Com um modo simples de viver, o papa Francisco, que morreu aos 88 anos nesta segunda-feira (21), promoveu reformas para tornar a Igreja Católica mais transparente, e defendeu causas sociais e ambientais em um mundo cada vez mais polarizado.

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O arcebispo metropolitano de Florianópolis, Dom Wilson Tadeu Jönck, afirma que o papa Francisco defendia um mundo melhor, conforme os ensinamentos de Jesus, e era um homem “profundamente espiritual”.

— As ações do papa Francisco são identificadas muito com o social e político, mas o papa era um homem profundamente espiritual. Ele acreditava profundamente que era possível tornar o evangelho realidade — disse, em entrevista ao Bom Dia Santa Catarina.

Nos encontros que teve com o papa em Roma, e na visita de Francisco ao Rio de Janeiro, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em 2013, Dom Wilson afirma que ele sempre buscava deixar uma mensagem e um ensinamento, transmitindo o que acreditava. Para ele, Francisco deixa como legado a crença em um mundo melhor.

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— O mundo pode ser melhor, o relacionamento das pessoas pode ser melhor. Se vivermos no espírito do evangelho, esse mundo será melhor — afirma.

O também catarinense Dom Jaime Spengler, arcebispo metropolitano de Porto Alegre e presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), definiu o papa Francisco como um homem com uma “disposição extraordinária para escutar e acolher aqueles que o buscavam”.

— Um homem que marcou de forma própria não só a história da Igreja Católica, mas eu diria da sociedade como um todo — declarou.

Em entrevistar à TV Globo, Jaime Spengler disse que recebeu a notícia com consternação. Ele foi nomeado por Francisco arcebispo de Porto Alegre, em 2013, e cardeal, no fim do ano passado. Jaime também comentou sobre o legado de Francisco.

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— Primeiro, a disposição firme de acompanhar a realidade eclesial, no caso nosso, a realidade brasileira. Segundo, essa disposição extraordinária de ouvir. E terceiro, a capacidade, depois do período de escuta, de encontrar a palavra certo para a situação que se apresentava. Um homem com uma capacidade de discernimento toda prápria.

Pontificado do papa Francisco em quatro eixos

O professor de Sociologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e autor do livro “Para onde vai a Igreja Católica”, Carlos Eduardo Sell, pontua que o pontificado de Francisco pode ser organizado em quatro eixos principais.

O primeiro deles ocorre com a tentativa de reformar a Cúria Romana, com o objetivo de combater casos de corrupção e desvio de recursos no Vaticano. O segundo eixo buscou enfrentar os casos de abusos sexuais cometidos por membros da igreja, com mecanismos mais firmes para apurar e punir essas situações.

O terceiro eixo é a sinodalidade, o processo que busca combater o clericalismo, ou seja, a atitude do clero de exercer uma influência excessiva em assuntos não religiosos, ampliando a participação dos leigos na Igreja, em especial as mulheres.

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Ainda, Carlos Eduardo Sell destaca as mudanças na abordagem no plano moral feitas por papa Francisco ao longo do seu papado.

— No plano moral, Francisco não alterou a doutrina, mas promoveu uma abordagem pastoral mais acolhedora. Por isso, autorizou, sob certas condições, a recomunhão de divorciados recasados e permitiu bênçãos individuais para pessoas homossexuais — ainda que sem reconhecer a união como sacramento — afirma o sociólogo.

Veja fotos do papa Francisco

Carlos Eduardo detalha que que a Igreja tem como tradição de doutrina social orientar a seus membros que eles se posicionem sobre questões políticas e sociais, em um caminho inspirado nos princípios cristãos. Dessa forma, a figura do papa vai além dos católicos, e impacta a todos os que se interessam pela vida pública.

No campo político-social, o professor da UFSC destaca a publicação da encíclica Laudato Si’ pelo papa Francisco em maio de 2015. A carta aborda o cuidado com o meio ambiente e com as pessoas, assim como a relação entre Deus, os seres humanos e a Terra.

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— Talvez seu legado mais permanente esteja no campo político-social. A encíclica Laudato Si’ elevou a questão ecológica à condição de tema central da doutrina social da Igreja, colocando o cuidado com o planeta no coração da missão cristã. Essa é uma contribuição que dificilmente será revertida — afirma.

Papel do papa no mundo e o sucessor de Francisco

Carlos Eduardo Sell explica que para os católicos, o papa é considerado o sucessor de Pedro, líder dos doze apóstolos, e possui a missão de governar a Igreja universal. Ainda que o catolicismo tenha perdido espaço para o pentecostalismo, mais da metade da população ainda se declara católica.

