
Preservação
Projetos em Santa Catarina recolhem resíduos dos mares e das praias ao longo do litoral catarinense. Com cooperativa, ONG transforma resíduos em oportunidade de renda
Em um mar de desencantos, Santa Catarina tem bons exemplos quando se trata de pessoas e de instituições empenhadas em mudar a poluição dos mares. Com sede na Ilha de Santa Catarina, a Associação Náutica Brasileira (Acatmar) é uma delas. A entidade sem fins lucrativos foi criada em 2008 e reúne associados da cadeia produtiva do setor, além de promover e fomentar a cultura do uso das águas e o desenvolvimento da economia do mar. Em 2019, uma aliança entre a Assonautica Italiana e a Acatmar deu início ao projeto sustentável e educacional Limpeza dos Mares.
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– Já recolhemos 105 toneladas de lixo em 23 etapas e neste momento estamos trabalhando com ações e seminários que buscam fortalecer a parceria com o Itália, pois o (projeto) Limpeza dos Mares está sendo replicado pela nossa coirmã Assonautica Italiana – conta Michelle Castilho, diretora da Acatmar.
Para Michelle, todas as ações concretas que venham a fortalecer a sustentabilidade e a preservação dos oceanos são bem-vindas. Mas é importante que haja o engajamento de todos:
– Não é apenas o que o lixo causa nos oceanos, mas o que nós fazemos com o nosso lixo. É necessário investir na mudança de hábitos, despertando consciência e firmando propósitos para a transformação deste novo comportamento.
A ativista explica que no projeto Limpeza dos Mares foi adotada a #euponhoamãoefaço. A diretora conta que, com isso, pretendem incentivar as pessoas a praticarem ações concretas de transformação. Neste domingo, dia 13, o projeta recomeça uma atividade concreta na Ilha do Arvoredo. O objetivo é recolher objetos que prejudicam a fauna marinha e oferecem riscos à navegação e que também prejudicam o mergulho de observação. Na ocasião, será feito o lançamento da nova identidade do programa.
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Conhecida por promover ações de conscientização e de educação ambiental em praias do Sul e Sudeste do país, a ONG Eco Local Brasil busca se diferenciar nas ações. Com 18 anos de atividades são três as vertentes: limpeza de praias e encostas, educação ambiental nas escolas e gerenciamento de resíduos. Além de recolher o lixo, a organização se responsabiliza por auditar e dar encaminhamento ao processamento através de empresas parceiras.
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A ONG tem projetos em Santa Catarina, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. O foco, explica o coordenador Felipe Oliveira, é mostrar para as pessoas que o resíduo encontrado nas areias ou no mar pode ser transformado em produto e renda. Foi o que ocorreu em 2020, quando a ONG distribuiu 5 mil brinquedos para crianças que vivem em comunidades assistidas por entidades ligadas ao surf.
– Com o projeto Pé na Estradas viajamos de Laguna, no Sul do Estado, até Fernando de Noronha, em Pernambuco. Os carrinhos foram feitos a partir de material retirado das praias. Também foram confeccionados acessórios de surf, como quilha e raspador de parafina – explica.
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Além deste trabalho, um dos orgulhos de Oliveira é o fato da ONG ter criado a primeira cooperativa do mar da América Latina, e com sede em Barra Velha.
– Nós passamos a informação para as pessoas que aquele lixo pode ser transformado em produto e renda numa atividade financeira e sustentável para os projetos sociais, por exemplo.
Para Oliveira, a mudança de comportamento em relação aos mares e oceanos passa necessariamente pelas crianças. Por isso, ele comemora o retorno de atividades dos projetos com educação ambiental nas escolas, os quais foram impactados pela pandemia mas em processo de recomeço em alguns lugares.
A instalação da Década dos Oceanos pela ONU é comemorada pelo coordenador da ONG, pois acredita que governos e sociedade estejam olhando para um problema que é considerado invisível para muitos:
– Acreditamos que o lixo na praia é problema nosso, é questão de cada um que esteja ali e não exatamente do governo. Entendemos também que o plástico é um material perigoso para a vida marinha, mas cabe perguntar ao consumidor se ele sabe que o mesmo pode ter diferentes usos? Uma sacola de plástico é reciclável, e não deve ser usada uma vez e jogada fora – pontua Oliveira.
