Uma das polêmicas dos últimos meses é se o governo de Santa Catarina deveria ou não elevar a alíquota modal (geral) do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) de 17% para 20,7% visando compensar perdas mensais de R$ 300 milhões devido à redução de 25% para 17% das alíquotas do imposto para combustíveis, energia e teles.
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Para o secretário da Fazenda, Paulo Eli, que encerra neste sábado ciclo de cinco anos à frente da pasta, quatro deles na gestão do governador Carlos Moisés, o caminho é cortar benefícios fiscais e cita os casos dos cortes nobres de carne bovina picanha e filé-mignon, que são isentos, enquanto medicamentos pagam 17%.
Em entrevista para a coluna, ele disse também que o governo catarinense concede cerca de R$ 20 bilhões em benefícios fiscais por ano, entre os quais está a isenção para esses dois tipos de carne. O secretário estima que dá para cortar de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões desses benefícios, sem afetar a atividade econômica.
Esse é o conselho dele para o próximo governo e também para o próximo parlamento estadual. Paulo Eli tem afirmado que cerca de 10 mil empresas em SC não recolhem ICMS.
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Ainda segundo o secretário da Fazenda, o Estado fechará o ano com as contas em dia e a arrecadação de ICMS chegará a R$ 34,5 bilhões em 2022, alta de 18,5% frente a 2021. Também neste último ano da gestão, os investimentos do governo chegarão perto de R$ 5 bilhões. Mais informações na entrevista à seguir.
Como vão fechar as contas do Estado neste ano de 2022?
– A gente vai deixar o Estado redondo, com o orçamento e a despesa equilibrados e com os fornecedores em dia. Fornecedores, folha, dívida, estão todos em dia. Tem os processamentos normais porque a máquina não para, mas está tudo em dia.
Nos anos de 2020 e 2021 o Estado encerrou os exercícios com sobras bilionárias. Este ano de 2022 também vai encerrar assim?
– Não! No ano passado nós acumulamos recursos porque não tínhamos projetos prontos. Neste ano, estamos investindo quase R$ 5 bilhões. Vamos fechar entre R$ 4 bilhões e R$ 5 bilhões quando fecharmos a contabilidade anual. Isso porque nós pegamos esse superávit orçamentário e fizemos investimentos porque os projetos só ficaram prontos agora.
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Em que áreas foram feitos esses investimentos?
– Em obras estaduais, em saúde, educação, segurança, infraestrutura, obras municipais e obras federais. Nas obras federais incluímos recursos destinados pelo Estado. Nesses investimentos estão somente despesas de capital. Não estão incluídos custeios, como pagamento de salários, de serviços de saúde e materiais de expediente, por exemplo.
Foi feita uma estimativa de alíquota modal para que SC compense as perdas da redução do ICMS de combustíveis, energia e teles. Por que o governo não adotou essa alíquota modal?
– O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que reúne os secretários de Fazenda dos Estados, sugeriu que cada estado fizesse um estudo para ver de quanto teria que ser a alíquota modal para compensar a perda com a redução da alíquota de ICMS de 25% para 17%. Aqui em Santa Catarina, para compensar, não fazer mais nada, a alíquota de seria 20,7%. O estado do Paraná aumentou para 19%, tem estado que aumentou para 21%. Tem estado que elevou para 22% e outro, para 20%.
É uma celeuma grande. Mas Santa Catarina é contra a elevação da alíquota modal, a atual gestão é contra porque o lucro da sonegação é muito mais elevado quanto maior é a alíquota. Nós passamos nesses cinco anos de gestão minha na Secretaria da Fazenda fazendo o diagnóstico, levantamento, mapeamento e quantificação dos benefícios fiscais e a consequente renúncia fiscal.
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Aí, identificamos que um terço da nossa renúncia fiscal é um excesso. Por que? Picanha e filé-mignon têm alíquota de ICMS de 12%, mas são isentos porque o Estado dá benefício fiscal de 12%. Agora, os remédios, em Santa Catarina têm alíquota de ICMS de 17%. Paraná elevou de 18% para 19%. Então, o remédio de SC teria que aumentar. Você aumenta o remédio, mas a picanha continua não pagando ICMS porque tem benefício fiscal.
Então, aumentar a alíquota modal é uma ação burra, é uma ação de burrice porque aumenta o lucro da sonegação e prejudica as pessoas que já pagam tributos corretamente.
