Nem Blumenau e nem a Havan têm a ganhar com a intervenção projetada pela rede de lojas para o Centro Histórico. A proposta é um equívoco do ponto de vista da conservação da memória dos imigrantes alemães e também do desenvolvimento econômico. Indicativos disso restaram evidentes nos método adotados para aprová-la no Conselho do Patrimônio Cultural Edificado (Cope), quarta-feira (28).
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Nenhum dos 12 votos favoráveis à construção de um galpão de paredes lisas e fachada que se propõe réplica da Casa Branca em meio ao mais representativo conjunto de edificações da Blumenau Colônia veio acompanhado de argumentação. Uma maioria silenciosa formou-se, sonegando da comunidade razões para confiar que o empreendimento, da forma como está desenhado, é bom para o patrimônio cultural edificado. Mesmo os representantes da construção civil (Sinduscon) e da habitação (Secovi), que se manifestaram na reunião, trataram mais da necessidade de adaptações arquitetônicas do que defender o que estava posto.
O governo municipal agiu deliberadamente pela aprovação da loja, mas não explicou o porquê. Primeiro, ainda em maio, o secretário de Planejamento, Éder Boron, conseguiu evitar que o projeto fosse votado — e recusado — em nome de uma oportunidade de reformulação pela Havan.
Em junho, a prefeitura nomeou para o Cope o secretário de Desenvolvimento Econômico, Sylvio Zimmermann, que acumula a pasta da Cultura desde a demissão de Rodrigo Ramos. Na reunião desta quarta, Zimmermann ocupou o lugar da suplente, Sueli Petry, diretora do Arquivo Histórico que, na reunião de maio havia feito a mais enfática contestação ao projeto da Havan.
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No dia 20 de julho, portaria assinada pelo prefeito Mário Hildebrandt modificou dois suplentes indicados ao conselho pela Secretaria de Planejamento. Por coincidência, as titulares dessas duas cadeiras faltaram à reunião de quarta, cedendo os votos aos recém-nomeados. Por último, todos os oito servidores ligados à prefeitura votaram a favor da Havan, inclusive quem haviam criticado o projeto na primeira reunião. E não houve a prometida reformulação.
Sem a palavra dos favoráveis, ressoaram na reunião as críticas do Instituto Histórico de Blumenau (IHB), do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Furb. Elas tiveram o suporte de dezenas de cidadãos que participaram do debate. Mas a voz majoritária não se traduziu em voto.
Buraco
Outro indício de que a loja padrão da Havan no Centro Histórico será mau negócio para todos veio da fala do ex-prefeito e membro do Conselho de Administração da empresa Félix Theiss. Ele revelou que o terreno na Rua das Palmeiras foi o 12º procurado pela rede, lembrou que está à venda há 15 anos e chamou a área pejorativamente de “buraco”, em alusão ao risco de enchentes. Citou o abandono de imóveis do Centro Histórico para ilustrar a desvalorização da região.
Longe de ser a área desejada pela rede, o terreno do antigo estádio do BEC é o que sobrou. Esse contexto facilita a compreensão de como a Havan (não) enxerga a interferência na zona histórica. A proximidade com uma alameda belíssima e sítios de memória relevantes é estorvo, e não vantagem. Fosse tudo concreto ou mato, tanto faria.
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Logo a Havan, que devolveu a Blumenau o seu Castelinho, associando a marca da rede a um dos pontos mais fotografados da cidade. À época, a reforma conservou até detalhes do subsolo, mesmo o prédio não sendo tombado. Uma relação bem-sucedida entre patrimônio cultural e economia. Por que não fomentar outra?
A nova loja da Havan como foi proposta consolida a desvalorização do Centro Histórico apontada pela empresa. Instala na outra ponta da Rua das Palmeiras uma construção tão invasiva quanto o Edifício América — equívoco imperdoável com o qual gerações têm de conviver. Oferece uma parede de concreto aos pedestres e estacionamento aos carros. Reconhece as vias do entorno como meras passagens de veículos, ofuscando as casas históricas vizinhas.
O mesmo município que reformula o Museu da Cerveja e planeja uma praça atrás da prefeitura antiga, que mantém quatro museus, biblioteca e Arquivo Histórico nas redondezas, que se orgulha dos vestígios de Hermann Blumenau deixados nas palmeiras e nas casas enxaimel, agora trabalha por um projeto conflitante com a ideia de um Circuito Histórico de Turismo. E o faz sem dar explicações à população.
Mais do que possível, é preciso gerar empregos respeitando a cultura e as tradições. Ainda é tempo.
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