A epidermólise bolhosa (EB) é uma doença rara que atinge 68 pacientes em Santa Catarina, conforme dados da Secretaria de Estado da Saúde. Atualmente, a visibilidade acerca da doença já é um pouco maior, mas quando Inka Odebrecht Kluge, uma das fundadoras da Associação Catarinense dos Parentes, Amigos e Portadores de Epidermólise Bolhosa (Acpapeb) teve que enfrentar a doença, a situação era bem pior.
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Foi com o nascimento do filho, Emanuel Kluge, hoje com 21 anos, que ela viveu a experiência angustiante de ouvir falar sobre a desconhecida EB.
— A princípio, nem os médicos sabiam dar o diagnóstico, o que foi feito dias após o parto, através de telefonema de uma profissional do Paraná. A falta de conhecimento era tanta que a equipe médica fez algo hoje condenado: colocaram o recém-nascido Emanuel numa incubadora da UTI neonatal, o que fez aumentar as bolhas pelo corpo — recorda Inka.
Dias depois, a alta foi esperada, mas assustadora:
— Eu já sabia sobre as feridas, mas quando vi meu bebê enfaixado da cabeça aos pés, me assustei. Fomos direto para o Paraná, consultamos com uma geneticista e começamos a saga para encontrar um profissional. Nessa busca, descobri um paciente aqui, outro ali, e chegamos na médica Jeanine Magno, em Blumenau — relembra Inka.
Os laços se estreitaram e, em 2009, foi criada a associação catarinense, hoje com quase 70 pacientes cadastrados. Inka é a atual diretora de assistência.
— Nosso objetivo é ajudar as famílias. Mas sabemos que nem todos estão, pois há pessoas que ainda lidam com a dificuldade de vencer essa etapa da invisibilidade.
Assim como outros pacientes, o filho de Inka depende do Estado e dos municípios para a entrega dos
curativos e insumos.
— Sou dentista e precisei recorrer ao Ministério Público para conseguir ajuda. Suponho que o
custo mensal do tratamento esteja em torno de R$ 20 mil.
Sobre os cuidados, Inka explica que o ideal é que fizesse os curativos todos os dias, mas em função do alto custo, precisa economizar os insumos. A preocupação é cuidar das bolhas para não virar tumor, o que muitas vezes acontece com os pacientes de EB.
Famílias de pele
A situação é parecida com a que enfrenta Aldaíra Martins, a Alda, mãe de Vitória, 27 anos, a mais velha entre três irmãos, e a única que nasceu com EB. Para garantir os insumos que precisa, a família que mora em São José, na Grande Florianópolis, ingressou na Justiça e, ainda que com oscilações, recebe curativos, pomada e remédios.
— Sozinhos, sem ajuda, não tem como dar conta do tratamento — conta Alda.
Graças a isso, em novembro, a família viu Vitória ser investida com o “Lenço do Desbravador”, um projeto da Igreja Adventista do Sétimo Dia, que simboliza ideias nobres como união e compromisso em servir a Deus, à igreja e à comunidade. O lenço também representa a amizade, o respeito e a solidariedade entre os membros da associação. A mãe conta que Vitória se preparou para o evento, pois era preciso caminhar. Os treinos em casa deram certo: foi muito bem recebida por todos os presentes.
— Vitória não se entrega e é exemplo de superação. Foi a maior incentivadora para que eu voltasse a estudar. Se sigo fazendo o curso de Serviço Social on-line, é porque ela não me deixou parar — conta Alda.
Conforme a mãe, a filha vive um dia por vez, e nunca reclama da condição imposta pela EB. Ao contrário, parece ter sempre motivos para agradecer a própria existência.
— Foi pela Vitória que ajudamos a fundar a associação catarinense e isso fez diferença nas nossas vidas e de tantas outras pessoas. A gente fala em ser “família de pele”, pois sentimos as mesmas coisas.
