As cidades do Rio Grande do Sul amanheceram sob forte chuvas no dia 27 de abril de 2024. Sem parar, os temporais se estenderam por mais 10 dias, arrastando casas, devastando cidades, deixando milhares de desabrigados e matando centenas de pessoas e animais. A tempestade, considerada a pior catástrofe climática do estado vizinho, fez com que famílias se mudassem para Santa Catarina em busca de apoio, solidariedade e com vontade de reconstruir a vida. Um ano após o desastre, o estado catarinense continua sendo lar para muitos que viram aqui o local ideal para o acolhimento necessário durante o período.
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Suelen Garcia e o marido Jason Oliveira estão entre os gaúchos que acharam em Santa Catarina um lar. Moradores de Canoas, cidade na região metropolitana de Porto Alegre — considerada uma das mais atingidas pelas chuvas —, acordaram na madrugada do dia 3 de maio com a água invadindo o prédio em que moravam. O casal conseguiu recuperar o veículo que estava estacionado na garagem e saiu em direção ao Centro do município, onde passou a noite.
— Bastante móveis incharam e a gente teve que se desfazer porque realmente ficou parecendo um papel. A gente só saiu com a roupa do corpo, então deixamos tudo para trás. Aos pouquinhos conseguimos comprar novamente algumas coisas, recebemos bastante doação, o pessoal foi muito solidário com a gente — relata Suelen.
Em junho do mesmo ano, Suelen, que estava desempregada, se mudou para Florianópolis após conseguir uma vaga de emprego no resort Costão do Santinho, no Norte da capital catarinense. Após um ano dos temporais que devastaram o Rio Grande do Sul, ela continua trabalhando como gerente das boutiques que ficam dentro do hotel e segue reconstruindo a vida que precisou deixar para trás. O marido trabalha como motorista de aplicativo.
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— Temos uma estabilidade. Eu gosto de fazer o que eu faço e o meu esposo se adaptou também à rotina dele. Vamos esporadicamente ao Rio Grande do Sul para ver como estão as coisas e visitar nossas famílias. Mas por enquanto o certo é estar aqui. Como Santa Catarina nos abraçou super bem, a gente tem que continuar aqui — afirma.

“Pessoas unidas pelo bem comum”
Assim como foi para Suelen, Lucas Bitzki e a esposa, Mariele Bender dos Reis, assistiram a casa em que moravam em São Sebastião do Caí, município do estado gaúcho, inundar com mais de um metro e 75 centímetros de água da noite para o dia. O casal precisou sair da residência e morar por quase um mês no bairro Retiro, que não foi afetado pelas enchentes.
— Tivemos que tirar tudo que era possível e de valor. Salvamos boa parte dos pertences, tirando o que não era possível. É muito complicado ver todo mundo passando por essa situação. Nós ainda tivemos sorte, apesar de tudo, pois ninguém se feriu — conta Lucas.
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Após ver a casa tomada pela água, Lucas se candidatou para vagas de empregos em Santa Catarina. Em 20 dias, ele e a esposa se mudaram para Joinville, no Norte catarinense, onde começaram a reconstruir a vida.
— Está muito boa a vida aqui. Foi uma mudança chave, tanto pessoal quanto profissionalmente falando: sair de uma cidade de 25 mil habitantes e ir para uma cidade de 600 mil é um choque de realidade e cultural bem grande, mas atualmente já estamos habituados à rotina. O mais complicado para nós é a saudade da família e amigos. A distância é complicada — conta.
Um ano após as chuvas históricas, a casa do casal no Rio Grande do Sul segue em reformas. Os planos são de colocar o imóvel para aluguel nos próximos meses:
— Graças a todo apoio de amigos, família e voluntários, conseguimos nos reestruturar e reerguer. Apesar da situação ter sido muito triste, eu nunca vi as pessoas tão unidas pelo bem comum, foi muito bonito de ver e me dava esperanças e forças em continuar.
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Temporais deixaram cenário de guerra no RS
Os temporais chegaram a Porto Alegre no dia 27 de abril de 2024. Naquele dia, a Defesa Civil municipal chegou a emitir um alerta sobre a “possibilidade de chuvas intensas e ventos fortes” atingirem a cidade entre o fim da tarde do mesmo dia e a madrugada seguinte. O tom do aviso, contudo, não indicava o que estava por vir. A prefeitura decretou estado de calamidade pública municipal no dia 2 de junho.
Em 30 de abril, um helicóptero da Força Aérea Brasileira (FAB) sobrevoou a região e resgatou a primeira de uma série de famílias ilhadas pelas enchentes, na cidade de Candelária, vizinha de Porto Alegre. As duas primeiras mortes foram registradas no dia 29 de abril em Paverama — número esse que subiria para mais de 180 nos dias seguintes.
