Relatos de jogadoras do Sanrosé, em São José, apontam que os abusos que teriam sido cometidos pelo técnico do time, Reginaldo Valdir Vieira, iam desde controle psicológico a investidas sexuais. Leslley Correa, 20 anos, foi uma das 12 atletas que denunciou Vieira, 31 anos. Ela relatou ao Hora de Santa Catarina a dinâmica dos abusos que as jogadoras sofriam e a pressão para que fizessem sexo com o treinador.

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— Ele insistia muito para que a gente tivesse relação [sexual]. Isso [contar] é muito difícil. Eu era virgem na época, ele falava: “Tu só vai conseguir jogar bem quando tu perder tua virgindade”. Uns absurdos, sabe? — diz. 

O escândalo foi revelado em uma reportagem exclusiva exibida neste domingo (3), no Esporte Espetacular, da TV Globo.

A jogadora, que hoje é ala de um time no interior do Estado de São Paulo, se mudou de Tubarão, no Sul de Santa Catarina, para a região metropolitana de Florianópolis em 2018 para seguir o sonho de jogar futsal. O próprio Vieira foi até a casa dela, junto com a comissão do time, para conseguir autorização para que a menina, na época com 16 anos, morasse na Casa das Atletas, em São José. Ali, elas conviviam 24 horas por dia com o téncino, que morava no mesmo terreno do dormitório das jogadoras.

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Ela era a mais nova da casa e conta que, logo que chegou, criou um laço de amizade com o técnico. Ela o acompanhava para resolver burocracias do time e também assuntos pessoais. 

Segundo a vítima, no início, era unânime o sentimentimento de gratidão por Vieira ter dado a oportunidade às jogadoras — a maioria de cidades distantes de São José. Porém, segundo Leslley, rapidamente, ele teria se colocado na posição de família das atletas e opinava em assuntos pessoais das meninas. 

Inclusive, a vítima conta que, às vezes, era impedida de ligar para os pais para pedir ajuda quando enfrentava alguma dificuldade. De acordo com ela, Vieira fazia questão de ser o único responsável por resolver os problemas das garotas. 

— Ele começou a cobrar a gente de uma maneira muito pessoal, às vezes jogava as coisas pessoais que a gente falava para ele contra a gente, de maneira que a gente fizesse as coisas como ele queria ou para que a gente se sentisse vulnerável — conta Leslley.

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As tentativas de assédio

Em 2021, as atletas se movimentaram para denunciar Vieira. Ela conta que teve dificuldade para entender que havia sofrido abuso. Compreendeu a violência sofrida quando relembrou a primeira vez que o técnico roubou um beijo dela.

— Ele roubou um beijo meu, e meu primeiro pensamento foi “nossa, que coisa doida”. Eu subi pra minha casa, ele subiu pra dele, e eu nunca esqueço as coisas que eu pensei subindo as escadas. Eu cheguei a pensar que foi normal, a ponto de pensar que eu receberia um carinho do meu pai, receberia da minha mãe. E foi a forma que eu vi no momento, porque ele era um cara tão presente, que sempre tava ali.

Depois do primeiro beijo, Leslley passou a evitar ficar sozinha com o treinador. Ela conta as investidas – como tentativa de passar a mão nela ou de dar um beijo – ocorriam mesmo quando ela dizia “não” e em momentos que a conversa era sobre o treino.

Vieira era casado na época. A vítima conta que quando o questionava se eram corretas as tentativas de envolvimento com ela, ele respondia, segundo ela, que eles eram amigos, uma relação “sobrenatural” de parceria. A vítima relata ter sofrido assédio por três anos e meio.

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— Até eu realmente por um fim, foi muito difícil. Eu tinha saído de casa quando eu tinha 16 anos, ele foi o cara que tinha dado a maior oportunidade da minha vida, que dava a cara a tapa por mim e eu pensava “poxa, porque eu não posso só retribuir tudo o que ele fez sabe” — relembra. 

Quando Leslley deu um basta em todas as tentativas de Vieira, ela conta que o treinador mudou completamente. Ele teria passado a atribuir as negativas de assédio sexual à falta de respeito. Ainda teria dito para ela que isso estava afetando o desempenho dela nas quadras. Na época, a atleta tinha 19 anos e, além de jogar no Sanrosé, trabalhava e fazia faculdade. Mesmo assim, ela lembra que Vieira sempre fazia questão de falar o quanto ela era dependente dele e deveria ser grata.

A denúncia

Foi em 2021 que duas preparadoras físicas do time passaram a ouvir histórias de jogadoras e perceber que o assédio ocorria. Elas e outro membro da comissão foram atrás de ex-jogadoras do Sanrosé e descobriram o histórico de Vieira. 

Ao todo, 12 mulheres denunciaram os crimes cometidos pelo técnico. Segundo elas, a maior parte teria ocorrido quando ainda eram adolescentes. Após três meses de investigação, a polícia indiciou Vieira e o Ministério Público de Santa Catarina acatou a denúncia. Vieira é acusado de importunação sexual contra duas adolescentes e assédio sexual.

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Para a delegada do caso, Marcela França Goto, ele negou todas as acusações

— A única coisa que ele disse é que manteve contato com uma das vítimas de importunação, mas que foram apenas beijos. Ele não admite a importunação, apenas que teve contato com uma delas — explicou a delegada em entrevista à CBN Floripa.

Marcela diz, ainda, que o homem se mostrou arrependido por “tentar criar esse conforto familiar para dar mais conforto às vítimas”. Ainda segundo a investigação, ele pedia para que as vítimas não falassem sobre os abusos.

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