Doença tem a borboleta como símbolo, pelas transformações
O símbolo da Epidermólise Bolhosa é a borboleta. Por isso, ao deixar o hospital a criança com suspeita ou diagnóstico da doença recebe o Kit Borboletinha, projeto da Debra Brasil. O kit contém produtos de emergência para tratamento das feridas e informações para equipe médica e pais. O nome leva em conta a fragilidade das asas do inseto: um movimento pode fazer com que se desmanchem. Mas também pelo poder de transformação, já que os pacientes, apesar de toda a fragilidade cutânea, apresentam capacidade enorme de superação.
É o que demonstra a conversa com Emanuel Kluge, 21 anos, estudante da oitava fase de Economia na UFSC, em Florianópolis, e que trabalha em home-office no setor de cobrança de uma imobiliária. Emanuel tem Epidermólise Bolhosa Recessiva, a mesma do menino Gui.
— Como nasci com a doença, estou mais acostumado. Sinto que as pessoas ainda estranham as faixas que protegem o meu corpo. Mas depois que explico, sinto que a situação fica um pouco mais normal, pelo menos com os colegas mais próximos – diz Kluge.
Criado em uma família que não gosta muito de se expor ao sol, ele tem uma rotina caseira. Nas horas de lazer, joga videogame com os primos e assiste TV. Quando era menino, gostava das aulas de educação física. Recebeu incentivo da mãe e teve ajuda dos professores, que pensaram numa bola especial para que não machucasse o corpo.
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Mas o rapaz reconhece: as coisas no futebol parecem não estar numa boa fase. No fim do ano passado, ele teve uma decepção: o Santos Futebol Clube, conhecido mundialmente por ser o time do Rei Pelé, foi
rebaixado para a segunda divisão do futebol brasileiro.
— Comecei a torcer para o Santos em 2010, time que na época tinha jogadores bons, como Ganso e Neymar. Acho que 50% do tempo que passo na frente da TV é vendo futebol e sempre que possível partidas do meu time — diz o jovem.
Emanuel está de férias da universidade e voltou para Blumenau, onde mora a família. Algumas vezes, faz o percurso entre Florianópolis e a maior cidade do Vale do Itajaí dirigindo o carro da mãe. Mas com uma exigência: o ar-condicionado sempre ligado. A climatização é um benefício para os pacientes com Epidermólise Bolhosa por causa das bolhas que se formam com o calor.
Ajudar as pessoas a se superarem
Vitória Martins, 27 anos, é outro exemplo de superação diante dos limites terapêuticos trazidos pela doença. O tom de voz é baixo, mas a gratidão ecoa ao ser cumprimentada pela reportagem:
– Tudo bem, graças a Deus. Com você, tudo bem?
Vitória concluiu o 9º ano, mas com o agravamento da doença precisou interromper os estudos. Nada que dificulte a escrita de um livro autobiográfico.
— É um livro sobre a doença e onde conto um pouco da adolescência, da minha vida. Uma biografia que tem um lado engraçado, pois dizem que sou meio cômica. Então, resolvi fazer um pouco de graça.
O livro, que ainda não tem editora e data de lançamento, vai ter 100 páginas. Nos últimos tempos, Vitória viu os movimentos serem limitados e está preferindo gravar áudios. Para a transcrição, conta com a ajuda da amiga Emily. De acordo com a autora, o livro é um recado para toda a sociedade:
— Não é um livro de autoajuda, mas um livro que vai animar quem ler. Vai mostrar um pouco da minha superação e ajudar as pessoas a também se superarem.
Quando não está envolvida com os áudios, Vitória caminha pelo jardim da casa, no bairro Forquilhinhas, em São José, na Grande Florianópolis, e brinca com os sobrinhos. Quando vai para a rua, utiliza cadeira de rodas. Recentemente foi ao shopping fazer compras. Além de uma calça e blusa, escolheu um turbante:
— Amo turbantes. Tenho seis. É bom, pois daí não uso mais peruca.
Vitória ama também fotografia, e tem um perfil no Instagram:
— Também dizem que sou fotogênica. Por isso, gosto de ter minhas fotos — explica.
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