Há 20 anos, cinco mulheres empresárias e profissionais de Florianópolis decidiram fundar uma instituição comunitária para avançar em investimentos sociais. Lucia Dellagnelo retornando de um doutorado nos EUA, apresentou o conceito de fundação comunitária, modelo de organização que já existia em alguns países no mundo, para 4 mulheres – Ana Maria do Vale Pereira, Patrícia Peixoto, Regina Panzeri e Sônia Piardi . Assim, em 25 de novembro de 2005, elas fundaram o Instituto Comunitário Grande Florianópolis (ICOM).
Fundação comunitária prevê a articulação entre aqueles que atuam em um território com objetivo de promover o desenvolvimento desse território. O papel do ICom é articular, criar pontes.

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– Quando falo dos 20 anos do ICOM e olho numericamente, estou dizendo que é uma organização que captou mais de R$ 23 milhões, sendo que desses, R$ 16 milhões foram investidos diretamente na comunidade. E, além disso, R$ 7 milhões foram investidos nas organizações da sociedade civil – destaca Patrícia Peixoto, cofundadora e presidente do ICOM.

De acordo com Patrícia, o instituto foi muito além do que elas imaginaram na fundação. E para o próximo ano, estão garantidos dois projetos robustos em parceria com o BNDES, que somarão investimentos de R$ 12 milhões, para desenvolver a comunidade mais vulnerável de Santa Catarina, a Frei Damião, de Palhoça, na Grande Florianópolis.

A presidente destaca que foram duas décadas de êxito até aqui. Isso foi possível porque a instituição seguiu seus três eixos: produção de conhecimento, fortalecimento das organizações da sociedade civil e atração de investimentos privados. As fundações comunitárias trabalham em diversas frentes, com ética e transparência, para que investimentos sociais tenham continuidade. Saiba mais na entrevista de Patrícia Peixoto a seguir:

Você pode fazer uma retrospectiva sobre a trajetória do ICOM nesses 20 anos, até os dias atuais?

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– Se considerarmos a ideia que cinco mulheres tiveram, há 20 anos, de criar uma fundação comunitária com base no modelo dos Estados Unidos, trazido pela Lucia Dellagnelo, ICOM foi muito mais longe do que imaginávamos na época. O instituto foi fundado com três eixos de atuação.

Um eixo que é a produção de conhecimento. Isso porque temos que conhecer o território onde atuamos para podermos agir em cima dele. Outro eixo é o fortalecimento das organizações da sociedade civil. Por quê? Porque entendemos que existem muitas organizações que já atuam nesse território e que precisamos fortalecê-las, capacitá-las, fazer laços entre elas para que elas possam, de fato, atuar na sociedade de forma mais efetiva.

E um terceiro eixo é de incentivo ao investimento social privado. Esses são os três eixos que o ICOM atua desde sempre, porque esses são os eixos que uma fundação comunitária precisa trabalhar, para poder, de fato, criar laços para poder desenvolver o seu território.

Quando falo dos 20 anos do ICOM e olho numericamente, estou dizendo que é uma organização que captou mais de R$ 23 milhões, sendo que desses, R$ 16 milhões foram investidos diretamente na comunidade. E, além disso, R$ 7 milhões foram investidos nas organizações da sociedade civil.
Então, considerando tudo o que foi feito, o quanto a nossa organização captou, o quanto investiu e como isso promoveu o desenvolvimento para outras organizações, dá uma ideia da relevância do ICOM nesses 20 anos.

O que mais você destaca sobre a mobilização social do instituto nessas duas décadas?

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– O ICOM também se destacou no compartilhamento de conhecimento. Ele difundiu informações sobre gestão, por exemplo, para quase 3 mil organizações sociais da sociedade civil que foram beneficiadas por capacitação, assessoria e investimento do ICOM. Nós temos 20 fundos que nós criamos, fundos emergenciais, para causas específicas, fundos investidos na comunidade, em organizações que trabalham essas causas.

Nós criamos um primeiro banco comunitário do Sul e quase que do Brasil, onde, na época da pandemia, era o banco comunitário que fazia com que valores monetários da comunidade circulassem na própria comunidade, o que acabava incentivando o empreendedorismo local. Além disso, criamos 11 diagnósticos com causas de grande importância, como crianças e adolescentes, migração e equidade racial.

Agora, estamos começando a fazer um diagnóstico sobre a situação dos idosos. São diagnósticos que levam informações para mudanças de políticas públicas. Em alguns municípios, as informações existentes são as levantadas através dos diagnósticos do ICom.

