Mesmo após ter sido considerada apta para o programa Universidade Gratuita, uma estudante de Santa Catarina, que prefere não se identificar, viu o sonho de cursar o ensino superior se transformar em uma dívida de R$ 27 mil. Ela relata que chegou a ser aprovada, mas não foi contemplada com a bolsa por “falta de verba”. As informações são da NSC TV.

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— A minha renda dentro de casa, que seria por volta de R$ 5 mil, R$ 6 mil no máximo, entre eu e meu namorado, é baixíssima em relação a muitas pessoas que entraram — afirma.

Universidade Gratuita tem mais de 800 alunos com patrimônio milionário

A jovem conta que, mesmo cumprindo os critérios exigidos, ficou de fora da lista de beneficiados.

— Eu acabei não recebendo, mesmo sendo apta, mas por falta de verba. Porém, fiquei com uma dívida ativa de muito dinheiro. Eu tenho, hoje, uma dívida com a faculdade de R$ 27 mil. Tenho colegas que têm dívidas de mais de R$ 50 mil com a faculdade, em vista desse problema de que a gente acreditou demais e acabou não tendo esse retorno.

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Além da frustração financeira, ela aponta inconsistências no processo de seleção. Segundo a estudante, houve exigências documentais diferentes entre os candidatos.

— Eles pediram, por exemplo, três extratos bancários, mas existem estudantes que não precisaram apresentar. Ou pediram comprovantes de outras áreas que para mim não foram solicitados — relata.

TCE encontrou indícios de irregularidades em programas

Enquanto isso, o Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE-SC) identificou cerca de 18 mil matrículas com indícios de irregularidades no programa. O principal foco das investigações são divergências entre a renda e o patrimônio declarado pelos estudantes e os dados cruzados com outras bases públicas.

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Em um dos casos, um aluno declarou patrimônio de R$ 0, mas o TCE identificou veículos no valor de R$ 139 mil e imóveis que somam R$ 48 milhões. Em outro, a diferença entre o declarado e o identificado chegou a R$ 44 milhões.

Segundo o TCE, o curso de Direito lidera o número de bolsas com indícios de irregularidades, com 535 matrículas e mais de R$ 6 milhões em bolsas. Medicina aparece em seguida, com 231 beneficiados e um valor total de R$ 16 milhões. Psicologia, Enfermagem e Medicina Veterinária também estão entre os cursos com mais casos suspeitos.

Os cursos com mais casos de indícios de irregularidades no Universidade Gratuita

— Isso chama a atenção, mas repito, quando a gente fala que houve uma mudança legislativa e que traz um grupo familiar, o tribunal faz uma análise maior. Às vezes, não está no nome do estudante, mas obviamente o grupo traz um patrimônio familiar vultuoso e como tal, em princípio, poderia arcar com os custos da faculdade. As pessoas podem ter renda, podem ter patrimônio, desde que se encaixem na regra do programa. Em alguns casos, nos parece a princípio, que não se encaixem. É isso que o tribunal vai analisar de forma pormenorizada — afirma Sidney Tavares Júnior, diretor-geral de Controle Externo do TCE/SC.

O diretor da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), Kaio Henrique Coelho Amarante, organização que representa as instituições participantes do programa, afirma que há verificação de cada um dos documentos, e que isso é encaminhado à Secretaria de Estado da Educação (SED) para reavaliação.

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— As equipes técnicas recebem esses documentos e começam uma conferência entre o que diz o documento e as informações que estão contidas na plataforma da SED. Quando essas informações estão discrepantes, as instituições entram em contato com o aluno e informam que naquele momento ele está com o status como não homologado e ele tem um tempo hábil para fazer as devidas correções. Nós levantamos as informações, recebemos, fazemos a checagem e devolvemos ao Governo do Estado, à SED. Então, a secretaria de posse das denúncias também consegue fazer esse levantamento — explica Amarante.

Durante as investigações, o TCE considerou mais um dado importante: as regras do programas não informam o período de referência que os candidatos devem se basear na hora de informar a renda familiar. Depois de refinar os dados e retirar divergências pequenas, como a diferença de centavos entre a renda informada e a que está na base de dados do TCE, o número de inconsistências passou de 4.430 alunos com renda apurada acima da declarada para 2.760.

— O tribunal vai dividir agora com esses 18 mil indícios que precisariam de comprovação. Existem indícios que são, obviamente, mais graves, e outros nem tanto. Mas a gente vai dividir em blocos, pela gravidade, e esses blocos vão acabar trabalhando algum dos indícios mais graves. Isso já está começando a ser feito, já foi determinado a diretoria de contas de gestão que faça o processo e já está começando para fazer análise desses casos mais relevantes e tentar dar uma resposta imediata, o mais rápido possível — continua Amarante.

A secretária de educação do Estado, Luciane Bisognin Ceretta, disse que pretende aprimorar os mecanismos de fiscalização para que esse tipo de caso seja identificado antes mesmo de a matrícula ser efetuada.

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— Nós solicitamos às universidades, cada qual tem uma comissão de fiscalização, para que elas procedam a reavaliação de cada um dos cadastros que foram, que hoje estão beneficiados pelo programa Universidade Gratuita e pelo Fundesc. Uma das questões que nós estamos encaminhando agora é justamente o preenchimento, a importação de todos esses dados que hoje ficam na universidade, na página da SED, na plataforma da Secretaria de Estado, com isso nós mesmos conseguiremos fazer o cruzamento e identificar uma irregularidade logo no cadastro — diz ela.

Enquanto isso, alunos que poderiam ter sido contemplados, seguem na esperança de conseguir uma bolsa.

— A única coisa como estudante é que isso não seja apenas mais uma conversa e sim algo que seja realmente efetivo e que chegue na gente e que a gente possa continuar o sonho que é fazer essa faculdade — afirma a estudante que não quis se identificar.

*Sob supervisão de Jean Laurindo

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