A empresa pivô da Operação Mensageiro ganhou espaço entre municípios de Santa Catarina após passar a gerenciar aterros sanitários e precisou sofisticar o suposto esquema de pagamento de propinas a partir de 2014. As informações constam em depoimentos de funcionários da empresa que embasam processos da investigação.

Continua depois da publicidade

Receba notícias de Santa Catarina pelo Whatsapp

O empresário dono da Serrana Engenharia, companhia pivô do suposto esquema de propina em contratos de coleta de lixo investigado, abriu a empresa em 1991, após trabalhar por 10 anos na prefeitura de Lages e ter sido gerente regional da Casan. No começo, os negócios não envolviam transporte de resíduos, mas eram predominantemente no ramo de serviços elétricos — área de experiência do fundador.

A trajetória da empresa é narrada no depoimento do dono da Serrana à Justiça e ao Ministério Público (MP), em vídeos que a reportagem da NSC teve acesso. O nome do empresário e de outros investigados não pode ser divulgado por conta de decisão judicial.

Operação Mensageiro apura pedido de dinheiro para evento em SC: “Pode ajudar com R$ 100 mil?”

Continua depois da publicidade

O primeiro contrato da empresa na área de coleta de lixo ocorreu em 1999. Nos anos seguintes, a companhia assumiu o serviço também em outros municípios, nas regiões Norte e Alto Vale do Itajaí.

Em 2004, a empresa venceu uma concorrência para recuperar uma área de aterro sanitário em Mafra, no Norte de SC. Como outras cidades da região não tinham aterros que atendessem às normas sanitárias — à época, depositavam resíduos em “lixões”, prática que passou a ser combatida pelos órgãos públicos e pela Justiça —, a empresa passou a vencer contratos em prefeituras que consideravam mais barato e ambientalmente correto pagar por quilo de lixo depositado no espaço da Serrana do que manter seus espaços.

O cenário levou a um crescimento expressivo da Serrana, que nos anos seguintes passou a incorporar outros aterros e também serviços de tratamento e distribuição de água em cidades de SC. Foi nesse momento que a empresa ganhou um tamanho maior e que, segundo o proprietário, os contratos da área de resíduos começaram a ter valores de propina negociados com prefeitos e agentes públicos.

— Com essa prática se percebeu que os contratos se mantinham mais em dia, porque era necessário para que se mantivesse essa atividade ilícita. Mantendo isso [o esquema de pagamentos ilegais], você teria contratos estáveis, pagamento em dia, reajuste em dia — conta o empresário.

Continua depois da publicidade

Prefeito investigado na Mensageiro teria ido a aterro sanitário para receber propina

Sofisticação do esquema de propinas

O esquema, no entanto, trouxe complicações na área contábil. Nos primeiros anos, o próprio dono e outras pessoas ligadas à diretoria descontavam cheques da empresa em agências bancárias para sacar dinheiro em espécie, que seria destinado às propinas pagas a agentes públicos. O esquema teria funcionado desta forma até 2013.

Naquele ano, o atual dono da Serrana comprou a parte da empresa pertencente a um antigo sócio, que deixou o negócio para atuar no aluguel de caminhões e equipamentos a empresas.

Sozinho no comando da empresa, o atual dono teria decidido organizar o esquema. Começou restringindo a quantidade de pessoas da empresa que sabiam dos pagamentos ilícitos para políticos. Metade das negociações com agentes públicos era feita pelo dono, e as demais, por diretores contratados por ele.

A orientação aos subordinados, no entanto, era negar de pronto qualquer pedido de propina de prefeitos ou agentes públicos. Após a recusa, no entanto, o pedido era levado para decisão do dono da empresa.

Continua depois da publicidade

— A gente avaliava, para que a oferta que fazíamos, se o pedido fosse uma coisa que não atrapalhasse nosso contrato, a gente não dava. Quando podia atrapalhar, a gente pagava — explicou o dono da empresa em depoimento aos investigadores.

Foi nessa época que surgiu o esquema para a obtenção do dinheiro usado para pagar propina aos prefeitos e secretários de cidades de SC. A empresa montou uma dinâmica de obter notas fiscais falsas junto a empresas como oficinas, postos de combustíveis e companhias de terraplanagem, que eram fornecedoras da Serrana. Duas pessoas foram contratadas de forma informal pela empresa apenas para fazer esses serviços.

Às empresas que emitiam as notas falsas, os aliados da Serrana diziam que a manobra seria para reduzir o imposto a pagar. Os fornecedores ganhavam o pagamento dos impostos referentes ao suposto serviço prestado e mais um percentual variável em cima do valor da nota emitida. Em troca, precisava devolver o dinheiro referente à nota em espécie para o intermediário contratado pela Serrana.

— Tudo organizado para que não excedesse [a média realmente utilizada pela empresa em cada serviço]. Buscava-se majorar um tanto para que ficasse um pouco mascarado — explicou o dono em depoimento.

Continua depois da publicidade

Peças, verificar área e “MD”: os códigos descobertos na Operação Mensageiro para disfarçar suposta entrega de propinas

Contratação de “mensageiro”

O passo seguinte foi contratar um ex-funcionário da empresa para trabalhar como “mensageiro”, entregando as propinas para prefeitos e secretários em cidades de SC. Para não precisar ir todo mês aos municípios, os valores mensais combinados com os políticos eram pagos de forma acumulada, em viagens feitas a cada três ou quatro meses.

Toda a manobra seria para evitar que a prática ilícita da empresa de pagamento de propina se espalhasse entre funcionários. Segundo o dono da empresa, além de aumentar o risco de o caso ser descoberto, o esquema criminoso geraria rejeição entre alguns colaboradores.

— Os mais novos já estão mais repulsivos a essas coisas, entre os engenheiros recém-formados, esse pessoal, aumentou muito a repulsa sobre isso — afirma.

Continua depois da publicidade

O esquema mais recente perdurou de 2014 até dezembro de 2022, quando foi deflagrada a primeira fase da Operação Mensageiro. Entre os réus presos pela operação estão responsáveis por essas etapas do escândalo do lixo. Em seu site, a empresa Serrana afirma possuir mais de 900 colaboradores e atender mais 140 municípios nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país.

A empresa é comandada por um grupo que envolve cinco operações diferentes. A companhia foi fundada em 1991, em Lages, mas se mudou para Joinville em 1998. Entre os serviços prestados estão fornecimento de água, tratamento de esgoto, engenharia ambiental e engenharia elétrica. Em abril deste ano, já após a Operação Mensageiro, a empresa mudou de nome para Versa Engenharia Ambiental.

Destaques do NSC Total