Silvio Ferreira das Neves, pai de Ana Luiza Neves, adolescente de 17 anos que morreu após comer um bolo envenenado, desabafou pela primeira vez em entrevista ao Fantástico. A jovem morreu no domingo (31), na Grande São Paulo. A investigação do caso revela que a menina que envenenou o bolo de Ana Luiza era amiga da família e “agiu por ciúmes”, e ainda, 15 dias antes, fez o mesmo com outra jovem. As informações são do g1.

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A operação ocorreu da mesma forma nos dois casos. O doce foi entregue em casa, com bilhete afetuoso, por um motoboy, mas escondia uma substância letal: trióxido de arsênio. O pai de Ana Luiza ainda tenta entender o que aconteceu, já que a jovem que envenenou sua filha também tem 17 anos e dormiu na casa da família no fim de semana do envenenamento.

Ainda, Silvio revelou que a jovem chegou a acompanhá-lo ao hospital, quando Ana Luiza passou mal. Silvio ficou em choque com a revelação da polícia.

— Me abraçou e falou: “Tio, vai ficar tudo bem”. Ela é fria. Cruel. Eu não acreditei. Achei que fosse outra pessoa. Ela vinha pra cá, comia, dormia, usava as maquiagens das minhas filhas. — disse o pai.

Envenenamentos em série

Após a notícia da morte de Ana Luiza, outra família procurou a polícia. Kamilly, também de 17 anos, tinha sobrevivido a uma situação semelhante apenas 15 dias antes. A jovem recebeu uma entrega no trabalho.

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— Eu fui pegar o celular para ver se alguém da minha família tinha mandado, aí chegou o código. Entreguei pro motoboy e recebi a encomenda — relata.

Um perfil falso de um menino que trocava mensagens com Kamilly disse que tinha enviado a encomenda. “Se chegar algum presente aí, é pra você. kkk”, diz a mensagem. Ela comeu o bolo e logo passou mal.

— Fui perdendo minhas forças, fui ficando gelada — continuou.

A mãe, Kátia Miranda, correu com ela para o hospital.

— Cheguei gritando: “minha filha foi envenenada” — relata a mãe.

Exames detectaram uma substância anormal no organismo, mas não foi possível identificá-la, porque o bolo já havia sido consumido.

— A gente jogou o pote fora. O lixeiro já tinha levado — disse Kátia.

Na época, sem provas, a família não registrou ocorrência. Entretanto, ao saber do caso de Ana Luiza, decidiu falar:

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— A partir do momento que uma jovem perdeu a vida, eu falei: Ká, não podemos ficar caladas. Foi uma vida.

Confissão do crime

Com os dois relatos dos casos, a polícia passou a cruzar informações. Segundo a investigação, os bilhetes enviados às jovens tinham grafia semelhante. Os dois bolos foram entregues por motoboy, com mensagens assinadas por um “admirador secreto”.

O entregador foi localizado e levou os investigadores até o endereço onde pegou o doce. No local, vivia uma família com três filhas. Uma delas coincidia com a descrição do motoboy. A adolescente foi levada à delegacia com a mãe. O entregador a reconheceu imediatamente.

— Não teve nenhuma dúvida em afirmar que ela era a mesma pessoa que havia entregue o bolo — disse o delegado Vitor Santos e Jesus.

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A jovem que envenenou os bolos confessou o crime. Em depoimento, ela disse que agiu por ciúmes, que queria apenas que as vítimas passassem mal e afirmou estar enfrentando problemas psicológicos.

— Conversando com ela, ela acabou por admitir a autoria dos dois fatos. Mas em nenhum momento demonstrou um grande arrependimento — relatou o delegado.

A mãe da adolescente ficou abalada.

— Ao se deparar com a mãe chorando, ela também entrou em prantos — afirmou o delegado.

Kamilly, a jovem que sobreviveu, ainda se recupera.

— Infelizmente, eu e ela não tivemos o mesmo destino. É muito triste saber. Somos jovens, muitos sonhos pela frente. Infelizmente o dela acabou por ali — disse.

A jovem que confessou os dois envenenamentos está internada na Fundação Casa. Por ser menor de idade, pode cumprir até três anos de reclusão.

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Falta de controle na venda

O trióxido de arsênio, substância química usada pela jovem que envenenou os bolos, é altamente tóxico e utilizado na indústria e no tratamento de doenças como leucemia. Seu nome também está entre os mais antigos da história da toxicologia. 

— Foi uma das primeiras substâncias utilizadas em crimes de envenenamento — explicou Rafael Lanara, farmacêutico bioquímico e presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia.

Apesar disso, a venda do arsênio não é controlada no Brasil.

— Infelizmente o arsênio não é uma substância controlada. Não é proibido. O arsênio deveria ser controlado. Frente a esses casos que estão aumentando, é de suma importância que a gente tenha controle da venda desse produto, principalmente pela internet — afirmou Lanara.

A jovem que envenenou Ana e Kamilly comprou o produto pela internet. O pai de Ana Luiza também questiona:

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— Como é que ela comprou essa substância tão perigosa?

Centros de intoxicação de várias regiões do país têm registrado casos semelhantes com arsênio e também com o chumbinho — que é proibido. Houve casos envolvendo alimentos como açaí, baião-de-dois e ovos de Páscoa. No Rio Grande do Sul, quatro pessoas morreram após consumir um bolo envenenado com a mesma substância.

Dois projetos de lei foram apresentados para regulamentar a venda. Em nota, o Ministério da Saúde disse que está prevista a implantação de uma linha de cuidados para pessoas intoxicadas até 2030.

*Sob supervisão de Luana Amorim

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