A ação correta de fazer em Santa Catarina é como a secretaria passou esse tempo todo em fazer a metodologia, quantificação dos benefícios fiscais e sua consequente renúncia, para fazer justiça fiscal tem que cobrar ICMS de itens e setores que não pagam o imposto ao invés de aumentar dos que pagam.
Por isso que a gente acha que é uma conta burra aumentar a alíquota modal. A gente é favorável que se mexa em benefício fiscal que não implique em alocação de investimentos, mas aqueles de varejo. Não tem sentido picanha e cerveja ter benefício fiscal.
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É mais fácil aumentar a alíquota modal se você tem maioria na Assembleia. Mas só que, no caso de benefício fiscal, é injusto pessoas e empresas não pagarem ICMS e continuarem não pagando enquanto você vai aumentar alíquota modal de quem já paga em demasia. Essa é a posição da atual gestão.
Por que a picanha, em SC, tem alíquota mais baixa que remédio e não paga?
Porque benefício fiscal tem proteção política. É resultado de grupos de interesse. Quem é mais forte politicamente não paga imposto. Quem é mais fraco politicamente paga.
Numa recente entrevista, o senhor disse que Santa Catarina precisava cobrar ICMS de empresa que não pagava. Como isso acontece?
– Temos 10 mil empresas que não pagam ICMS porque, simplesmente, no caso da picanha e filé-mignon o Estado anula o imposto a pagar via benefício fiscal. Então é uma gangorra. Se alíquota de 25% caiu para 17% e nós temos carga zero aí você faz o equilíbrio, cobra de quem não paga embora seja mais trabalhoso e dê mais embate político.
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Esse pessoal que não paga imposto é mais articulado politicamente, têm muito dinheiro para continuar não pagando. Eles pagam consultorias tributárias, consultorias de mídia e de parlamentares importantes. Com isso, continuam não pagando ICMS.
Produtos consumidos por pessoas fracas politicamente acabam aumentando de 17% para 19%. Então, é mais fácil fazer aquele movimento que fizemos em 2019. A gente mexeu na gangorra e a nossa arrecadação subiu muito depois disso. Então, a gente não precisa elevar alíquota, o que favorece o lucro do sonegador.
Então, a solução é uma revisão tributária para reduzir benefícios?
– Sim. Dos R$ 20 bilhões que temos de renúncia fiscal, em torno de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões são fáceis de tirar porque incidem sobre pessoas que não pagam. Isso significa que Santa Catarina não precisa elevar a alíquota modal.
Essa redução de benefício não significa aumento de imposto. Tem setores que não pagam nada e que podem pagar um pouco para compensar os setores que pagam em demasia. Isso é justiça fiscal. É cobrar de quem não paga e reduzir de quem já paga em demasia.
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O senhor tem ideia de quanto aumentou a arrecadação com aquele movimento que vocês fizeram em 2019 para reduzir benefícios fiscais?
– Em 2018 nós arrecadamos em ICMS R$ 20,6 bilhões. Em 2019 a gente já fez um movimento e pulou para R$ 23,3 bilhões; na pandemia, em 2020, ficou em R$ 23,9 bilhões, mantivemos a arrecadação, só perdemos a inflação.
Em 2021, saltou para R$ 29,1 bilhões e ainda deixamos R$ 1,5 bilhão para 2022. Este ano, vamos fechar com R$ 34,5 bilhões. Aquele movimento que fizemos envolvendo benefícios fiscais, com mudança na substituição tributária, redução da alíquota tributária de 17% para 12% para a indústria, mexemos com benefícios fiscais, isso permitiu elevar a arrecadação para R$ 34,5 bilhões.
O desafio da nova gestão é manter R$ 34,5 bilhões por ano. Projetamos para 2023 uma arrecadação de R$ 37,5 bilhões. Mas se não fizer isso, não chega a R$ 40 bilhões em 2024, não faz R$ 45 bilhões em 2025 e R$ 50 bilhões em 2026. É uma escada.
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Uma pergunta recorrente, secretário, é porque não estamos copiando os outros estados na mudança de alíquota de ICMS?
– Não somos “Maria vai com as outras”. O Rio Grande do Sul está no mesmo movimento que a gente. Não aumentou alíquota. Está na hora de tributar a picanha. Por que aumentar o ICMS das pessoas de 17% para 20% se picanha não paga ICMS. Precisamos fazer justiça fiscal.
Para aumentar a arrecadação, é preciso ter equipe para fiscalizar e mudar a legislação. A Fazenda tem equipe para fiscalizar?
– Sim! Nós fizemos a admissão de 150 fiscais e de 150 analistas. Hoje, temos capacidade operacional. A gente está deixando de arrecadar R$ 300 milhões por mês, mas a arrecadação não está caindo.
