Caros leitores e leitoras, hoje trago um tema que, embora possa parecer à primeira vista um desvio da pauta cardiológica habitual, é, na verdade, a mais recente e impactante notícia na luta contra as doenças do coração.

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Falo da vacinação, e me posiciono sem rodeios: é chegada a hora de elevarmos as vacinas ao status de quarto pilar fundamental na prevenção cardiovascular, ao lado do controle da pressão arterial, da redução do colesterol e do tratamento do diabetes. Uma afirmação ousada? Talvez para os desavisados.

Para a ciência, é um fato incontestável, reiterado pela publicação na prestigiada European Heart Journal em julho 2025, que entra para o Consenso da Sociedade Europeia de Cardiologia com a contribuição da Associação Europeia de Cardiologia Preventiva, da Associação de Cuidados Cardiovasculares Agudos e da Associação de Insuficiência Cardíaca.

Vacinação é o quarto pilar para prevenir doenças do coração

Por décadas, a cardiologia concentrou seus esforços nos inimigos clássicos: o sal em excesso, as gorduras saturadas, o açúcar traiçoeiro e a falta de movimento. Com razão. No entanto, o corpo humano é um sistema complexo, e ignorar o papel das infecções na saúde cardiovascular é fechar os olhos para uma verdade inconveniente, mas poderosa.

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A ciência tem nos mostrado, de forma cada vez mais robusta, que infecções virais e bacterianas não são meros incômodos passageiros. Elas são, na verdade, gatilhos potentes para eventos cardiovasculares adversos graves como infartos do miocárdio, derrames e insuficiência cardíaca. Imagine um coração já fragilizado por anos de maus hábitos: uma inflamação sistêmica desencadeada por um vírus pode ser a gota d’água, desestabilizando placas de gordura nas artérias ou sobrecarregando um músculo cardíaco já cansado. É um cenário que, até pouco tempo, não recebia a devida atenção na prevenção primária e secundária.

Dito isso, o consenso afirma: indivíduos vacinados apresentam uma redução de 30% em morte por doenças do coração.

Isso não é um achismo, mas uma conclusão baseada em ensaios clínicos randomizados e grandes meta-análises. O estudo investigou a vacinação contra a influenza, Covid-19, vírus sincicial respiratório e vacina contra pneumococo, logo após um infarto agudo do miocárdio e demonstrou uma redução significativa no risco de morte por todas as causas, infarto ou trombose de stent.

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Para ser ainda mais polêmica: se você teve um infarto, a vacina da gripe, por exemplo, é tão ou mais importante quanto alguns dos remédios que você toma! Ela age não só prevenindo a infecção, mas também, ao que tudo indica, modulando a resposta inflamatória do corpo, protegendo o sistema cardiovascular de uma forma mais ampla.

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E quanto ao medo da miocardite pós-vacina? Uma preocupação legítima, sim, mas que precisa ser posta em perspectiva. O estudo aponta: “o risco de desenvolver miocardite por Covid-19 é 6 vezes maior do que desenvolver miocardite pela vacina.” A recusa em se vacinar contra o Covid-19, sob o pretexto de proteger o coração, era, e continua sendo, uma decisão que expõe o indivíduo a um risco cardíaco muito maior do que a própria vacina. É a lógica da precaução mal interpretada, com consequências potencialmente fatais.

A declaração de consenso da Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) e as diretrizes da American Heart Association (AHA)/American College of Cardiology (ACC) já recomenda a vacinação contra influenza, pneumococo, vírus sincicial respiratório e COVID-19 para pacientes com doenças cardíacas crônicas e insuficiência cardíaca, mas, e aqui reside um dos pontos mais polêmicos do documento e uma bandeira que levanto com veemência: a vacinação deve ocorrer mesmo em cenários agudos, como durante uma internação por infarto!

O consenso, afirma, importância de propor a vacinação contra a influenza para todos os pacientes internados por síndrome coronariana aguda (SCA), preferencialmente durante a própria hospitalização. Isso exige uma mudança de mentalidade e logística nos hospitais, mas é uma oportunidade de ouro para proteger um coração em seu momento de maior vulnerabilidade. A vacina é segura e eficaz nesse contexto, e o custo-benefício é esmagadoramente favorável.

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Não há mais espaço para meias-verdades ou hesitações. Como infectologista, a minha posição é clara e baseada em dados: a vacinação, com suas robustas evidências de proteção cardiovascular, não pode mais ser tratada como uma medida acessória ou opcional. A vacinação, para mim, sempre foi importantíssima, mas agora é consenso e é o quarto pilar da prevenção cardiovascular, além dos anti-hipertensores, dos medicamentos para baixar o colesterol e dos medicamentos que tratam o diabetes.

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Isso significa que, em cada consulta cardiológica, a pergunta sobre o status vacinal do paciente deve ser tão automática quanto a aferição da pressão arterial.

Agora, meus caros, a negligência vacinal não é apenas um problema de infectologia não; é um problema de cardiologista também. E a solução está nas nossas mãos, e nas agulhas que podem salvar vidas e corações.

Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.

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