Quando analiso todos esses dados e informações nessa trajetória de 20 anos do ICOM, tenho certeza de que os números conseguem traduzir tudo o que conseguimos realizar. Porque existir por 20 anos, para qualquer organização já é difícil. Para uma organização social que precisa buscar recursos para a sua própria existência, isso é mais difícil ainda. Porque, diferente de outras organizações que trabalham com causas fins, com criança, com idoso, o ICOM não tem uma causa fim.

O ICOM trabalha para fortalecer comunidades. Então, isso ainda é uma causa pela qual é difícil conseguir recursos. E o ICOM captou R$ 23 milhões em 20 anos para investir na comunidade. Esse dinheiro já captamos, investimos e assessoramos quase 3 mil organizações. Esses números falam por si! Por isso o ICOM é um grande sucesso!

Os resultados mostram que a instituição alcançou sucesso e, também, mudança de cultura sobre investimentos sociais. É isso?

– Alcançamos uma mudança de cultura muito grande e muito importante. Primeiro, quando a gente vai captar recurso fora de Santa Catarina, o estado é visto como um que não tem pobreza, que dá certo. Então, por que investir na área social? Nós perdemos recursos, inclusive de instituições internacionais, que quando olham para o Brasil, direcionam recursos para outras regiões, e não para o Sul. Com isso, temos que continuar mostrando que, mesmo estando em um estado que, de fato, tem suas diferenças econômicas do resto da federação, isso não significa que não tenha necessidades, que não precise de investimentos.

Uma outra mudança cultural é mostrar para empresas e empresários locais a importância de fazer investimento social. Nesse ponto específico, o que nos ajuda, não apenas ao ICOM, mas também as organizações da sociedade civil, é o conceito ESG que vem sendo adotado nas empresas. Elas estão tendo que agregar valor a elas mesmas com o ESG – tendo que mostrar que investem em sustentabilidade, governança e na área ambiental. Diante disso, a área social passou a ser um ativo para muitas empresas agregarem valor à própria marca e aos seus produtos.

Então o ICOM trabalhou nesses últimos 20 anos nesse desafio de mudar, de criar uma cultura de filantropia no setor privado. Além disso, atuou para fortalecer as organizações da sociedade civil para que estejam aptas também a receberem recursos, com o desafio de mostrar às organizações internacionais que o Sul do Brasil e Santa Catarina também têm suas necessidades. São muitos desafios.

Para marcar os 20 anos do instituto, vocês escolheram fazer um evento para debater a questão do clima e território. Por que esses temas?

– Bem, quando pensamos em celebrar os 20 anos, concluímos que não adiantava fazer só uma celebração, queríamos fazer celebrar, mas fazendo algo que o ICOM faz sempre, que é discutir temas, ouvir experiências e fazer trocas. Então vamos promover esse espaço. E sobre o que vamos falar e ouvir? Uma coisa foi o desenvolvimento territorial, porque isso é a essência de uma fundação comunitária.

A fundação comunitária existe para promover o desenvolvimento da territorialidade de onde ela está inserida, articulando atores sociais. Então, falar sobre esse desenvolvimento territorial é uma pauta urgente para uma fundação comunitária. E associamos uma outra muito importante atualmente, acabamos de sair de uma COP, que é a questão do clima. E aí, como é que as comunidades vulneráveis estão sendo preparadas para a questão das mudanças climáticas?

Precisamos falar dessa resiliência climática, como é que isso está sendo visto e preparado, como podemos prever e prevenir as comunidades para os desastres que aconteceram. Ouvimos em palestras da Defesa Civil que Santa Catarina é o terceiro estado com maior incidência de efeitos climáticos.

O cenário do clima está posto. E uma das informações da Defesa Civil é que os tornados e as enchentes acontecem. Na prática, o desastre natural não é o tornado acontecer, é o que vem depois, a destruição não é o desastre natural, isso é porque não tem uma preparação, uma prevenção. Isso não tem uma mitigação.

Então, o que podemos fazer enquanto fundação é amenizar esses problemas, esses desafios que são do mundo, do Brasil e com certeza daqui do Sul do país. Nós lançamos um fundo emergencial de justiça social que existe todos os anos. E esse edital já está publicado e com ele iremos investir em até cinco organizações, R$ 20 mil por organização. Serão R$ 100 mil em organizações que trabalham com a temática da resiliência climática e da justiça ambiental.

