O dentista Cezar Maurício Ferreira, de 60 anos, que morreu em uma cela da Central de Plantão Policial de São José, na Grande Florianópolis, não conseguiu responder ao interrogatório da delegada Isabel Fauth na ocasião em que foi preso por embriaguez ao volante, no dia 19 de julho. Imagens obtidas pela NSC e exibidas no domingo (3), pelo Fantástico, mostram Cezar desorientado no momento em que prestava depoimento.
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O interrogatório foi feito por videoconferência e durou pouco mais de dois minutos. No registro, Cezar aparece desorientado, com as mãos trêmulas e encosta os dedos na testa mais de uma vez.
A delegada pergunta se ele gostaria de indicar o contato de um familiar, conhecido ou advogado, mas ele responde apenas com a palavra “certo”.
— Seu Cezar, o senhor não está entendendo o que eu estou falando, né? — questiona a delegada.
— Certo, certo… — diz o dentista no vídeo.
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A delegada, então, conclui que ele não tinha condições de ser interrogado e encerra o ato. Procurada pelo Fantástico, a delegada Isabel Fauth informou que concordava com as informações do inquérito policial, mas não quis conceder entrevista.
Veja o depoimento
Relembre o caso
Cezar foi encontrado sem vida em uma cela da Central de Plantão Policial de São José, na Grande Florianópolis, no dia 19 de julho, após ser preso pela Polícia Militar por suposta embriaguez ao volante, no dia 18 de julho.
A família questiona o atendimento da Polícia Militar e da Polícia Civil. O laudo elaborado pela Polícia Científica confirmaram que a causa da morte foi cardiopatia hipertrófica. Além disso, exames toxicológicos revelaram que não havia presença de álcool no organismo da vítima.
A 12ª Promotoria de Justiça de São José solicitou investigações complementares à Polícia Civil, que concluiu o inquérito na última sexta-feira (1º). Após receber o inquérito, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) irá analisar o caso e decidir por oferecer denúncia, solicitar novas diligências à polícia ou o arquivamento.
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De acordo com o inquérito, elaborado pelo delegado Akira Sato, não houve negligência e omissão por parte das autoridades no caso do dentista. O resultado tem como base um laudo complementar solicitado pela Policia Civil que apontou que os medicamentos encontrados no organismo de Cezar poderiam causar sintomas de sonolência e confusão mental moderada.
— Então por essas razões é que não há como falar em prática de crime omissivo, na forma dolosa ou eventual, ou na sua forma comissiva, e também na sua forma culposa — pontuou o delegado.
Em nota, a família de Cezar cobrou um novo protocolo de abordagem policial. “A única resposta à altura desta tragédia é a apresentação de um novo protocolo de abordagem policial, revisado e focado em preservar a vida, para que a insana sequência de erros que levaram o Dr. Cezar a uma prisão ilegal e a uma morte sem socorro médico nunca mais se repita”, diz um trecho (veja a nota completa abaixo).
“Meu pai era um homem bom”
Os familiares de Cezar falaram sobre o caso pela primeira vez sobre o caso na entrevista ao Fantástico. Gabriel Bertoli Ferreira, o filho mais novo do dentista, disse que o pai “era uma boa pessoa, era incrível, era um homem bom”, e que não consegue acreditar no que aconteceu. Atualmente, ele mora na Irlanda e está longe do restante da família.
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— Que isso não se repita. Que outras vidas, talvez, sejam salvas e não acabem como o meu pai —desabafou Allan Bertoli Ferreira, filho mais velho do dentista.
O que diz a defesa da família de Cezar
“A família do Dr. Cezar Maurício Ferreira tomou conhecimento, por meio da imprensa, do conteúdo apresentado na entrevista coletiva desta manhã feita pelos representantes dos Órgãos de Segurança Pública, na qual foi anunciada a conclusão do inquérito policial sobre sua morte.
