A repercussão negativa do vazamento de um estudo que recomenda que a tarifa de ônibus de Blumenau deveria ser de R$ 6,27, bem acima dos atuais R$ 4,30, é mais um capítulo do conturbado vínculo que a cidade tem mantido com o transporte coletivo na história recente. 

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Nos últimos anos essa relação foi marcada por uma série de traumas, que passam pelo rompimento do antigo Consórcio Siga – para os que querem refrescar a memória, sugiro a leitura do Dossiê Glória, produzido pela reportagem do Santa em 2015 –, uma operação emergencial contratada às pressas e toda a burocracia envolvendo a concessão de um serviço do qual milhares de pessoas dependem todos os dias. 

Quando as coisas enfim pareciam entrar nos trilhos, veio a pandemia do novo coronavírus para bagunçar tudo outra vez.

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O valor desembolsado por quem cruza a catraca, reavivado pelo parecer técnico da agência reguladora (Agir), costuma monopolizar um debate que por força do hábito se tornou superficial. 

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A prefeitura tratou de botar panos quentes na polêmica ao rechaçar um reajuste que é política e financeiramente impraticável e anunciar um aumento menos pesado no bolso do passageiro, para R$ 4,50. É uma medida paliativa para uma questão muito mais complexa. 

A essa altura do campeonato, não é mais aceitável que o debate – lembre como o assunto foi tratado nas eleições municipais – se resuma apenas a preço da passagem ou à ampliação de linhas e horários de ônibus, como se o simples aumento da oferta, ignorando a realidade dos aplicativos de transporte e outras alternativas de mobilidade, representasse uma solução mágica para atrair mais usuários, reduzir a tarifa e garantir que o sistema se pague.

Em agosto do ano passado, escrevi aqui neste espaço que o transporte coletivo de Blumenau estava novamente em xeque após quatro anos. 

Os efeitos provocados pela crise do coronavírus sobre o sistema, como a queda expressiva do número de passageiros e a redução da frota de ônibus, já eram nítidos naquela época. 

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Faz tempo, portanto, que as condições impostas apontam a necessidade de uma transição de modelo que garanta a sustentabilidade da operação, que mais uma vez se vê diante de um colapso iminente.

Prevista em contrato para acontecer a cada três anos, a revisão tarifárica periódica (RTP), que culminou com a sugestão de tarifa a R$ 6,27 como forma de garantir o equilíbrio financeiro do sistema, tem justamente o papel de fornecer subsídios para essa transformação. 

Leve-se em consideração, e isso não pode ser desprezado, que ela atrasou em função da pandemia. As incertezas geradas pela crise, em um cenário em que tudo muda rapidamente, dificultaram projeções futuras de oferta e demanda de passageiros. Mas agora há pelo menos um norte a ser seguido.

> Taxistas de Blumenau desistem do serviço em meio ao crescimento de aplicativos

O parecer da Agir indica possíveis caminhos na busca pela racionalização financeira, que mais do que nunca precisarão de um olhar atento da sociedade – escolas, empresas, comércio, trabalhadores, todos são impactados se o transporte coletivo vai mal. Um deles é a possibilidade de aproveitar parte da frota ociosa para atender o transporte escolar e o fretamento privado de empresas. 

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Outros provocam mais polêmica por serem impopulares. A lista inclui a revisão de gratuidades e a extinção de cobradores dentro dos ônibus, por exemplo. E cita até mesmo que estudantes matriculados em escolas particulares seriam usuários privilegiados, sugerindo que eles não deveriam pagar meia tarifa.

O que fica claro a partir do documento, com demanda de passageiros ainda reduzida e falta de perspectiva de que o serviço retome o mesmo patamar de antes da crise mesmo após uma imunização coletiva, é de que o atual modelo é insustentável. 

Parece ser cada vez mais inevitável que o poder público tenha de buscar novas fontes de financiamento ou até mesmo subsídios para o sistema, embora a Blumob já tenha benefícios como isenção de ISS, menos custos operacionais – ônibus sem ar-condicionado e estações de pré-embarque, por exemplo – do que o antigo Consórcio Siga e esteja recebendo, fruto de decisão judicial, aportes mensais milionários do município para bancar salários dos trabalhadores. 

Neste ponto, a Agir, no parecer, chega a recomendar a criação de um fundo para manter a tarifa atrativa ao usuário, que poderia ser abastecido com receitas junto ao transporte de fretamento privado, IPVA ou multas de trânsito.

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A conta que precisa ser fechada, ao final, diz respeito à taxa interna de retorno da Blumob, prevista no edital de concessão em 9,6%. 

O índice equivale à rentabilidade do negócio para o prestador do serviço. Concorde-se ou não com ele, trata-se de um direito da empresa estabelecido em contrato – as condições do acordo são outra discussão. 

Entre fluxos de caixa e dados financeiros, no entanto, estão usuários de ônibus que querem um transporte coletivo mais confortável, pontual e confiável a um preço justo. Esta, sim, é a equação mais desafiadora de se resolver.

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