O voto do ministro Luiz Fux no julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe surpreendeu por defender a incompetência da Suprema Corte para julgar os investigados e pedir a anulação de todo o processo. O posicionamento repercutiu entre advogados e despertou novas possibilidades para o desfecho do caso na Justiça.
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Apesar de ser defendido no voto de Fux, a anulação do julgamento no STF só poderia ocorrer se o posicionamento do ministro receber também o apoio dos últimos dois ministros a votar: Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, presidente da Primeira Turma. Os dois devem votar na sessão prevista para esta quinta-feira (11).
Atualmente, o julgamento tem placar de 2 votos a 1 pela competência do STF para julgar Bolsonaro, e 2 votos a 1 pela condenação dos réus — somente Mauro Cid e Walter Braga Netto já tiveram maioria por condenação no crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, com o voto de Fux, que defendeu a absolvição dos demais réus.
Os dois primeiros votos contra Bolsonaro foram dados na terça-feira, pelo relator Alexandre de Moraes e pelo ministro Flávio Dino. Mesmo assim, o voto de Fux despertou novos debates sobre a situação do ex-presidente e possíveis impactos dos argumentos dele na defesa dos réus.
A denúncia contra Bolsonaro e o núcleo crucial da trama golpista foi aceita em março deste ano. Na época, a competência do STF já era questionada pela defesa dos réus, mas a acusação foi aceita. O principal argumento era o fato de que os atos de 8 de janeiro, que faziam parte da denúncia, e ataques à Constituição e ao próprio Supremo justificavam o caso ser analisado no STF. Esse foi, por exemplo, o motivo que fez os participantes dos ataques de 8 de janeiro, que também não têm prerrogativa de foro, serem julgados no STF.
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Veja fotos do julgamento de Bolsonaro
Também em março, o Supremo concluiu um julgamento que mudou o entendimento do foro privilegiado. Na ocasião, os ministros decidiram que autoridades que deixaram o cargo deveriam continuar sendo processados na Suprema Corte se os crimes investigados tiverem sido cometidos durante o exercício da função. Em 2018, o mesmo STF havia restringido o alcance do foro definindo que ao fim do mandato, os processos deveriam ir para a primeira instância.
O advogado e professor de Direito Constitucional Leonardo Bruno Pereira de Moraes explica que o voto de Fux defendeu que o STF não seria o órgão competente para julgar o caso em razão do término dos mandatos e da saída dos cargos pelos réus.
— Por serem fatos que começaram durante o mandato, de acordo com a jurisprudência atual, de fato, o processo deveria ser julgado no Supremo. Qual ponto o ministro Fux trouxe hoje e surpreendeu bastante gente? Ele diz que quando começou o processo, a jurisprudência não era essa, e que [por isso] o início do processo está viciado, ele tem o que a gente chama de incompetência absoluta — avalia.
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O advogado afirma que o voto surpreendeu por acolher um argumento da defesa que não vinha sendo acatado.
— É um ponto que tem sido criticado por juristas, mas que não tinha encontrado muita tração, não havia ninguém que tinha ido adiante nessas teses — avalia.
O advogado Salesiano Durigon, especialista em Direito Constitucional, afirma que o argumento de Fux foi contrário à própria posição dele no recebimento da denúncia e defende que a tese não se aplica a esse caso. Ele cita a atual jurisprudência do Supremo, que buscou evitar idas e vindas de decisões em caso de processos que eram enviados à primeira instância em caso de fim de mandatos.
— A denúncia envolve o núcleo central da articulação do golpe, diretamente conectado a autoridades que detinham foro à época dos fatos. O entendimento jurisprudencial consolidado da própria Corte é no sentido de que a conexão com agentes detentores de prerrogativa atrai e mantém a competência do Supremo, exatamente para preservar a unidade processual e evitar decisões contraditórias em diferentes instâncias.
