Um dos enviados especiais do Brasil para a COP30, o professor e ex-ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, vai apresentar no evento a agricultura tropical do país como solução para quatro grandes desafios globais: segurança alimentar, mudanças climáticas, transição energética e desigualdade social. Ele argumenta que o Brasil pode colaborar disseminando a outros países tecnologias que desenvolveu e permitiram um salto de produtividade. Cita o exemplo as exportações do setor, que em 2000 somaram US$ 20 bilhões e em 2024 chegaram a US$ 165 bilhões, oito vezes mais em apenas 23 anos.

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A COP30, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, será em Belém, no Pará, no período de 10 a 21 deste mês. Roberto Rodrigues falou sobre a importância de popularizar para o mundo esse potencial da agricultura tropical brasileira em entrevista para o portal NSC Total quando esteve em Florianópolis, Santa Catarina, há poucos dias para fazer palestra em evento dos 50 anos de pesquisas agropecuárias da empresa estadual Epagri.

Roberto Rodrigues fez palestra em Florianópolis no evento dos 50 anos de pesquisas desenvolvidas pela Epagri, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Foto: Divulgação)

Roberto Rodrigues também falou sobre grandes safras brasileiras, inflação, oferta baixa de fertilizantes, produção de alimentos orgânicos, açúcar e etanol. Confira a entrevista a seguir:  

O senhor será o representante do agronegócio brasileiro na COP30. Que mensagens o senhor vai levar do setor para a Conferência do Clima?

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É uma missão muito interessante. Sou enviado especial da agricultura, não embaixador, mas um dos representantes do setor. O Brasil designou 22 enviados especiais, dos quais cinco são da agricultura: agricultura familiar, florestal, energética, marinha (peixes, por exemplo) e outras áreas. Portanto, há vários enviados agrícolas, e eu sou um deles.

Não sou chefe de ninguém, cada um tem sua missão. O que estamos fazendo, de fato, é preparar um trabalho amplo, um documento que conta a história do agronegócio brasileiro nos últimos 50 anos, abordando todos os temas relevantes.

Quais serão esses temas relevantes?
– Produção, consumo, fertilizantes, defensivos, máquinas agrícolas, crédito, tudo o que compôs o ambiente que permitiu esse crescimento extraordinário do agro. É uma história de sucesso, comprovada em números: a área plantada cresceu pouco, mas a produção aumentou cinco vezes.

Isso se deve à ciência, à tecnologia, ao empreendedorismo e às políticas públicas. Contamos essa história porque o mundo vive um momento de incerteza e instabilidade, uma espécie de “nova desordem mundial”, com mudanças geopolíticas rápidas e regras de comércio em transformação.

Pode falar um pouco sobre essa “nova desordem” do mundo?
– As instituições multilaterais criadas no pós-guerra, que deveriam garantir a paz e o equilíbrio global, perderam protagonismo. Hoje, poucos saberiam dizer o que fazem as Organizações das Nações Unidas (ONU), Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC). Essa perda de influência deixa o mundo mais vulnerável, sem regras claras ou mecanismos de fiscalização. Guerras, conflitos e crises surgem, e nada acontece. Isso corrói a paz e ameaça até a democracia.

Nesse contexto, a humanidade enfrenta quatro grandes desafios, os que chamo, de forma simbólica, de os “quatro cavaleiros do apocalipse moderno”: segurança alimentar, transição energética, desigualdade social e mudanças climáticas.

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São temas dramáticos que precisam ser enfrentados, sob risco de instabilidade social, política e até de ruptura da paz mundial. E quem pode oferecer respostas concretas a esses desafios é a agricultura tropical, da América Latina, da África Subsaariana e de parte da Ásia, regiões com terras disponíveis e baixo nível tecnológico.

E como o Brasil está posicionado no enfrentamento dessas questões?
– O Brasil é líder nesse processo. Somos um dos países mais avançados em tecnologia tropical sustentável e competitiva, que nos abriu mercados e oportunidades. Por isso, o Brasil precisa assumir a liderança global para combater a fome, a crise energética, a desigualdade e as mudanças climáticas, com base em ciência e tecnologia.

Essa é a mensagem que pretendemos levar à COP: mostrar o que foi feito aqui, no Brasil, e inspirar o mundo tropical a seguir o mesmo caminho, produzindo alimentos, energia e fibras de forma sustentável, combatendo a fome e o aquecimento global, e gerando renda e prosperidade. Tudo isso será apresentado em Belém, no Pará, com a intenção de demonstrar que o modelo brasileiro pode ser replicado em outros países, ajudando a construir condições de paz planetária.

Esse é o sonho, um mundo unido em torno da paz. Sem paz, não há felicidade. O nosso objetivo é conquistar a paz alimentando o planeta, com o exemplo da agricultura tropical que o Brasil tão bem representa hoje.

