O início de 2025 foi marcado por mortes após confrontos com agentes da Polícia Militar em Santa Catarina. Em 10 dias, foram pelo menos cinco casos registrados, três deles em Florianópolis. Os episódios expõem um começo de ano de tensão nas ocorrências e lançam luz sobre o tema das abordagens policiais, em evidência também em outros estados brasileiros desde o ano passado.

Continua depois da publicidade

Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp

O caso que mais repercutiu ocorreu na manhã do último sábado (4), na região do Pântano do Sul, em Florianópolis. Ernesto Schmidt Neto, conhecido como Betinho ou “Anão da Solidão”, foi morto durante uma abordagem policial após discutir com vizinhos. Segundo a PM, Betinho estava bastante alterado e teria partido para cima dos policiais com uma faca, o que teria motivado os disparos.

Quem é Betinho “Anão da Solidão”, morto em confronto com a PM em Florianópolis

Betinho tinha 48 anos e era bastante conhecido na região e nas redes sociais. A PM divulgou que ele tinha passagens por ameaça, desacato, perturbação, lesão corporal e por dirigir sob efeito de álcool. O desfecho da abordagem, com a morte de Betinho, no entanto, revoltou moradores próximos, que afirmaram que a vítima estava em surto e questionaram a ação de policiais nas redes sociais.

Continua depois da publicidade

Na noite do mesmo sábado, um homem de 24 anos foi morto durante outro confronto com policiais militares. O caso ocorreu na Rua Nova Descoberta, no Centro de Florianópolis. Segundo o relato da PM, o homem teria feito disparos de arma de fogo contra policiais que faziam rondas no local, após uma denúncia de prática de tráfico de drogas na região.

Os policiais, segundo a corporação, revidaram e atingiram o homem, que não resistiu aos ferimentos e morreu no local. A PM afirmou ter encontrado com o homem uma pistola calibre 9 milímetros, uma pequena quantidade de drogas e uma balança. Nenhum policial ficou ferido.

O terceiro episódio em Florianópolis ocorreu ainda no dia 1º de janeiro, por volta das 18h50min, no bairro Agronômica, na região central da Capital. Os policiais relataram que faziam uma abordagem policial quando um suspeito teria entrado em confronto com a equipe, o que exigiu que os agentes revidassem. O homem de 21 anos foi atingido e morreu no local da ocorrência. Conforme a PM, ele também possuía passagens por tráfico de drogas, receptação, desobediência, porte ilegal de arma e roubo.

Os primeiros dias do ano tiveram ainda uma morte por confronto com policiais em Chapecó, no Oeste de Santa Catarina. No primeiro sábado do ano, 4 de janeiro, policiais militares averiguavam ocorrências de furtos em residências quando teriam localizado um suspeito de 25 anos, em um veículo furtado. De acordo com a PM, o homem estava armado e teria iniciado fuga, colocando pessoas em risco ao trafegar em alta velocidade e colidir com veículos. Durante a perseguição, na entrada do Contorno Viário Oeste, o suspeito teria apontado a arma para os policiais, que reagiram. O homem foi baleado e morreu no local. A identificação do homem morto também não foi confirmada.

Continua depois da publicidade

No dia 9 de janeiro, uma ocorrência de perturbação de sossego terminou com a morte de um homem de 27 anos em Xanxerê, no Oeste do Estado. Os policiais atiraram depois de terem sido atingidos na cabeça com um tijolo. O caso será investigado em procedimento aberto pela PM.

Outro caso em que houve uso da força pela Polícia Militar ocorreu na noite de 10 de janeiro, no bairro Pinheira, em Palhoça, na Grande Florianópolis. Um homem de 45 anos levou um tiro no peito depois de desobedecer ordens de policiais e tentar tirar um fuzil das mãos de um dos agentes. Ele sofria uma abordagem depois de um furto de uma bicicleta. O homem foi levado para um hospital local em estado estável.

O que diz a PM sobre os confrontos

A Polícia Militar informou que as circunstâncias de todos os casos estão sendo investigadas por Inquéritos Policiais Militares. A morte do “Anão da Solidão”, no Sul da Ilha, também é investigada pela Polícia Civil em um inquérito sobre suposto homicídio.

