode sofrer aquilo que não queremos”.
— Grave e clara ameaça de impedir ou restringir o livre exercício do Poder Judiciário. Só nas ditaduras juízes ou ministros fazem o que um ditador determina. E nem em ditadura todos os juízes ou ministros fazem — defendeu Moraes.
Após citar outra fala de Bolsonaro, de que “temos um ministro do Supremo que ousa continuar fazendo aquilo que nós não admitimos” e que “ele tem tempo ainda para se redimir”, Moraes alertou sobre a gravidade das ameaças.
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— Veja, isso não é conversa de bar, não é alguém no clube conversando com um amigo. Isso é o presidente da República no 7 de Setembro, data da independência do Brasil, instigando milhares de pessoas contra o STF, contra o Poder Judiciário, e especialmente contra um ministro do STF — afirmou.
Também falou sobre a reunião ministerial de julho de 2022 em que Bolsonaro falou em “guerra”, e o general Augusto Heleno falou que “se tiver que virar a mesa, é antes das eleições”.
— Não há confissão maior de unidade de desígnios para os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República — argumentou Moraes, que defendeu que todos esses ataques foram posteriormente incluídos na minuta do golpe.
Blitze da PRF
Moraes também entendeu ter havido uso indevido da Polícia Rodoviária Federal (PRF) nas blitze feitas pela corporação no dia do segundo turno da eleição de 2022, que teria impedido eleitores de votar em estados do Nordeste, em que o então candidato teria obtido melhor votação no primeiro turno.
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Nota sobre fiscalização das urnas
Moraes abordou também a nota do Ministério da Defesa, divulgada ao fim de um relatório sobre as urnas eletrônicas feito por uma comissão das Forças Armadas, em que a instituição afirma não “embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”. O ministro definiu o texto como “uma das mais vergonhosas notas” de um chefe da Defesa e que ele teria sido feito por determinação “do líder da organização criminosa” (Bolsonaro), para não afastar a suspeita sobre urnas eletrônicas que àquela altura mobilizavam apoiadores acampados em frente a quartéis, em dezembro de 2022.
— Aqui fica novamente claro o alinhamento entre Jair Bolsonaro e Paulo Sérgio Nogueira — afirmou.
Ataques em Brasília
Ao longo do voto, o ministro ainda citou os atos violentos ocorridos em Brasília em dezembro de 2022, com tentativa de invasão à sede da Polícia Federal, em 12 de dezembro, data da diplomação de Lula, e a colocação de uma bomba no aeroporto de Brasília, na véspera de Natal. Segundo o ministro, esses atos ocorriam insuflados pelos ataques às urnas e pelo financiamento da organização criminosa, com custeio de acampamentos nos quartéis e com a organização dos atos de 8 de janeiro. Ele afirmou que a bomba não explodiu “por pouco”, o que poderia ter acarretado a morte de centenas de pessoas.
— Estamos esquecendo aos poucos que o Brasil quase volta a uma ditadura que durou 20 anos, porque uma organização criminosa constituída por um grupo político, que não sabe perder eleições. Porque uma organização criminosa constituída por um grupo político liderado por Jair Bolsonaro não sabe o que é um princípio democrático e republicano, que é a alternância de poder. Quem perde vira oposição e disputa as próximas eleições. Quem ganha assume e tenta se manter nas eleições, mas tenta se manter pelo voto popular, não tenta se manter coagindo, ameaçando gravemente, deslegitimando o Poder Judiciário do seu país e a Justiça Eleitoral, com bombas em aeroportos. Não tenta se manter com destruição no dia da diplomação do seu adversário político que venceu. Não tenta se manter organizando a “Festa da Selma”, com invasão e depredação da sede dos Três Poderes. Com o mesmo discurso que li aqui, pelo líder das Forças Armadas [Bolsonaro], que as “nossas Forças Armadas nunca deixaram de responder a um chamado do povo”. Isso não é democracia, não é um Estado Democrático de Direito — afirmou.
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Punhal Verde Amarelo
Moraes também falou sobre os planos de assassinar Lula, o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e o próprio Moraes, conhecido como plano Punhal Verde Amarelo e Operação Copa 2022. O relator citou pedido de dinheiro feito ao tenente-coronel Mauro Cid para custeio da operação e a impressão de três cópias do plano no Palácio do Planalto.
8 de janeiro
Moraes também falou sobre os atos de 8 de janeiro, afirmando que os ataques aos prédios dos Três Poderes teriam sido a “última tentativa” de permanecer no poder, após os ataques ao sistema eleitoral e a trama com a minuta golpista não terem recebido apoio das Forças Armadas. O fato de o ex-presidente ter viajado aos Estados Unidos foi apontado pelo ministro como estratégia de tentar se desvincular dos atos, mas que não impediria a responsabilização.
— Dia 8 de janeiro foi a tentativa final dessa organização criminosa de concretizar o que na live lá de trás, de 2021, foi dito pelo réu Jair Bolsonaro: “as Forças Armadas nunca faltaram ao chamamento do povo brasileiro”. Ou ainda: “Chega, é o último aviso que dou ao Poder Judiciário” — afirmou.
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