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O senhor acredita que, como líder em tecnologia agropecuária, o Brasil pode fornecer esse conhecimento para países da África, por exemplo, a um custo acessível ou até gratuitamente?
– Sim. Sem dúvida nenhuma! O Brasil deve fazer isso, sim. Gratuitamente, do nosso lado, não há problema, podemos compartilhar conhecimento e tecnologia. Mas, para que esses países consigam incorporar as inovações, é preciso haver financiamento internacional.

Se ensinarmos um país africano pobre a fazer o que fazemos aqui, ele não conseguirá replicar sem recursos. Portanto, há dois fatores essenciais: financiamento internacional e flexibilização das regras de comércio.

Hoje, os países ricos mantêm uma oferta de produtos subsidiados e protegidos, o que dificulta a entrada dos países pobres nos mercados globais. Podemos oferecer a tecnologia de graça, desde que o mundo financie e flexibilize as regras comerciais.

O mundo já conhece a revolução da agricultura tropical liderada pelo Brasil?
– O mundo acadêmico conhece, e os governos também. Mas a população em geral não conhece, muitas vezes porque há uma esperteza dos nossos concorrentes. Eles exploram as ilegalidades que, infelizmente, ainda existem no Brasil como desmatamento ilegal, incêndio criminoso, invasão de terra e garimpo.

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Esses problemas não são culpa do produtor rural, mas de criminosos e aventureiros. E, como o governo não consegue eliminar totalmente essas práticas, os concorrentes acabam atribuindo injustamente esses crimes ao setor agropecuário. Isso é falso.

O produtor rural brasileiro não desmata para produzir carne, leite ou soja na Amazônia. Por isso, estamos incluindo no documento que será levado à COP a exigência de que toda atividade ilegal seja eliminada e os culpados punidos conforme a lei.

O senhor fez palestra em evento que celebrou os 50 anos de pesquisas da Epagri, a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina. Qual é a importância de empresas como a Epagri para o agro brasileiro?

– O Brasil deu saltos espetaculares na produção agropecuária com sustentabilidade. E a base desse crescimento foi a pesquisa, foi a ciência agropecuária. O que o Brasil fez em termos de produtividade agrícola, geração de renda e conquista de mercados internacionais, tanto na agricultura quanto na pecuária, no agronegócio, foi resultado direto da ciência aplicada ao campo.

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A Epagri é um exemplo desse processo. Um exemplo excepcional, em um estado que não é qualquer estado: Santa Catarina tem uma agricultura muito avançada e desenvolvida, com uma grande maioria de pequenos produtores que dependem da ciência e da tecnologia para alcançar os saltos de produtividade que o estado conquistou. É, portanto, uma instituição exemplar, que orgulha o Brasil inteiro pelo trabalho realizado no desenvolvimento agropecuário.

O Brasil conta com a Embrapa, que é a empresa de pesquisa nacional e referência para empresas estaduais como a Epagri. Como analisa o trabalho da Embrapa?

– É muito simples. Há 50 anos, quando a Embrapa foi criada, o Brasil importava 30% dos alimentos que consumia. Trinta por cento! Há apenas 50 anos, foi ontem mesmo. E hoje exportamos para quase 200 países em todo o mundo. Naquela época, importávamos alimentos, energia, fibras, todo tipo de produto, desde frutas até madeira e celulose. Tudo isso mudou graças à ciência brasileira.

A Epagri, aqui no Sul, e a Embrapa, com forte presença nos territórios tropicais, são pilares desse avanço baseado em ciência e tecnologia. Os saltos que o Brasil deu só foram possíveis porque houve tecnologia, inovação e muita pesquisa desenvolvida tanto aqui no estado quanto em todo o país, sempre com o engajamento dos produtores brasileiros.

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Há um espírito empreendedor muito forte, voltado a incorporar tecnologia, aumentar a produtividade e conquistar mercados sustentáveis no mundo todo. É um exemplo notável de cooperação entre o setor público e o privado, que impulsiona o progresso da nação.

Com frequência, o Brasil é colocado como um dos países que vão alimentar o mundo. O país tem condições de contribuir assim?

– Sim. E será cada vez mais importante nesse papel. Veja os números: em 2000, o agronegócio brasileiro exportava cerca de US$  20 bilhões. No ano passado, foram US$ 165 bilhões, um crescimento de oito vezes em 23 anos, mesmo com as crises financeiras que afetaram o comércio mundial. Isso é competência, eficiência, qualidade e preço justo, é o “bom e barato” que o mundo reconhece no Brasil.

O Brasil colheu mais uma grande safra. O clima ajudou. Mas ainda temos muitas críticas sobre preços altos de alimentos. A safra vai ajudar a reduzir preços?

