
Política
Fiesc aposta na retomada do multilateralismo e novos negócios. Doutora em Relações Internacionais alerta para unidade na América Latina e advogado especialista em imigração projeta mais vistos para turismo, estudo e trabalho
Os Estados Unidos estão entre os principais destinos das exportações catarinenses. Também por isso, o Estado acompanhou com expectativa as eleições históricas naquele país. O vencedor Joe Biden já declarou que a pandemia e a economia são prioridades para os estadunidenses, mas o meio ambiente é um interesse do democrata e isso alcança em cheio o Brasil, logo, também Santa Catarina. Baixar a guarda para Biden significa mudar a política ambiental do governo Bolsonaro.
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A derrota de Trump tende a dificultar a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), já que o grupo exige políticas de preservação ambiental e de combate à corrupção. Nos dois quesitos o Brasil vai mal. Hora com os incêndios na Amazônia, hora com senador vice-líder do governo preso pela Polícia Federal com dinheiro na cueca. Especialistas no tema também sugerem mudanças no Itamaraty, sob pena da diplomacia externa brasileira levar o país ao isolamento do mundo.
O mercado norte-americano oscila entre ser o primeiro e o segundo para as exportações catarinenses. Isso faz estreita a relação entre Santa Catarina e Estados Unidos em oportunidades, exigências, riscos e peculiaridades de um mercado altamente importador não só de gêneros alimentícios, mas também de móveis, produtos de madeira e equipamentos. Por isso, a eleição de Biden é considerada positiva diante da retomada do multilateralismo e da abertura de espaço para novas negociações comerciais. A avaliação é de Maitê Bustamante, presidente da Câmara de Comércio Exterior da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc).
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Outro fato animador, observa Maitê, é a retomada de participação ostensiva dos Estados Unidos na Organização Mundial do Comércio (OMC), Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e outros organismos multilaterais, especialmente, porque a trajetória dele como senador e vice-presidente nos dois governos de Barak Obama (2009 a 2017) deu-lhe amplo conhecimento dos países da América Latina, especialmente, os sócios do Mercosul.
Ainda enquanto candidato, Binden anunciou cobranças acerca da destruição das florestas e chegou a falar que poderiam haver “sanções”. Para Maitê, uma mudança de postura não deve-se dar com base no que prometeu Biden:
– Entendemos que não é só por conta do posicionamento do presidente eleito Biden que o governo brasileiro terá que adotar uma política mais concreta sobre a preservação da Amazônia e todas suas verticais considerando que a União Europeia, por exemplo, se manifestou contrária à assinatura do acordo comercial Mercosul-UE. Enquanto isso não ocorrer, portanto, temos convicção de que o governo brasileiro está trabalhando no sentido de atender essa demanda – argumenta a dirigente da Fiesc.
Clarissa Franzoi Dri é professora de Economia e Relações Internacionais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Relações Internacionais do Brasil, Mercosul, América Latina, Europa e Migrações internacionais, ela considera que com a eleição de Joe Biden, o Brasil ficará ainda mais isolado na cena internacional.
– Esse isolamento já era uma realidade desde o início do governo Bolsonaro, pois o Brasil vinha dialogando com pouquíssimos países, quase todos com governos fundamentalistas: Estados Unidos, Israel, Hungria, Polônia, Arábia Saudita e poucos outros. Agora, Estados Unidos saem da pequena lista de países ainda próximos do Brasil – observa a doutora em ciência política do Instituto de Estudos Políticos da Universidade de Bordeaux, na França.
Clarissa acredita que as relações Brasil-EUA não serão beneficiadas pelo comportamento de Bolsonaro e o grupo dele durante as eleições norte-americanas, com o apoio público a Donald Trump. Desde a redemocratização no Brasil, explica, essas relações sempre foram amistosas, em todos os governos.
– É de extrema imprudência um chefe de Estado apoiar um candidato em outro país, pois as relações externas devem se dar em nível de Estado, não de candidaturas. Essa é mais uma demonstração, dentre tantas outras, de que Bolsonaro não age como representante da nação, mas de seu grupo – observa a especialista.
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Para a professora, o negacionismo em questões ambientais, na ciência, dos direitos sexuais e reprodutivos, da diversidade de gênero, por exemplo, é elemento fundante do isolamento internacional do Brasil. Ela lembra que o próprio acordo Mercosul-União Europeia, concluído em 2019, corre sérios riscos de não ser ratificado, inclusive pela oposição de forças políticas europeias ao tratamento dado às questões ambientais no Brasil.
O respeito que o governo Biden tem pelo multilateralismo e pelas instituições internacionais é considerado um fator positivo:
– Isso é muito bom para o Brasil e para a América Latina, pois relações bilaterais entre um país desenvolvido e um país em desenvolvimento normalmente têm menos ganhos para o país em desenvolvimento do que se essas trocas acontecem em um âmbito multilateral.
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Nesse contexto, diz a professora, é importante que a América Latina se mantenha atenta e unida, buscando posições de interesse comum especialmente nos fóruns econômicos, pois assim seus interesses têm mais chances de sucesso:
– A história nos mostra que, diferentemente do que afirma Eduardo Bolsonaro, não é sempre o que acontece nos Estados Unidos que acontece no Brasil: muito mais frequentemente, é o que acontece na América Latina que acontece no Brasil.
O governo Biden deve adotar uma política imigratória menos severa e muitas medidas em vigor devem ser revogadas, como as restrições ao Daca (que concede direitos a filhos de imigrantes ilegais) e aos programas de refúgio e asilo político. Além disso, a tendência é que mais vistos para turismo, estudo e trabalho temporário sejam emitidos nos próximos anos. A opinião é do advogado Felipe Alexandre, do AG Immigration, um dos principais escritórios de advocacia imigratória dos Estados Unidos, e que trabalha em processos de green card e vistos.
– Donald Trump adotou uma postura protecionista motivada pela questão da segurança nacional e para valorizar mais as próprias empresas e trabalhadores americanos. A expectativa é que medidas sejam revogadas – diz Alexandre.
Mas para que isto de fato aconteça, o novo governo terá de convencer o congresso americano. Entre tantos desafios, encontra-se a promessa feita durante a campanha de Biden: a legalização de aproximadamente 11 milhões de pessoas que se encontram indocumentadas nos EUA.
– Sem dúvida o grande desafio político para o governo Biden, não só na questão imigratória, será nas negociações com os deputados e senadores. Porém, mesmo que dependa do congresso para aprovar leis, o presidente dos EUA ainda possui autoridade para aprovar ordens executivas que revertam decisões anteriores, como por exemplo a revogação feita na administração Trump de proteções a haitianos e salvadorenhos, além de também poder indicar novas políticas imigratórias aos órgãos competentes – diz o advogado.
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A boa notícia é que, apesar de muitas diferenças, tanto democratas quanto republicanos concordam que os Estados Unidos precisam de novos imigrantes qualificados, com carreiras bem-sucedidas e formação acadêmica avançada, e que desejem contribuir com o mercado de trabalho americano em áreas que exijam conhecimento técnico e experiência, o que deve atrair ainda mais a chegada de imigrantes brasileiros aos Estados Unidos nos próximos anos.
– Sem dúvida o sistema imigratório americano caminha para um cenário que irá cada vez mais privilegiar imigrantes bem qualificados. Os profissionais e empresários que quiserem fazer negócios ou morarem e trabalharem legalmente nos Estados Unidos irão encontrar muitas oportunidades de green card – aponta o especialista.