A Polícia Federal deflagrou, nesta semana uma operação para desarticular uma organização criminosa suspeita de traficar mulheres para exploração sexual em diversos estados brasileiros e na Irlanda. Apesar da operação, o Ministério Público Federal alertou, em um documento obtido pela NSC TV, que o grupo “segue em busca de novas vítimas para serem exploradas sexualmente no exterior”.

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Isso porque o esquema criminoso ainda está acontecendo, segundo o MPF, onde há “vítimas em situação de exploração neste momento”. Até o momento, foram identificadas 69 vítimas, número que pode ser ainda maior com o avanço das investigações, conforme a Polícia Federal.

As últimas vítimas que a investigação tem conhecimento de terem sido transportadas para a Irlanda embarcaram para o país em abril deste ano. Os suspeitos, segundo a Polícia Federal, aliciavam as vítimas em baladas e clubes de Santa Catarina.

Pelo menos 25 pessoas, entre físicas e jurídicas, estão sendo investigadas, com a prisão preventiva decretada de quatro membros do grupo, que exercem papel crucial no esquema. Entre eles, o apontado como líder, por tráfico internacional de pessoas para exploração sexual em território estrangeiro, organização criminosa, lavagem de dinheiro, condutas de rufianismo, falsidade documental, crime contra o sistema financeiro e sonegação fiscal.

O Ministério Público argumenta que manter esses membros em liberdade “aumentaria significativamente o risco de destruição, ocultação ou manipulação de provas essenciais, prejudicando a individualização das condutas e, consequentemente, a responsabilização penal dos demais envolvidos”.

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Como o esquema começou a ser investigado

De acordo com o documento, a investigação teve início a partir da deportação do homem apontado como líder do grupo da Nova Zelândia, com a informação de que estava proibido de retornar ao país por suposto envolvimento com tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, ainda em 2017.

Em paralelo a isso, familiares de duas vítimas que embarcaram juntas com destino à Itália, no mesmo voo, compareceram à Polícia para relatar a possibilidade de elas terem sido captadas como vítimas de tráfico de pessoas.

Uma mulher que fazia parte do grupo era a responsável por receber as vítimas na chegada ao exterior, quando elas descobriam que as condições as quais seriam impostas não faziam parte do que havia sido dito anteriormente.

Diante de elementos como esses, a Polícia Federal aprofundou a investigação e descobriu que o esquema, iniciado há oito anos, continua ativo nos dias atuais, com mulheres sendo levadas para 14 países distribuídos por cinco continentes.

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O modus operandi

De acordo com o documento, a organização criminosa opera de modo “meticuloso e perverso”, aliciando mulheres em situação de vulnerabilidade. Dessa forma, o grupo se aproveita de fragilidades sociais, emocionais e econômicas das vítimas para submetê-las a condições de dependência e submissão, com chantagens emocionais e até comparações entre as mulheres.

O homem aproxima-se de mulheres jovens, de forma direta ou indireta, por meio de intermediários, oferecendo supostas oportunidades de trabalho no exterior. As vítimas, apesar de saberem que trata-se de prostituição, não sabem que não receberão o dinheiro integral dos programas, por exemplo, segundo o Ministério Público.

As vítimas acham que vão ter autonomia, mas ao chegar ao destino, são submetidas a uma rotina exaustiva, com liberdade vigiada, controle total e ganhos diminuídos. O homem ajudava com a logística da viagem, com obtenção de passaportes, e até mesmo informações sobre como se vestir e o que dizer nos países estrangeiros.

Ao mesmo tempo em que o grupo organizava a viagem, as vítimas tinham que produzir material fotográfico e audiovisual, usado em anúncios de plataformas online. Sem saber como prosseguir, as vítimas pedem dicas para o homem sobre como as fotos devem ser feitas, e ele responde que elas podem “tirar fotos nuas, mas nada muito vulgar”.

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Entretanto, desde o momento que chegavam ao país, o suspeito exigia a devolução imediata dos valores enviados. As mulheres são alojadas em imóveis controlados pela organização, geralmente dividindo quartos com outras vítimas, “sob constante vigilância de integrantes do grupo”.

O documento mostra uma troca de mensagens registrada no dia 2 de novembro de 2024, em que uma das vítimas diz que está cansada e pergunta “em quanto tempo esse cara vai chegar”, se referindo ao próximo cliente que o suspeito de liderar o esquema agendava para as vítimas. O homem, então, parece irritado na conversa, e diz que quando a mulher “não tinha cliente, reclamava” e que “agora não quer atender”.

Além disso, ele diz que “enquanto você quer dormir, suas amigas ao seu lado querem trabalhar”, comparando as mulheres. A vítima, então, responde que quer fazer o programa e não está reclamando, mas que é “normal um ser humano cansar”.

Ela insinua, ainda, que outras mulheres utilizam drogas e substâncias ilícitas para ficarem acordadas durante mais tempo, e que ela não fazia isso. O suspeito faz chantagens emocionais e diz que uma das vítimas “atendeu 13 [clientes] hoje”, afirmando que a mulher com quem ele estava conversando no aplicativo de mensagens “foi a que menos atendeu hoje”.

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Segundo o documento, os programas eram agendados exclusivamente pelos integrantes da organização, que controlam aparelhos celulares atribuídos às vítimas, usados para intermediar os atendimentos. As mulheres não tinham poder de decisão sobre o número de atendimentos, horários ou clientes.

Uma das vítimas diz, em outra mensagem, que o suspeito “traz as meninas, pega metade da grana, tranca em casa, e trata feito lixo”.

Dois homens atuavam como operadores no exterior, sendo responsáveis por toda a logística do esquema: supervisão das vítimas, locação de imóveis, agendamento de programas, controle da clientela e recebimento dos pagamentos. A mulher que recebia as vítimas no aeroporto, por outro lado, possui um papel gerencial de destaque no grupo, segundo o Ministério Público, sendo responsável pela logística relacionada às vítimas.

Polícia bateu à porta do grupo criminoso em fevereiro

Em fevereiro deste ano, um dos integrantes do grupo afirma que a polícia estava no edifício de propriedade do suspeito de ser líder da organização, onde esse homem morava. Em uma troca de mensagens, o homem, que atuava como agente financeiro do grupo, avisa ao líder sobre a presença policial, quando os dois começam a debochar do fato.

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“Qualquer coisa se perguntar de mim, casado aqui”, disse o suposto líder.
“Preso nós não vai“, escreveu o agente financeiro.
“Não, né”, confirmou o homem.
“Temos que abrir a holding“, disse.

Os integrantes, então, começam a discutir estratégias para blindar o patrimônio adquirido com o dinheiro da prostituição das vítimas, como a constituição de uma holding — empresa que controla outras empresas — e a transferência de bens e imóveis.

Veja as mensagens

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