Quando soube, ainda criança, que perderia a visão progressivamente devido à Doença de Stargardt, uma rara condição genética que afeta a retina e reduz o campo visual de forma irreversível, Luiz Henrique Arten Jr. não imaginava que o diagnóstico se tornaria, anos depois, o motor de uma das experiências mais intensas e transformadoras de sua vida. Já adulto, diante da aceleração dos sintomas, ele decidiu que não esperaria a escuridão avançar para começar a viver plenamente. Ao lado de Fabiana Farias, sua parceira de vida e de estrada, transformou o medo em movimento, trocou o receio paralisante pela ação e fez do mundo seu território de descoberta enquanto ainda pode enxergar, embora com alguma dificuldade.

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Assim nasceu o projeto “O Mundo Por Outros Olhos”, iniciado em dezembro de 2024 para visitar todos os países do mundo, que somam 195. Muito além de uma longa viagem, o projeto é uma investigação viva sobre como pessoas com deficiência visual percebem e interagem com culturas, cidades e ambientes diferentes.

Veja mais imagens sobre viagens de Luiz Arten e Fabiana Farias pelo mundo:

A jornada também tem a participação fundamental da irmã de Luiz, Thayná Arten, psicóloga e viajante experiente, que ajudou no planejamento e na preparação emocional e logística. O objetivo era claro, construir um retrato real do que funciona, e do que não funciona, no mundo quando o assunto é acessibilidade para deficiente visual.

A doença degenerativa que o acompanha desde a infância compromete o campo visual dia após dia. Ainda assim, Luiz segue com coragem e uma serenidade persistente diante do inevitável.

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– Se eu ficasse parado, a doença me engoliria. Preferi ocupar a vida – afirma.

Viajar, para ele, não é fuga, mas enfrentamento. É experimentar o mundo com todos os sentidos, registrar imagens antes que desapareçam e compreender com profundidade como cidades ao redor do planeta tratam, ou ignoram, as necessidades de pessoas com baixa visão.

Essa jornada sensorial dialoga diretamente com sua produção acadêmica. Luiz defendeu recentemente seu Trabalho de Conclusão de Curso em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

O estudo intitulado “Acessibilidade urbana e tecnologias assistivas ao redor do mundo: um estudo observacional com ênfase em pessoas com baixa visão” sintetiza, com rigor científico, aquilo que ele e Fabiana constatam no cotidiano, a urgência de políticas públicas efetivas e de soluções simples, funcionais e aplicáveis.

Ao longo do projeto, o casal já visitou 61 países, quase um terço do planeta. E, em cada um deles, observaram atentamente como a acessibilidade aparece (ou não) na prática. Luiz faz questão de destacar que não está falando de tecnologias futuristas: “Não é chip no cérebro. É o básico”, afirma. E exemplos não faltam.

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Um dos mais marcantes é o simples degrau pintado de amarelo no início e no fim das escadas, comum em muitos países e raridade no Brasil. Para pessoas com baixa visão, esse detalhe faz toda a diferença.

– O problema não é descer a escada, é saber onde ela começa e onde termina. É barato, funciona e poderia estar em todo lugar –

Ao contrário, há soluções caras e pouco eficientes. Luiz é categórico quando fala do piso tátil, aquele corredor vermelho na rua com uma série de relevos redondos: “É inútil. Conheço milhares de cegos que não usam. Para funcionar, teria que existir na cidade inteira, não em três ruas, explica ele.

– Para ele, o essencial está nas bases: calçadas boas, niveladas, amplas e seguras. Isso ajuda todo mundo: idosos, pessoas com dificuldade de locomoção… Uma calçada boa vale mais que mil tecnologias mal implementadas – enfatiza ele.

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Em países europeus, observaram calçadas perfeitas, ausência de meio-fio e organização urbana que facilita a locomoção de qualquer pessoa. No Chipre, encontraram dois recursos excepcionais. O primeiro: uma máquina de acessibilidade no aeroporto, semelhante a um caixa eletrônico, com um único botão vermelho. Ao apertá-lo, em até três minutos aparece um funcionário para auxiliar no que for preciso, achar o portão, carregar malas, localizar o check-in, acompanhar até a saída. Ele disse que nunca viu nada parecido no mundo.

O segundo recurso são guardas de trânsito ajudando pessoas a atravessar a rua em horários de pico, focados em crianças e idosos. O jovem diz que se sente superseguro com esse auxílio. Em contraste, Luiz relata que já quase foi atropelado várias vezes em Florianópolis. Alerta que uma pessoa que enxerga vê motoboy vindo a “200 quilômetros” por hora. O cego não vê.  

Outra solução simples e transformadora observada mundo afora são os ônibus com suspensão a ar, que abaixam para ficar na altura da calçada. Cadeirantes entram sozinhos, idosos sobem sem esforço, pessoas com baixa visão não tropeçam. Para ele, não faz sentido o ônibus ser tão alto como é no Brasil.

Todas essas observações estão sendo registradas para compor um mapa internacional de acessibilidade, que, ao fim da jornada, será disponibilizado para governos, prefeituras e empresas. O objetivo é simples e ambicioso: mostrar que a inclusão depende menos de grandes investimentos e mais de escolhas inteligentes.

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Mas nem tudo na viagem foi pesquisa e encantamento. Algumas experiências foram intensas, e uma delas quase terminou em tragédia. Em um passeio vendido como seguro ao famoso Vulcão da Lava Azul, na Indonésia, Luiz e Fabiana enfrentaram uma erupção repentina de gases tóxicos que provocou pânico, quedas e uma nuvem densa de enxofre. Um turista ao lado deles caiu diretamente em um lago de ácido sulfúrico.

– A gente quase morreu – resumiu Luiz, ainda com incredulidade.

O episódio poderia ter encerrado a jornada, ou a própria história dos dois. Mas teve efeito contrário. Reforçou o propósito, fortaleceu a parceria e ampliou o senso de urgência.

– Minha visão vai diminuir, mas meu mundo não precisa diminuir junto – diz Luiz.

Fabiana concorda, com ternura e firmeza: a viagem é uma expressão de vida, coragem e escolha. O plano de fazer essa volta ao mundo em cerca de três anos não é fácil também pelo custo financeiro. Mas o trio optou pelo modelo de hospedagem couchsurfing, em que se hospedam em casas de famílias locais gratuitamente ou pela troca de alguns serviços. Para aquisição das passagens, eles trabalham e usam renda própria, mas agora até aceitam patrocinador, caso alguém tiver interesse em colaborar por essa causa.

Entre aeroportos e vulcões, calçadas perfeitas e degraus invisíveis, tensões e descobertas, Luiz e Fabiana seguem recolhendo histórias e soluções. A estrada é pesquisa, é resistência, é projeto de futuro. Porque, mesmo quando a luz ameaça se apagar, ainda há muito mundo a ser visto, e muito caminho a ser transformado.

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