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Deixar de arrecadar e a arrecadação não cai porque outros setores estão compensando. Temos apenas a perda inflacionária. Mas em 2024 isso já se resolve porque a nossa receita cresceu demais em 2020, 2021 e 2022.
O desafio da nova gestão é manter a arrecadação nesse patamar, com geração de emprego e crescimento econômico.
Na sua avaliação, a economia catarinense vai continuar crescendo nos próximos anos?
– Estamos com muitos projetos de investimentos (privados) em andamento. Isso vai depender da ação do secretário aqui. Você tem que estar aberto para escutar, para ceder. Então, estamos trazendo muitas empresas para Santa Catarina e esse é um movimento contínuo.
Essas empresas têm vindo porque fizemos esse movimento de consolidação de benefícios fiscais. Isso a gente não mexe. E o Estado tem cinco portos. Não é de graça que o pessoal vem para cá. Temos infraestrutura também.
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Como atua a Invest SC, agência que tem a função de atrair investimentos ao Estado?
– Quando a empresa decide se instalar no Estado, a Invest SC ajuda procurar o local, as melhores cidades para investir. Mas todos vêm falar com a Fazenda.
O senhor sinalizou que, para compensar toda perda de receita com a redução de ICMS é preciso cortar benefícios. Mudanças assim entram em vigor no mesmo ano?
– Para retirar renúncia fiscal é preciso o princípio da noventena e da anualidade. Esse movimento teria que ser feito no primeiro semestre do ano que vem, para já entrar na lei orçamentária. Essas previsões devem fazer parte da proposta orçamentária de 2024. É o movimento que faríamos se tivéssemos tido a reeleição.
Qual é a sua expectativa para a arrecadação de ICMS do Estado no ano que vem?
– Deverá ficar estabilizada. Vai ter crescimento nominal e não real. O desafio da próxima gestão é manter a receita no topo. Não deixar cair porque ela cresceu demais nos anos de 2020, 2021 e 2022.
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Nesses três anos, a arrecadação cresceu 44%. Alcançamos isso mexendo em benefícios fiscais e trazendo empresas para se instalarem no Estado. O ambiente de negócios em Santa Catarina melhorou depois que fizemos uma série de mudanças.
Será possível manter investimentos já encaminhados pelo governo de Carlos Moisés, como o Plano 1000?
Sim. Estão na Lei Orçamentária Anual (LOA), que está equilibrada. A decisão de manter é do próximo governador, mas está no orçamento.
Uma das promessas do novo governo é fazer cirurgias eletivas. Terá recursos para isso?
Serão R$ 604 milhões. Também está na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LOA). Toda política hospitalar é para cirurgias eletivas.
Um dos estudos feitos na sua gestão foi um planejamento para o Estado seguir investindo nos próximos 20 anos. Como é possível alcançar isso?
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– É só manter a folha de pagamento do Estado em torno de 40% da Receita Líquida Disponível (RLD) e manter a poupança corrente em termos de 75%. Assim, o Estado poderá ter R$ 4 bilhões por ano de recursos próprios para investir e tomar emprestado cerca de R$ 1 bilhão, o que soma R$ 5 bilhões.
Se for aprovada a reforma tributária, essa situação do Estado, com benefícios fiscais, vai continuar?
Santa Catarina é o estado que mais perde com a reforma tributária. Para SC é melhor não fazer. Isso porque os R$ 20 bilhões que o Estado tem de renúncia fiscal somem. Isso vai para os preços e vai tirar a competitividade de muitos setores nossos. Entre os setores que perderão competitividade estão o têxtil, de proteína animal, metalmecânico e madeireiro. E as importações também não precisarão mais entrar por SC porque não terão mais benefícios.
Em quanto tempo a reforma tributária seria implantada?
A previsão é de que seja gradativamente, em 10 anos. Num período assim, muda muita coisa. Se a reforma for aprovada no ano que vem, será preciso aprovar leis, depois os estados terão que aumentar. Isso vai demorar quatro anos. Não deverá impactar na próxima gestão.
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Como o senhor se sente ao encerrar ciclo de cinco anos à frente da Fazenda de SC?
– Me sinto com dever cumprido. Já fui secretário de Planejamento e, agora, secretário da Fazenda. Antes, fui adjunto da Fazenda por várias vezes. Vou seguir trabalhando como auditor fiscal da Fazenda por mais três anos, na gerência regional da pasta, em Florianópolis.
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