A reportagem do NSC Total procurou a Polícia Militar para questionar sobre os casos, mas a assessoria da corporação informou em nota que os responsáveis não podem dar declarações, uma vez que as investigações seguem em sigilo. “Só depois dos resultados dos inquéritos é que os comandantes dos Batalhões de Polícia Militar (BPMs) podem emitir qualquer opinião, para não atrapalhar o processo”, respondeu a assessoria da PM, em nota.

Continua depois da publicidade

Procurado pela reportagem, o tenente-coronel André Rodrigo Serafin, comandante do 4º Batalhão de Polícia Militar (BPM), responsável pelo policiamento no Sul da Ilha e na região das mortes em Florianópolis, confirmou que não pode dar detalhes em razão dos inquéritos, mas argumentou que o tema não preocupa a corporação porque dois dos mortos eram pessoas perigosas, membros de facção criminosa, com dezenas de passagens policiais por homicídio e tráfico, e que teriam atirado contra as equipes policiais. Um deles seria inclusive uma liderança da facção e um dos criminosos mais conhecidos da cidade.

Por fim, segundo ele, o caso de Betinho também ocorreu porque ele teria partido com faca para cima dos policiais.

— Não é a questão da PM. Atendemos mais de 80 ocorrências de pessoas surtadas com faca em 2024, sabe quantos confrontos ocorreram? Zero. Porque as pessoas se entregaram, chamamos negociadores. Então, essa opção de ter confronto ou não é sempre do agente. O confronto do Betinho se deu porque ele não deixou opção para a guarnição, ele pulou com uma faca para cima do sargento — afirmou, dizendo que pelos elementos apurados até o momento as ações da PM foram legítimas e corretas.

O Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou à reportagem que acompanha todos os casos de mortes resultantes de confrontos com a polícia, agindo de acordo com as circunstâncias de cada caso.

Continua depois da publicidade

“Todos os inquéritos policiais que investigam essas ocorrências são submetidos à análise da Promotoria de Justiça com atribuição para atuar nos crimes contra a vida na comarca onde ocorreram os fatos, não sendo admissíveis eventuais excessos por parte das forças de segurança estatais”, informou, em nota.

Aumento nos números de mortes em confrontos

Os casos de mortes em confronto com policiais neste início de ano em Santa Catarina causam questionamentos sobre a frequência desses episódios na segurança pública do Estado.

Dados do último Anuário Brasileiro da Segurança Pública apontaram que Santa Catarina teve um crescimento de 79,5% na taxa de mortes por intervenção de policiais civis e militares no ano de 2023 em comparação com 2022. A alta foi a terceira maior entre os estados brasileiros, atrás apenas de Mato Grosso do Sul (160,8%) e Mato Grosso (104,6%).

O Estado teve 79 mortes por intervenção de policiais civis e militares registradas há dois anos, incluindo casos de agentes em serviço e fora de serviço, contra 44 mortes nessas condições registradas um ano antes, em 2022. Apesar do aumento dos números, o Estado ainda registrava a sexta menor taxa de mortes decorrentes de intervenção policial na comparação com os demais estados.

Continua depois da publicidade

A reportagem questionou a Secretaria de Segurança Pública (SSP-SC) sobre os dados de 2024, mas não obteve retorno até o fechamento.

Até novembro do ano passado haviam sido registradas 71 mortes — ou seja, a cada quatro dias, uma pessoa foi morta pela PM em Santa Catarina até 31 de novembro. Além disso, o acumulado já era maior que o mesmo período de 2023.

Casos retomam debate sobre fim das câmeras corporais em SC

Os novos casos de mortes em confrontos reacendem também a polêmica sobre o fim do uso das câmeras corporais nas fardas dos policiais militares de Santa Catarina. Em setembro do ano passado, o governo do Estado anunciou o fim do uso dos equipamentos adotados desde 2019. A PM catarinense havia sido a primeira do Brasil a adotar esses equipamentos, mais tarde utilizados também por policiais de outros estados.