A região do Vale do Taquari, no interior do estado, foi uma das mais afetadas pelas chuvas, com bairros inteiros de cidades completamente destruídos. Em cenário de guerra, imagens mostravam a destruição em Arroio do Meio, uma das cidades mais atingidas da região, com casas devastadas, árvores nas ruas e postes atirados no chão.
Em Canoas, uma imagem de um cavalo em cima de um telhado de uma casa viralizou nas redes sociais. Apelidado de “Caramelo”, o animal foi resgatado no dia 9 de maio pelo Corpo de Bombeiros. O momento contou com transmissão ao vivo e ganhou ainda mais repercussão.
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Animais mortos, lixo e mau cheiro: Porto Alegre vive cenário de caos após água começar a baixar
Após o resgate, Caramelo foi transportado até o Hospital Veterinário da Ulbra pela cavalaria da Brigada Militar com lesões na pele e nos músculos. O cavalo tem cerca de oito anos.
184 mortos, 806 feridos e 478 cidades atingidas
As enchentes históricas do Rio Grande do Sul deixaram 184 pessoas mortas, 806 feridos e 478 cidades afetadas, o que equivale a quase 95% de todo o estado gaúcho. Segundo a Defesa Civil, 25 pessoas continuam desaparecidas um ano após o evento e 400 ainda vivem em abrigos de oito cidades do estado.
A morte da última vítima foi confirmada nesta quinta-feira (24). Durante os dias de pico do desastre, foram registrados 146 pessoas desaparecidas, 81,4 mil desabrigados e 581 mil desalojados.
Por conta dos estragos, o governo do Rio Grande do Sul chegou a criar as “cidades provisórias” para abrigar os atingidos pelas chuvas. O primeiro Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) foi instalado em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, em junho daquele ano. Além disso, o governo desenvolveu o Plano Rio Grande, programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática que propõe medidas para atenuar os impactos causados pelas enchentes.
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Relembre as chuvas no Rio Grande do Sul
SC em um abraço de solidariedade
O estado catarinense não pensou duas vezes ao mandar apoio para o Rio Grande do Sul. Com ajuda de bombeiros, policiais, Defesa Civil, empresas privadas, ONGs e populares, Santa Catarina salvou milhares de pessoas e dezenas de animais durante os dias de desastre.
Por meio do serviço aeromédico, em conjunto com o Samu Aeromédico (SES/SAMU) e com o Centro de Hematologia e Hemoterapia de Santa Catarina (Hemosc), foram transportadas 1.400 bolsas de sangue e medula óssea. Foram dois voos: um saindo de Florianópolis e outro de Joaçaba.
Santa Catarina abraça o Rio Grande do Sul
O Estado também realizou o transporte aeromédico de pacientes, medicamentos, materiais e insumos, além de toda a corrente de doação de sangue organizada pela Secretaria da Saúde na qual a população catarinense abraçou a causa e compareceu aos postos para doar.
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O governo de Santa Catarina chegou a criar o programa Resposta SC+ para receber os gaúchos e encaminhá-los ao mercado de trabalho, em parceria com a Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina (Fiesc). Algumas empresas também fizeram campanhas voltadas para a contratação de vítimas da enchente, como o Costao do Santinho, onde Suelen trabalha
A Secretaria da Assistência Social, Mulher e Família não tem dados de quantas famílias gaúchas foram recebidas em Santa Catarina.
Quem são os 25 desaparecidos
- Agudo (1): William da Silva Ramos
- Bento Gonçalves (4): Carine Milani, Isabel Velere Antonello Gallon, Lourdes Helena Lazarini e Nelsa Faccin Gallon
- Canoas (1): Adriano Sandaowski
- Caxias do Sul (1): Doceliria Lourenço da Silva
- Cruzeiro do Sul (5): Adriana Maria da Silva, Diana Alves Meirelles, Fabricio Adriano Wendt, Jorge Lauri Rodrigues e Valdelirio Farias do Amaral
- Encantado (2): Bernadete Marques da Silva e César Gilmar das Chagas
- Estrela (1): Andre Dutra
- Lajeado (3): João Luiz Maurante, Gladis Elisabeth da Silva e Alexânder Júnior da Silva
- Marques de Souza (1): Clair Teresinha Bergmann
- Poço das Antas (1): Vanderlei da Rosa
- Porto Alegre (1): Diulnei Silva Corrêa
- Relvado (1): Leandro da Rocha
- Roca Sales (2): Elirio Brino e Erica Brino
- São Leopoldo (1): Carlos Eduardo Lassakoski dos Santos
*Com informações do g1 e CNN.
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