“A gente não pensa no amanhã, aí o mar vem quebrando tudo mesmo, tomando tudo”. É assim que Amilton Damásio de Andrade sintetiza e lê o futuro do bairro vizinho, o Morro das Pedras, em Florianópolis. Morador do Campeche, o pescador de 66 anos que passou toda a vida com os olhos no mar do Sul da Ilha percebe a água salgada cada dia mais perto da terra firme.

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Assim como as tainhas nas águas geladas na costa da Ilha no inverno, a ressaca é tradição na Capital. Mas diferentemente dos peixes, que são motivo de festas entre os moradores, o fenômeno do avanço do mar naquela região mudou a rotina dos moradores, trouxe medo após destruir casas e levar para o oceano blocos de concreto que um dia foram paredes. O fenômeno também mudou tradições.

Segundo Amilton, pescadores do Campeche que antes lançavam as redes até a praia do Morro das Pedras à procura das tainhas mudaram a posição do lanço. Agora, as redes chegam até a metade da praia vizinha.

– Tinha até rede que ia ali no Morro das Pedras, mas agora não estão indo por causa das tranqueiras lá, o mar está comendo tudo ali no costão. Estão cercando até a metade da praia, mas não estão pegando muito para lá para não estragar as redes – conta o pescador.

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Na última semana, 11 propriedades, incluindo três residências, foram interditadas e a área foi isolada pela Defesa Civil por risco de desabamento após o mar chegar mais perto e provocar queda de escombros. Desde o dia 10 de maio, os funcionários da prefeitura passaram a monitorar a região e trabalham em ações emergenciais para tentar minimizar o desgaste da estrutura e evitar novos desmoronamentos.

– Por enquanto o mar não está recuando. Assim que isso ocorrer vamos fazer a limpeza e escavações para a retirada dos escombros, madeiras e até mesmo dos dois postes que caíram – diz o gerente de Operação e Assistência na Defesa Civil de Florianópolis.

Com a combinação do mar agitado e a chuva da última semana, em especial na quarta-feira, dia 9, que causou estragos em várias cidades de Santa Catarina, os moradores temem que as casas sejam ainda mais comprometidas. Segundo Sidnei Ferreira, morador de uma das casas mais afetadas pela erosão marinha costeira, a casa chega a tremer durante as noites em que as ondas do mar ficam mais ferozes. Conforme a Defesa Civil, ao menos 14 casas chegaram a perder até oito metros de terreno há cerca de um mês.

Cinthia Sens, moradora do bairro desde dezembro do ano passado, afirma que já gastou R$ 20 mil para construir barreiras com sacos de areia que tentam atrasar o processo de erosão.

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– Além de ser um trabalho infinito, é uma conta infinita – afirma.

Os bags de contenção foram autorizados pela Defesa Civil municipal.

Imbróglio

A questão da erosão marítima na região é discutida na Justiça há anos. Em uma decisão recente, o desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), determinou que a prefeitura adote providências para garantir a segurança dos habitantes e frequentadores do Morro das Pedras.

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O pedido, que foi inicialmente negado pela 6ª Vara Federal de Florianópolis, levou em consideração no TRF4 o entendimento sobre os riscos que envolvem o direito dos habitantes à moradia, à segurança e à proteção do ecossistema. O despacho é do dia 5 de junho.

– Há indícios de que não haveria incremento de riscos ao meio ambiente pela determinação de que a prefeitura tome medidas que tem engenheiros e técnicos para tomar as devidas providências emergenciais para proteger a segurança dos moradores, inclusive do autor da ação – disse Favreto.

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Segundo o desembargador, a permissão em caráter excepcional, de que sejam feitas intervenções na faixa de praia.

– Por ora, para justamente ter a manutenção de situação concreta o mais próxima possível daquela já presente no local, para que se possa, eventualmente, tratar do mérito da questão e obter-se uma solução definitiva. Além disso, as medidas ora postuladas são reversíveis, diferentemente do que ocorrerá acaso venha, de fato, a desabar a residência na faixa de praia e no mar – explica.

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Pessoas montam barreiras com sacos de areia para evitar novas erosões na região (Foto: Diorgenes Pandini)

Ainda de acordo com a decisão, para a execução das medidas de contenção, o município de Florianópolis deverá proceder à instalação de estruturas que sejam, de um lado, efetivamente eficazes para conter os riscos de desabamento do imóvel, e, de outro, de menor efeito adverso possível ao meio ambiente no local.

– Proceda à instalação de estruturas capazes de impedir o desabamento do imóvel citado na petição, sob pena de multa diária de R$ 1 mil por dia de atraso – aponta a decisão.

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Procurada pela reportagem, a Defesa Civil de Florianópolis informou que o município ainda não foi notificado da decisão.

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