João Malavolta é fundador e consultor técnico do Instituto Ecosurf, organização da sociedade civil, sem fins econômicos, fundada em 2000, e dedicada ao empoderamento dos surfistas para a atuação em causas públicas e proteção dos oceanos. Malavolta é jornalista, graduado em Geografia, Técnico em Meio Ambiente e Design Gráfico.
Em Florianópolis, ele coordenou a Frente Parlamentar Municipal de Combate ao Lixo no Mar e fez assessoramentos técnicos na formulação de legislações e resoluções sobre a proteção do litoral brasileiro. Atualmente é colaborador do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) na campanha e Rede Mares Limpos e fala sobre esse trabalho na entrevista a seguir. Confira:
O oceano sempre foi tratado como um ambiente com fontes infinitas de recursos naturais devido à imensidão planetária. Hoje, através da ciência, já se sabe que os recursos são finitos e os serviços ambientais como a regulação do clima sofrem desequilíbrios causados pelas atividades humanas, como é o caso das emissões dos gases que causam o aumento acelerado da temperatura na terra (efeito estufa) e faz com que neste momento tenhamos que viver uma emergência climática catastrófica.
Nunca se discutiu tanto a questão da importância de um gerenciamento adequado e eficiente de resíduos sólidos, sobretudo os plásticos, nos grandes centros urbanos e comunidades inseridas em áreas de bacias hidrográficas. O plástico que chega ao mar vaza das cidades, encontra córregos, rios e em algum momento alcança o mar e causa desde impactos na paisagem como a morte da biodiversidade marinha, poluição e contaminação das águas.
Para frear o avanço da poluição pelo plástico descartável no oceano é necessário um amplo acordo entre o setor produtivo, os governantes e a sociedade. Regulamentar a oferta da resina plástica e as aplicações na indústria de conversão é um dos caminhos. Desta forma teríamos que ter um uso mais racional do material e um aperfeiçoamento no design das embalagens, além de uma capacidade implantada de logística reversa para o retorno das embalagens para a indústria e reciclagem.
Para isso acontecer, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) deve ser implementada na totalidade e novos dispositivos legais criados. Ou seja, precisamos de um governo nacional e subnacional ativo para mudarmos essa realidade de poluição sistêmica no planeta.
Somado a esses esforços, repactuar com a sociedade uma nova cultura de cuidado com os ambientes naturais é um caminho urgente e sem volta. E isso passa pela radicalização na diminuição do consumo. Frear o estímulo à aquisição de produtos desnecessários ou que não estejam em conformidade com os princípios da sustentabilidade e investir massivamente em educação para cidadania oceânica, podemos alterar a cultura da “descartabilidade” que cria montanhas de “lixo” a cada hora no Brasil e no mundo, por exemplo.
A chamada Década do Oceano é uma grande oportunidade em fazer com que a sociedade olhe para o oceano de modo que ela compreenda como o oceano influencia suas vidas e como suas vidas influenciam o oceano. Ou seja, trazer para o grande público aspectos do nosso dia a dia que podem ajudar ou comprometer ainda mais a saúde desse ambiente.
Acredito que uma maior compreensão da importância da ciência para a conservação da natureza e benefícios à humanidade; maior entendimento da interconexão que há entre as espécies e nossa interdependência das demais formas de vida que dividem o planeta conosco.
As ações hoje pretendidas através da Década da Ciência Oceânica para o Desenvolvimento Sustentável criaram estratégias que no decorrer de suas implementações serão revisadas e que visam atender a sete resultados principais: um oceano limpo; um oceano saudável e resiliente; um oceano previsível; um oceano seguro; um oceano produtivo e explorado de forma sustentável; um oceano transparente e acessível; um oceano conhecido e valorizado por todos. Contudo, será um amplo esforço de toda sociedade para que até 2030 tenhamos um oceano conhecido e valorizado por todos.
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