Na ocasião, a corporação justificou o fim do projeto por problemas operacionais e falta de recursos financeiros. No mesmo mês, o Ministério da Justiça anunciou um edital de até R$ 100 milhões para custear a compra de câmeras para estados interessados.

Continua depois da publicidade

Os equipamentos eram acionados automaticamente durante o atendimento de ocorrências e serviam como elementos de análise em investigações sobre abordagens policiais.

A suspensão do uso das câmeras corporais passou a ser investigada em um inquérito civil do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) desde novembro do ano passado. O órgão reconheceu que as câmeras auxiliavam no fortalecimento da prova e em aspectos como “o combate à violência e o controle do uso da força policial”.

O advogado Guilherme Stinghen Gottardi, presidente da Comissão de Segurança Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC), lembra que a entidade foi contrária ao fim do uso das câmeras corporais e pontua que cobra a PM sobre a possibilidade de retomar o uso dos equipamentos.

— Nesse caso do Sul da Ilha, por exemplo, a câmera seria imprescindível para a autoridade policial analisar os fatos e verificar o que realmente ocorreu. Poderia até ajudar os policiais, porque se ficasse comprovado que ele estava agressivo, em surto, portando uma faca e partiu para cima, colocando em risco a vida de um policial, a câmera teria registrado isso e poderia servir como defesa dos próprios agentes públicos. Por isso é importante a câmera corporal, que a OAB-SC sempre se manifestou favorável à utilização — defende Gottardi.

Continua depois da publicidade

Sobre o fim do uso das câmeras, o MPSC confirmou que tem um inquérito em andamento para apurar o tema e informou que atualmente “analisa as respostas aos questionamentos feitos à Secretaria de Segurança Pública, ao Ministério da Justiça e a Polícia Militar, para definição dos encaminhamentos seguintes”.

Disputas de facções explicam alta de confrontos

O advogado Guilherme Stinghen Gottardi, presidente da Comissão de Segurança Criminalidade e Violência Pública da Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina (OAB-SC), confirma que o Estado vem observando um aumento no número de mortes em confrontos policiais nos últimos anos.

Segundo ele, esses casos ocorrem em razão do acirramento da guerra de facções criminosas e da disputa por territórios e pontos de tráfico de drogas. Os embates exigem a intervenção da Polícia Militar, que muitas vezes já é recebida com tiros e precisa revidar, resultando em mais mortes em confrontos.

— Por isso é importante a utilização da tecnologia e de inteligência, algo que a gente sempre debate, porque a polícia consegue prever a movimentação dos criminosos e chegar ao local sem a necessidade de troca de tiros, o que reduz as mortes nessas ocorrências — avalia, lembrando que os monitoramentos reduzem o risco às vidas da sociedade e dos próprios policiais.

Continua depois da publicidade

A integração policial, com troca de informações com a Polícia Civil, Federal e polícias de outros estados em casos que cruzam as fronteiras, seria uma das formas de utilizar a inteligência para reduzir os casos de confrontos em abordagens policiais.

Outro ponto que explicaria os números maiores de mortes em confrontos policiais, segundo o advogado, seria a mudança no perfil de atuação da polícia em Santa Catarina. A alteração seria decorrente de novas diretrizes de governo e do novo comando da corporação, que teriam buscado uma maior resposta contra a criminalidade.

— A polícia passou a estar mais presente na rua, gerando mais confronto, batendo de frente com essas facções, então aumentou o número de ocorrências em que há esses confrontos. Consequentemente, aumentou o número de mortes — avalia.

O assunto das abordagens policiais foi assunto no fim do ano passado também em função da publicação de um decreto do governo Lula que regulou o uso da força policial durante as abordagens. O texto trouxe pontos como a previsão do uso da arma de fogo como o “último recurso” e que não é legítimo contra pessoas em fuga que estejam desarmadas ou não representem risco imediato de morte ou lesão aos profissionais da segurança pública.

Continua depois da publicidade

Leia também

Quem é Betinho “Anão da Solidão”, morto em confronto com a PM em Florianópolis

Criança de 2 anos morre atropelada por trator após cair de maquinário no Oeste SC

Entenda por que vídeos de conteúdo adulto podem levar Nego Di de volta à prisão