A religião católica ainda ocupa um papel estrutural na cultura brasileira, o que faz com que a população tenha “ressonância” com a voz do papa, afirma. Os posicionamentos do líder religioso também fazem com que sua figura tenha impactos além do catolicismo.

— O catolicismo é a maior religião do mundo, com cerca de 1,2 bilhão de fiéis, e o papa é o símbolo mais visível e público dessa vertente do cristianismo. Por isso, é natural que sua voz repercuta até mesmo entre quem não é católico — afirma o sociólogo.

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Nos próximos dias, o funeral do papa Francisco deve ser organizado e realizado. A data deve ser divulgado nesta terça-feira (22) pelo Vaticano. Depois disso, cardeais do mundo todo se reúnem para o processo de escolha de um novo papa, no chamado conclave.

Um novo papa, escolhido através desse processo, deve trazer também novos posicionamentos e pensamentos que irão direcionar o rumo da Igreja Católica, com reflexos para a própria sociedade.

— Internamente, a principal questão é saber se as reformas promovidas por Francisco terão continuidade ou se serão freadas. Cerca de 80% dos cardeais que participarão do conclave foram nomeados por ele, e nunca a ala progressista da Igreja esteve tão próxima do comando. É natural, portanto, que esse grupo queira dar seguimento ao legado deixado — explica Carlos Eduardo.

Contudo, a Igreja vive um momento de divisão, o que pode levar à escolha de um nome mais moderado, aponta o sociólogo, que possa dialogar com diferentes frentes e reunir conservadores e progressistas. Porém, ele alega que a possibilidade de um papa fortemente conservador “parece improvável”.

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— Já no plano internacional, vivemos um momento de crise da globalização, com a ascensão da China, a guerra na Europa, o enfraquecimento do multilateralismo e o avanço de nacionalismos. Nesse cenário, espera-se que o novo papa dê continuidade à defesa da fraternidade social e da ecologia integral — marcas do pontificado de Francisco que se tornaram, de certo modo, parte do patrimônio da Igreja — diz.

CNBB disse que Francisco apontou para uma Igreja misericordiosa

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) destacou em mensagem nesta segunda-feira gestos e ações realizados durante o papado de Francisco que reforçaram suas mensagens para a Igreja e para a humanidade.

“Não só com palavras e documentos, ele apontou para uma Igreja em saída, misericordiosa, que cuida da criação, vive o amor na família e promove a fraternidade humana”, afirma a nota da CNBB.

A primeira viagem do seu pontificado foi à ilha de Lampedusa, no extremo sul da Itália, onde quis se aproximar dos migrantes que tentam atravessar o Mar Mediterrâneo. O gesto deu início a ações em prol dos migrantes.

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Já a primeira viagem apostólica do papa Francisco foi para a Jornada Mundial da Juventude, no Brasil. A vinda ao país foi marcada por momentos emocionantes, como o encontro com o menino Nathan de Brito, à época com 9 anos, que conseguiu furar o bloqueio e compartilhar com o Papa seu desejo de ser padre.

Em outubro de 2014, o papa se reuniu em um encontro com movimentos populares em Roma, onde indicou em um discurso os três Ts (terra, teto e trabalho), ponto central da ação desses grupos. Ele voltou a encontrar os movimentos em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia (2015).

Uma das imagens mais marcantes do pontificado do papa Francisco foi o momento em que ele promoveu a bênção Urbi et Orbi (Para a cidade e o mundo) na Praça de São Pedro vazia e debaixo de chuva nos primeiros meses da pandemia de Covid-19.

Francisco também sempre manteve sua vontade de construir pontes diante inúmeros conflitos que ocorrem no mundo, com Ucrânia, Palestina, Israel, Líbano, Mianmar, Sudão e Kivu do Norte sempre lembrados nas orações do Angelus, junto com um clamor pela paz.

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Ele fazia ligações diárias à paróquia Sagrada Família, em Gaza, onde dezenas de pessoas conseguiram abrigo para se protegerem dos ataques de Israel. As ligações continuaram mesmo depois do cessar fogo e da sua internação.

Ainda que frágil, durante o período em que passou internado no hospital Gemelli, em Roma, ele manteve sua rotina de orações e trabalhos. Ao retornar para a Casa Santa Marta, sua primeira aparição pública foi no Jubileu dos Enfermos e do Mundo da Saúde.

No dia 16 de abril, teve um encontro com a diretoria e funcionários do Policlínico Gemelli, momento em que agradeceu a atenção e a assistência recebidas. Na última quinta-feira, ele visitou uma prisão por ocasião do lava-pés, mantendo a tradição.

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