Donald Trump tem tomado uma série de decisões controversas. Foram taxações, imposições, mas gostaria de me ater aqui ao tema mais delicado que a economia: a nossa saúde, especialmente em relação à vacinação e à ciência médica. A demissão de Rochelle Walensky, diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), combinada com as ações do secretário de Saúde Robert F. Kennedy Jr., um notório ativista antivacinas, marca um passo preocupante para os esforços de controle de doenças imunopreveníveis. Estamos vendo um retrocesso em um campo que levou décadas para alcançar sucessos inegáveis: a erradicação e o controle de doenças através da vacinação.

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O grande problema do governo de Trump é que ele coloca a ideologia acima dos dados. A gestão deste governo em questão, desde o início, promove uma política de desmantelamento da confiança nas instituições científicas. Sob o pretexto de “liberdade individual”, vimos uma proliferação de movimentos antivacinas ganhando legitimidade e espaço nas discussões políticas. É aí que me pergunto: qual é o grau de instrução de um político para dar alguma opinião em saúde? Qual a base que fundamenta afirmar que liberdade significa não fazer o mínimo, que é me prevenir? O secretário Kennedy Jr., conhecido por sua postura histórica contra imunizantes, deixa claro e sua fala e postura que a ciência médica está sendo ofuscada por ideologia e teorias da conspiração, e o pior: tem milhares de pessoas que estão comprando esta ideia sem fundamento.

Aqui no Brasil, meus caros, outros milhares já caíram nesta ideia estapafúrdia.

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Rochelle Walensky, conhecida por seu trabalho na resposta à Covid-19, foi forçada a deixar o comando do CDC. Sua demissão foi amplamente interpretada como uma tentativa de eliminar vozes pró-ciência dentro do governo. Kennedy Jr., ao promover teorias infundadas sobre os “riscos” das vacinas, está de forma direta sabotando décadas de avanços da saúde pública.

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O CDC é a espinha dorsal das políticas de saúde do país, e seu enfraquecimento pode ter implicações globais. As ações recentes do governo Trump sugerem não apenas falta de comprometimento com a ciência, mas uma oposição deliberada às bases da saúde pública.

E o impacto já está sendo visto. Entre 2020 e 2025, os EUA enfrentaram surtos de sarampo, coqueluche e caxumba, doenças já consideradas praticamente erradicadas no país. Dados recentes mostram que os casos de sarampo registrados em 2024 chegaram a níveis não vistos desde os anos 1990, com surtos em estados como Ohio e Califórnia. Os casos de coqueluche aumentaram 35% nos últimos 3 anos nos EUA e, por lá, surtos de caxumba está acontecendo entre adolescentes não vacinados. Estes números são um reflexo direto da queda alarmante nas taxas de imunização, impulsionada por políticas de desinformação e cortes de programas de vacinação federais.

Os Estados Unidos, historicamente, lideraram campanhas de vacinação globais e serviram como exemplo no combate a surtos e pandemias. No entanto, com as taxas de imunização caindo, o país está exportando insegurança sanitária para o mundo.

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Doenças como poliomielite controlada em grande parte graças a esforços globais liderados por americanos, podem voltar a ser ameaças reais em diversos países. Isto só reforça uma verdade inegável: quando uma potência negligencia a ciência, as consequências transcendem suas fronteiras.

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É impossível discutir esse cenário sem levantar uma questão inquietante: a quem interessa o enfraquecimento da ciência médica? A crescente politização da saúde pública, combinada com interesses econômicos em tratamentos caros para doenças preveníveis, está jogando contra vidas humanas. Será que estamos diante de um governo que prioriza discursos populistas e lucro acima da saúde das próximas gerações?

Estudos internacionais continuam a reafirmar o papel crítico das vacinas. Enquanto os EUA retrocedem, países como Canadá, Japão e Brasil, apesar de seus problemas internos, continuam promovendo a vacinação como prioridade nacional e oferecendo campanhas massivas de conscientização. Em contramão, ao que parece, os americanos estão sendo guiados para uma “era sombria” de desinformação e consequências evitáveis.

As ações recentes do governo Trump sugerem não apenas falta de comprometimento com a ciência, mas uma oposição deliberada às bases da saúde pública. Isto precisa ser parado.

Imediatamente.

Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.

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