Tidas como porta de entrada do SUS, unidades básicas de saúde entraram na mira de um programa de concessões e privatizações do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Um decreto que inclui a política de atenção primária em saúde dentro do escopo de interesse do programa foi publicado na terça-feira (27) no Diário Oficial da União.
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A medida gerou reação de especialistas e entidades em saúde, que temem uma “privatização” na área, hoje um dos pilares do atendimento no sistema público. O decreto é assinado pelo presidente Bolsonaro e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
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Na prática, o texto prevê que sejam feitos estudos “de parcerias com a iniciativa privada para a construção, a modernização e a operação de unidades básicas de saúde”. A ideia do governo é estruturar projetos-piloto para esse tipo de parceria. A seleção ficaria a cargo da Secretaria Especial do PPI no Ministério da Economia – no decreto, não há menção ao Ministério da Saúde.
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A reportagem questionou se a pasta havia sido comunicada da iniciativa, mas não recebeu resposta até então.
Segundo o PPI, o principal ponto do projeto é “encontrar soluções para a quantidade significativa de unidades básicas de saúde inconclusas ou que não estão em operação no país”. Questionado sobre qual seria a contrapartida ao setor privado, o programa disse apenas que a medida está em análise de possíveis “modelos de negócios”.
“Importante destacar que caberá ao PPI coordenar os esforços em busca da construção de modelos de negócios, mas a condução da política pública será realizada pelo Ministério da Saúde. Não se trata de delegar ao privado as funções de Estado, mas de aprimorar a prestação de serviços”, informa.
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O órgão diz ainda que trabalhará com o Ministério da Saúde e ao BNDES na definição de diretrizes para elaboração dos projetos, para, em seguida, selecionar municípios e consórcios “que tenham interesse nessas parcerias”.
“Sabemos do desafio de levar mais infraestrutura e serviços de qualidade a diversos municípios do Brasil e acreditamos que o modelo de PPPs será chave para alcançarmos os resultados que a população tanto merece”, afirmou, também em nota, a secretária especial do PPI, Martha Seillier.
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Ainda não há estimativa de quantas unidades podem ser incluídas nessas parcerias. Atualmente, o país tem 44 mil unidades básicas de saúde. A reportagem questionou quantas outras estão fechadas ou não tiveram obras concluídas, mas não teve resposta até o momento.
A possibilidade de abrir espaço para o setor privado na construção e funcionamento destes postos, no entanto, tem gerado reação de especialistas e entidades na área da saúde.
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Conselho Nacional de Saúde avalia eventuais medidas legais
Em vídeo divulgado nesta terça, o presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, disse ver na medida uma privatização dos postos de saúde. Segundo ele, o conselho realiza uma análise de eventuais medidas legais diante do caso.
Para Gulnar Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), a situação é “preocupante”.
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– Embora coloque como estudo-piloto, as coisas começam assim. Isso é a porta aberta para a desconstrução do SUS. Não se sabe se vão respeitar as condições do sistema – afirma Gulnar, que questiona a falta de consulta, pelo governo, a entidades de saúde sobre a proposta.
Avaliação semelhante sobre os riscos da medida é apontada por Ricardo Heinzelmann, da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), que reúne médicos que atuam na atenção básica. Para ele, a situação ameaça políticas nacionais que ocorreram pela atenção básica – caso da Saúde da Família, que ajudou a reduzir indicadores de doenças crônicas e mortes no país.
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– Qual seria o interesse do setor privado para atuar nesse nicho do mercado? – questiona. – Há risco de se perder ações importantes da saúde da família, como a abordagem comunitária. Falamos de uma população vulnerável – completa.
Heinzelmann vê uma diferença na proposta em relação ao modelo das OSS (organizações sociais de saúde), que funcionam em parte do país.
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– As OSs não constroem, enquanto a PPP vai além nisso: ele poderia construir e ser como um proprietário daquele serviço. Há um avanço maior no campo da privatização quando falamos nessa lógica – diz.
Questionado sobre os riscos apontados pelos especialistas, o Ministério da Saúde não respondeu.
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