O Ministério Público Federal (MPF) recomendou ao município de Florianópolis que não encaminhe passageiros sem emprego ou moradia de volta ao seu local de origem. A recomendação vem após uma medida divulgada em um vídeo pelo prefeito Topázio Neto (PSD), em novembro, em relação à criação de um posto da Secretaria de Assistência Social na Rodoviária de Florianópolis, para “garantir o controle de quem chega” à capital catarinense. O caso ganhou repercussão nacional.

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De acordo com o documento do MPF, o órgão municipal deve determinar a todos os órgãos da prefeitura, em especial à área de Assistência Social, que “não realizem o transporte compulsório de qualquer pessoa que desembarque no terminal rodoviário Rita Maria, ou que chegue na cidade por qualquer outro meio de transporte em situação de vulnerabilidade socioeconômica”.

A recomendação também requer que a prefeitura não veicule qualquer postagem que configure conduta discriminatória ou preconceituosa, por motivo de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional, ou que configure indução ou incitação a essas práticas ilícitas.

Ainda segundo o documento, o município deve veicular vídeo ou nota de esclarecimento informando a população sobre o acolhimento da recomendação do MPF, e sobre a determinação aos órgãos da prefeitura.

A recomendação é resultado de inquérito aberto pelo MPF para apurar possível violação ao direito de liberdade ambulatorial das pessoas em condição de vulnerabilidade socioeconômica que desembarcam na rodoviária de Florianópolis.

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No inquérito, consta um vídeo veiculado em redes sociais, no qual atual prefeito de Florianópolis fala sobre as medidas de controle das pessoas que desembarcam na cidade. Além disso, afirmou que a prefeitura forneceria a passagem de volta para seu local de origem às pessoas “sem nenhum vínculo com a cidade” que não têm emprego ou local para morar.

Confira o vídeo

Para o MPF, essas declarações reforçam estereótipos associando uma parcela da população — justamente aquela mais necessitada de proteção estatal — a práticas ilícitas e criminosas. De acordo com a recomendação, essa forma de discriminação considera que somente quem se encontra em situação de maior vulnerabilidade socioeconômica, por não possuir emprego ou moradia na cidade, representa um risco à segurança dos moradores de Florianópolis e à sua cultura.

O MPF ainda destaca que a Constituição Federal estabelece, como um dos seus objetivos fundamentais, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

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O que disseram o Ministério Público e a Defensoria Pública

Em nota enviada ao NSC Total à época, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) informou que o vídeo publicado pelo prefeito chegou ao conhecimento do órgão e que seria encaminhado às Promotoras de Justiça, “com atribuição na área da cidadania para ciência e adoção das providências que entenderem cabíveis”.

Já a Defensoria Pública afirmou que “instaurou procedimento para apurar medidas que estariam impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade em Florianópolis e determinando seu retorno às cidades de origem”.

O órgão disse, ainda, que o poder público deve manter “serviços socioassistenciais acessíveis e acolhedores para orientar e proteger quem chega ao município em busca de melhores condições de vida”, e que esses serviços devem existir para oferecer apoio.

O que diz a prefeitura?

À NSC, a prefeitura de Florianópolis afirma que o posto da Assistência Social na rodoviária de Florianópolis serve para orientar e apoiar pessoas que chegam à cidade, e que não há abordagem de todos os passageiros. Ainda segundo o órgão, o atendimento é realizado apenas quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda, afirmação que difere da que foi feita por Topázio Neto em novembro. Leia na íntegra a nota atual:

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A Prefeitura explica, novamente, que o posto da Assistência Social na rodoviária de Florianópolis é para orientar e apoiar pessoas que chegam à cidade. O objetivo é oferecer apoio a quem precisa e identificar situações em que outros municípios enviam pessoas em situação de rua para Florianópolis de forma irregular.

Não há abordagem de todos os passageiros, o atendimento é realizado apenas quando a própria pessoa procura o posto em busca de ajuda. A partir desse contato, são feitos os encaminhamentos necessários para a rede socioassistencial”.

Leia a nota da Defensoria na íntegra

“A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, por meio do Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos e Ações Coletivas (NUCIDH), instaurou procedimento para apurar medidas que estariam impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade em Florianópolis e determinando seu retorno às cidades de origem. A iniciativa ocorre diante da divulgação de que mais de 500 pessoas teriam sido “devolvidas” pela Prefeitura da capital.

Para a Defensoria Pública, é essencial que o poder público mantenha serviços socioassistenciais acessíveis e acolhedores para orientar e proteger quem chega ao município em busca de melhores condições de vida. Esses serviços devem existir para oferecer apoio e encaminhamentos adequados, garantindo que ninguém fique desamparado.

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O que causa preocupação, no entanto, é o discurso e a forma de abordagem adotados, que passam a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade ou estão sendo identificadas e “devolvidas” com base em critérios discriminatórios.

“O vídeo divulgado pela Prefeitura traz um discurso de estigmatização e exclusão, ao dar a entender que pessoas pobres não podem permanecer na cidade. Além de ferir a dignidade humana, isso pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição”, destaca a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do NUCIDH.

 Defensoria lembra ainda que não existe qualquer controle de fronteira entre municípios e que ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia. A remoção ou o transporte compulsório de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e por legislações municipais que regulamentam o benefício eventual de passagem – que só pode ser concedido quando há vontade expressa da pessoa em retornar e comprovação de vínculo familiar ou comunitário na cidade de destino.

Diante da gravidade dos fatos, a Defensoria Pública informa que irá acompanhar e apurar a situação, a fim de garantir que nenhum direito fundamental seja violado e que a atuação da assistência social em Florianópolis ocorra dentro dos princípios de dignidade, acolhimento e não discriminação que devem nortear as políticas públicas”.

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O que disse o MPSC

O vídeo chegou ao conhecimento do Ministério Público de Santa Catarina e será encaminhado às Promotorias de Justiça com atribuição na área da cidadania para ciência e adoção das providências que entenderem cabíveis“.

*Sob supervisão de Jean Laurindo