Antes de começar qualquer fala, Luciane Pereira, conhecida como Lu Kilombola, faz um gesto de reverência: “Quero pedir permissão aos meus ancestrais, aos meus antepassados, para poder falar, porque sempre que eu falo, é também em nome deles”. Uma fala que é marcada pela serenidade de quem carrega gerações em suas palavras.

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Luciane é uma das quatro painelistas do evento Antonietas: Potências Negras, que ocorre nesta sexta-feira (25) para celebrar o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha. O encontro será às 9h, no Auditório Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), em Florianópolis, e terá uma programação de trocas e bate-papo com mediação da jornalista da NSC TV, Carol Fernandes. As inscrições são gratuitas e podem ser feitas pelo link.

Conheça a trajetória de Lu Kilombola

Lu Kilombola, de 42 anos, é escritora, liderança quilombola e educadora. Nascida e criada na comunidade quilombola Aldeia, em Garopaba, no Sul do Estado, ela explica que o local existe antes mesmo do município se formar, há mais de 200 anos.

Atualmente, 80 famílias vivem no local em que Lu cresceu. O processo de titulação para o reconhecimento do território quilombola começou em 2012 junto ao governo federal e, de acordo com a liderança, já está em fase final para a concessão.

A infância da líder quilombola foi marcada pelas brincadeiras ao ar livre, pelo engenho da comunidade e pelo cuidado coletivo.

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— Era muito gostoso estar na comunidade. A gente vivia correndo na rua, pegando beiju, farinha, comendo melancia com farinha. Tudo tinha farinha — relembra, sorrindo.

Mas nem tudo foi acolhimento. Ela sentiu a primeira ruptura de realidade quando começou o período escolar fora da comunidade:

— Aí eu vi que eu era negra, que eu não gostava do meu cabelo, que eu queria ser como as outras meninas… Eu só me sentia em casa quando estava com as minhas primas.

“Só descobri que a universidade pública era gratuita aos 30 anos”

A juventude foi marcada por desafios: a tentativa frustrada de cursar psicologia em uma universidade particular por falta de recursos, o trabalho no setor de turismo para sobreviver e a constante busca por pertencimento.

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O ponto de virada veio em 2006, com a chegada do Movimento Negro Unificado à comunidade. As discussões sobre os direitos da população quilombola transformaram a visão dela de mundo — e de si mesma.

— Foi aí que comecei a me reconhecer como mulher negra, quilombola. Como uma rainha. Porque na escola, ouvíamos coisas pejorativas sobre nossa negritude. Eu não gostava do meu cabelo, da minha pele. Mas foi com esse aquilombar, com esse enegrecer, que fortalecemos nossa identidade — conta.

Uma das discussões mais marcantes deste período, segundo ela, foi descobrir a gratuidade da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi aí que, determinada a mudar a realidade dela e da comunidade, prestou vestibular para Serviço Social e foi aprovada na segunda tentativa.

— Muitas pessoas diziam o quanto era caro estudar na UFSC. Na minha cabeça ela era paga e isso só foi mudar com a chegada de informações sobre a universidade para a comunidade. Ficamos sabendo sobre as bolsas de auxílio permanência e outros direitos. Ali vi que era possível! — relembra.

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Dentro da instituição, Lu trouxe à tona pautas e vivências quilombolas, participou de mobilizações contra o corte de gastos das bolsas universitárias e produziu conhecimento sobre a própria comunidade. Durante a graduação, também conheceu o companheiro, Eduardo Duarte, com quem teve dois filhos.

Depois de uma trajetória cheia de aprendizados e vivências, formou-se. Agora, segue para o mestrado com o mesmo propósito de construir e fortalecer caminhos para os seus.

— A gente está conseguindo realizar sonhos. E isso é extremamente importante para uma comunidade quilombola: mulheres como nós estarmos nesse lugar, que até então nos foi negado. Não acreditávamos que era possível. Ser mulher já é desafiador. Ser mulher negra, mais ainda. E ser mulher negra quilombola, é ainda mais — salienta.

Lu afirma ainda que foi recentemente que conseguiu reconhecer a potência da própria trajetória:

— Demorei muitos anos para entender isso. Passei a vida inteira sendo empurrada pelo racismo, mas o que pulsa aqui dentro não é o que ele determinou. O que pulsa é a minha ancestralidade. Eu sou potência porque lembro da minha vó Catarina, das mulheres e dos homens que vieram antes de mim. Não há racismo nenhum que vai dizer para mim que eu não sou [potência].

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Antonietas: Potências Negras

O movimento Antonietas, da NSC, celebra o Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha com um evento especial no dia 25 de julho. “Antonietas: Potências Negras” reunirá quatro mulheres inspiradoras, que dividirão experiências em uma manhã de trocas e bate-papo com mediação da jornalista da NSC Carol Fernandes. O evento será às 9h, no Auditório Antonieta de Barros, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).

Além das conversas, será possível conferir apresentações artísticas do Coletivo Pegada Nagô. O evento é mais uma das ações que marcam um ano do movimento, que já reverberou mais de 400 conteúdos sobre a força da mulher catarinense nas plataformas da empresa.

Estarão no local trazendo suas histórias de vida: Fabiana de Freitas Silveira (formada em Serviço Social pela UFSC); Sônia Carvalho (gerente da Educação de Jovens e Adultos de Florianópolis e vice-presidente da Associação de Mulheres Negras Antonieta de Barros); Luciane Pereira (escritora, líder quilombola e educadora); e Ana Paula Lemos (comunicadora Social e Sommelière de Vinhos).

Serviço

  • O que: Antonietas – Potências Negras
  • Quando: 25/07 (sexta-feira), das 9h às 11h
  • Onde: Auditório Antonieta de Barros, Assembleia Legislativa de Santa Catarina, Florianópolis
  • Inscrições: por meio do Sympla

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Antonietas

Antonietas é um movimento da NSC que tem como objetivo dar visibilidade a força da mulher catarinense, independente da área de atuação, por meio de conteúdos multiplataforma, em todos os veículos do grupo. Saiba mais acessando o link.

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