Até o presente momento, o Advogado da família não teve acesso oficial ao relatório preliminar ou relatório final e nem aos novos laudos e documentos mencionados na coletiva. Nossa solicitação foi feita ontem. Com a liberação do conteúdo, faremos a análise técnica e jurídica aprofundada que o caso exige.
Não obstante, com base no que já temos, é possível verificar que subsistem indagações e questões sem respostas. Sobre isso, faremos uma manifestação detalhada sobre cada ponto da coletiva e do inquérito (e se chegar o material faltante, será incluído), que será apresentada em nossa própria coletiva de imprensa, hoje, às 14h.
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E independentemente do teor específico do relatório do inquérito, a posição da família e a expectativa da sociedade permanecem inalteradas. A única resposta à altura desta tragédia é a apresentação de um novo protocolo de abordagem policial, revisado e focado em preservar a vida, para que a insana sequência de erros que levaram o Dr. Cezar a uma prisão ilegal e a uma morte sem socorro médico nunca mais se repita.
A coletiva era a grande oportunidade que as autoridades tinham para demonstrar com o que realmente se preocupam: com a vida humana, com a segurança dos cidadãos de bem, tal como era o Dr. Cezar.
Para se chegar a isso, porém, só existe um caminho: cortar na própria carne. Isso significa que o relatório final do inquérito, para ter credibilidade, precisa ter mapeado e identificado, sem rodeios, todas as causas das ilegalidades e dos erros cometidos. A começar pelo pilar que sustentou toda a tragédia: a alegação de um “odor etílico”. Essa premissa foi desmentida pela ciência, mas foi a base para a afirmação da “embriaguez ao volante”, para a prisão e para a negligência na interpretação de sinais de um homem que precisava de socorro médico, e não de prisão.
Além disso, há muitas respostas que a família e a sociedade ainda aguardam, e que esperamos tenham sido respondidas na coletiva das autoridades e no inquérito:
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Por que a família jamais foi comunicada oficialmente da detenção ou da morte, numa clara violação do Código de Processo Penal e de direitos humanos fundamentais? Se após a morte foi possível encontrar amigos nas redes sociais, por que o mesmo empenho parece não sido empregado para localizar um parente enquanto ele ainda estava vivo e precisava de ajuda?
Se não houvesse a falsa alegação de “odor etílico”, o Dr. Cezar teria sido levado para a delegacia ou para um hospital, como mandaria o bom senso?
O que acontece com um policial que afirmou existir “odor etílico” em um documento público (usado como base para mandar o Dr. Cezar para a gélida cela) e em dois depoimentos, se o laudo toxicológico provou inexistir álcool no Dr. Cezar?
Por que a sua condição cardíaca, evidenciada por uma cicatriz de marcapasso, foi completamente ignorada?
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Houve constatação e indicação da concentração dos medicamentos encontrados no sangue do Dr. Cezar? A concentração de 00,00000001mg ou 1g de medicamento é irrelevante para determinar se foi a causa da desorientação visível e mal estar que acometeram o Dr. Cezar?
Por que ignoraram as hipóteses de um AVC ou de um infarto durante a abordagem, a prisão e todo o período em que ele esteve sob custódia na cela?
No interrogatório do Dr. Cezar, a presença física da autoridade mais experiente aumentaria ou não as chances de perceberem a emergência médica? Ou um interrogatório virtual é algo indiferente para fins de chances de evitar a morte de alguém que precisava de socorro?
As autoridades de Santa Catarina estão diante de um dilema que foi exposto ao público às 9h da manhã. Ou apresentam uma investigação que gerou um protocolo novo, criado para salvar vidas e que assume as falhas fatais que ocorreram, cortando na própria carne para evoluir; ou se limitarão a uma narrativa superficial, na tentativa de justificar o injustificável: a prisão e a morte de um inocente, cuja reputação não será assassinada.
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No fim, a escolha é simples: ou as autoridades agem para salvar a sociedade de futuras tragédias, ou agem para salvar agentes públicos das consequências de seus erros. As duas coisas não podem coexistir em um Estado que se pretende sério e seguro para seus cidadãos.”
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