A COP mostrou que o problema do clima é urgente. E Santa Catarina deu inúmeros exemplos de que não está preparada para desastres naturais. Por isso, resolvemos fazer um evento juntando estas duas temáticas, o desenvolvimento territorial e a questão da resiliência climática.

E desenvolvimento territorial está dentro da prioridade do ICOM em projetos para a Comunidade Frei Damião?

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– É isso. O grande projeto estruturante que o ICOM está fazendo há dois anos e seguirá pelo menos por mais três ou quatro anos, é o Programa de Desenvolvimento Territorial na Comunidade Frei Damião, em Palhoça. O programa tem uma metodologia, o ICOM implementa e faz a gestão desse programa. Iniciamos na comunidade Frei Damião, mas estaremos aptos a levar o programa para outras comunidades.
Começamos esse trabalho há cerca de dois anos. Teve uma articulação com todos os atores da própria comunidade com resultados muito significativos.

Temos ruas pavimentadas que não existiam, temos mais salas de aula, mais postos de saúde, isso tudo graças a uma articulação que o ICom fez e faz com todos os atores sociais daquela comunidade, poder público, Organizações da sociedade civil que atuam lá, empresas e empresários do entorno, Universidade, escolas , juntar todas essas pessoas, alinhar interesses, expectativas, priorizar atividades, isso é o que o ICom vem fazendo há 2 anos.

O papel de articulação é muito desafiador, porque você imagina botar na mesma mesa interesses contraditórios, interesses legítimos, mas que muitas vezes não se falam, e que têm que se falar para que algo aconteça. Estamos conseguindo fazer isso na Frei Damião.
Por isso tudo que contei que decidimos trazer esse exemplo para o evento de comemoração de 20 anos, para mostrar aquilo que já foi feito, mostrar os nossos próximos desafios, para que as pessoas consigam compreender a importância de articular e de fazer parcerias, que é o que uma fundação comunitária faz.

Os projetos com o BNDES serão novas oportunidades para a comunidade?

– O BNDES lançou, ano passado, um edital com um projeto de empreendedorismo, e nós fomos a única organização do Sul contemplada num valor de R$ 5,4 milhões. Nós tínhamos que buscar uma contrapartida de 50%. Nós conseguimos, buscamos essa contrapartida, e a partir do próximo ano começaremos a executar o programa. Então, no início de 2026 nós iremos começar a implementar esse programa denominado Empreendedorismo e Superação da Pobreza.

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São dois anos de empreendedorismo na Comunidade Frei Damião. Serão até 300 empreendedores, teremos capital semente, a fundo perdido. Nós vamos fazer primeiro um diagnóstico para entender como é que é a economia lá dentro, quem são os empreendedores, que segmentos atuam, para podermos fortalecê-los, dar um capital semente, acompanhá-los, então é uma trilha muito bem elaborada e nós temos dois anos para implementar isso.

E fomos contemplados também pelo BNDES num outro edital ligado à questão da resiliência climática. Denominamos esse projeto de Caminhos para uma Comunidade Resiliente, que também será feito no Frei Damião, em parceria com a Defesa Civil do estado. Ele tem orçamento de R$ 6,2 milhões e será executado de 2026 a 2028. No total, com os dois projetos, investiremos quase R$ 12 milhões. São dois temas que, provocados por esse recurso que nós fomos contemplados, serão prioridade do ICOM para os próximos anos.

A Comunidade Frei Damião está há alguns anos no radar do ICOM. Que outros projetos o instituto já desenvolveu lá?

– Realizamos diversos projetos já. Uma das nossas ações foi um movimento para conseguir, por exemplo, que as casas fossem numeradas e dar nome para as ruas. Não tinha. O correio não entrava, não podiam pedir Uber, as pessoas não podiam abrir conta em banco, porque não tinham nenhuma referência residencial, não tinham nenhum comprovante residencial, não tinham número, não tinham nome de rua. Então isso foi uma das coisas que nós conseguimos realizar. Hoje, arrisco dizer que quase 80% das ruas do Frei Damião são nominadas, as casas são numeradas.

Nós vamos começar ano que vem uma ação junto com a Aegea, que é a empresa que conseguiu a concessão de Palhoça para água e saneamento para levar esse serviço ao Frei Damião. Hoje, o esgoto é a céu aberto, as pessoas não têm água e nem qualidade de água. A oferta desse serviço será um grande ganho. As ruas estão nominadas, 80% das vias têm pavimentação e drenagem, temos uma praça no Frei Damião hoje que é uma praça multiesportiva, que é uma praça super bonita.

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