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Análise do caso pelo plenário
Outro ponto defendido por Fux é o fato de que, caso o processo seja mantido no STF, por conta da jurisprudência atual, Bolsonaro e os demais réus deveriam ser julgados no plenário, onde votam os 11 ministros, e não na Primeira Turma, que reúne apenas cinco magistrados. Segundo o advogado, historicamente o Supremo tem reconhecido que a prerrogativa de foro de presidente da República seria no plenário, e não nas turmas.
Margem para recursos e efeitos políticos
A anulação do julgamento dependeria de o posicionamento de Luiz Fux conquistar a maioria dos votos na Primeira Turma, mas mesmo assim o voto do ministro produz efeitos práticos para as defesas e a sequência do julgamento. O mais imediato deles é abrir margem para uma discussão de possíveis embargos, que poderiam questionar a decisão e pedir uma votação em plenário. O assunto ainda é passível de discussão, porque o questionamento envolveria dois votos divergentes e no mérito das acusações, mas seria um caminho possível a ser explorado pela defesa de Bolsonaro e dos demais réus em caso de condenação.
— O voto altera bastante o cenário de julgamento, coloca luz sobre alguns argumentos da defesa que não haviam sido acolhidos e, em alguma medida, surpreende ao retomar o debate sobre competência, que é um tema que já não se esperava ser rediscutido. Além disso, causa impacto positivo para a defesa de modo geral, ainda que não trate do mérito em si, porque aponta uma série de questões processuais, violações, que ainda que não encontrem respaldo no voto dos outros ministros, pode ser um motivo, assim como foi com o presidente Lula, anos depois, a justificar uma eventual anulação do julgamento, ainda que não de forma imediata — pontua.
Além disso, também pode ter reflexos no campo político e no argumento dos apoiadores bolsonaristas.
— Levanta-se uma questão que certamente funciona do ponto de vista político, de manter a narrativa de que houve excessos do Supremo Tribunal Federal, e que existe em alguma medida essa fuga da normalidade desse julgamento. Inclusive juridicamente pode dar margem a um recurso ao plenário, a uma reanálise da competência e, mesmo depois do término do processo, pode julgar um habeas corpus, uma revisão dessas decisões — pontua.
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O advogado Salesiano Durigon defende que a formação de maioria já é suficiente para dar validade a uma decisão judicial, mas que mesmo assim o voto de Fux tem um peso.
— Ainda assim, o voto vencido não é irrelevante: ele pode fundamentar recursos, embargos ou pedidos de reapreciação, além de enriquecer o debate jurídico e servir de referência para futuros julgamentos. Assim, eventual condenação permanece absolutamente válida e legítima, ainda que não tenha sido unânime.
Possível anulação não deixaria caso sem punição
Embora a anulação do processo somente possa ocorrer caso o voto de Fux receba o apoio dos votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin, uma eventual anulação do julgamento do ex-presidente no STF não significaria que os réus não vão responder pelos atos. Os fatos, no entanto, precisariam ser analisados e julgados em 1ª instância. Nesses casos, a Justiça impede que os elementos do processo como provas e depoimentos colhidos por um órgão considerado incompetente para analisar o caso, sejam reaproveitados em outra instância. Em outras palavras, significa que um novo processo contra os réus começaria do zero.
A situação é semelhante à enfrentada pelo atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando teve as condenações anuladas pelo STF por declaração de incompetência da Vara Federal de Curitiba, que julgou o então ex-presidente no caso do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia. O juízo comandado por Sergio Moro analisou o caso pela suposta relação dos recursos com dinheiro desviado da Petrobras na Lava-Jato, mas o argumento motivou a anulação das sentenças anos mais tarde. Nesse caso, o agora presidente teve o caso remetido à primeira instância da Justiça Federal no Distrito Federal. No entanto, nesse episódio, o Ministério Público Federal considerou que o prazo para punição dos envolvidos prescreveu e decidiu pedir o arquivamento do caso.
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