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– A agricultura sempre contribuiu para reduzir a inflação, é algo histórico, de alcance global. Toda vez que a produção aumenta, a inflação tende a cair, porque há mais oferta de alimentos. Como a demanda não cresce na mesma proporção, os preços naturalmente se reduzem, o que ajuda a conter a inflação. O que eventualmente interfere é o câmbio. Quando o dólar se valoriza em relação ao real, isso impacta o preço interno, pois o mercado de exportação se comunica diretamente com o mercado doméstico. Assim, surgem pressões inflacionárias derivadas do câmbio ou das taxas de juros. E o Brasil, hoje, tem uma das maiores taxas de juros do mundo.

Ninguém consegue financiar nada por menos de 20% ao ano. Embora a Selic esteja em 15%, há os adicionais de risco e exigências bancárias que elevam o custo. Isso encarece a produção, e naturalmente o produtor repassa parte desse custo ao consumidor. Não é algo exclusivo da agricultura. Qualquer setor econômico repassa seus custos. Por isso, parte da inflação decorre de fatores cambiais, financeiros e de custo de capital.

Um dos desafios do agro brasileiro é a baixa oferta nacional de fertilizantes. Existe uma polêmica sobre a compra de fertilizantes da Rússia, com críticas dos Estados Unidos. Como o senhor vê esse cenário?

Esse é um tema complexo. Hoje, o Brasil importa cerca de 85% dos fertilizantes que consome. Em alguns casos, como o fósforo e o nitrogênio, há novos investimentos que podem ampliar a produção nacional. O caso mais difícil é o potássio, que depende de mineração. Nossos principais fornecedores são Canadá, Rússia e países do Oriente Médio.

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No Canadá, por exemplo, as minas de potássio são exploradas com a participação de comunidades indígenas, que recebem parte da renda e prosperam. Aqui, ao contrário, o indígena é mantido na pobreza, e ainda há restrições ambientais que impedem a exploração de jazidas em locais como Autazes, na Amazônia.

Quanto custaria uma fábrica de fertilizantes?
O governo anterior elaborou o Plano Nacional de Fertilizantes, que está sendo implementado, mas é um processo caro e demorado. Construir uma fábrica de fertilizantes exige altos investimentos e tem retorno lento. Acredito que em 10 a 15 anos o Brasil poderá reduzir a dependência para cerca de 50%, mas não há como eliminar as importações. Importar não é um problema, nós compramos fertilizantes, produzimos alimentos e vendemos com lucro.

Mas é fundamental continuar investindo em tecnologia e inovação. Hoje, já se fala muito em fertilizantes organominerais, que misturam compostos orgânicos e minerais. É um caminho promissor, mas ainda caro. Com mais ciência e desenvolvimento tecnológico, será possível equilibrar preços e competir com o mercado atual.

De todo modo, a tendência é aumentar a produção interna, embora continuemos importando pelo menos metade do que consumimos. E há uma razão para isso: a expansão agrícola brasileira ocorre sobre o cerrado, um solo naturalmente pobre, que exige mais fertilizantes. Ou seja, quanto mais avançamos, maior é a demanda.

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É possível aumentar a produção de alimentos orgânicos no Brasil?
– É perfeitamente possível. Hoje, a agricultura se divide em três grandes vertentes: a convencional, a orgânica e a regenerativa. Todas são viáveis no Brasil e com muita competência.

E quanto ao debate sobre alimentos transgênicos?
– Esse é um tema complexo, que envolve ética e comportamento social. A pergunta é: o que é melhor, comer um alimento transgênico ou não ter o que comer? Essa é uma discussão essencialmente humanitária. O que eu sempre digo é: não há paz onde houver fome. A fome estimula a guerra. Um homem com fome é um homem bravo, mas uma mulher com um filho com fome é uma guerreira. Por isso, precisamos garantir suplemento alimentar para toda a população do planeta. Esse deve ser, na minha visão, um dos temas centrais da COP: despertar o mundo para o papel do Brasil como grande fornecedor global de alimentos.

Vamos falar sobre o setor de açúcar e etanol. Como o senhor vê esse cenário no Brasil e no mundo?
O açúcar talvez seja o produto mais protegido e subsidiado do planeta. Países desenvolvidos não competem conosco em igualdade, por isso mantêm fortes políticas de proteção para garantir seus produtores, principalmente os de açúcar de beterraba. Apesar disso, o Brasil é imbatível em qualidade e eficiência. Países como a Índia e várias nações africanas vêm crescendo na produção, mas ainda estamos muito à frente.

Quanto ao etanol,atualmente, o etanol de cana-de-açúcar concorre com o etanol de milho e até de outros grãos, como trigo e arroz. A tecnologia avançou muito e permite produzir álcool competitivo a partir desses grãos, em alguns casos, até mais lucrativo, como o milho. A diferença é que os grãos têm preços muito voláteis: quando a oferta aumenta, o preço cai; quando diminui, o preço sobe. Isso traz instabilidade para o setor. Já o açúcar é mais estável, com mercado consolidado mundialmente.

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Mesmo assim, o etanol de milho vem crescendo de forma impressionante e traz vantagens para o Brasil. Enquanto o etanol de cana está concentrado no Centro-Sul, o de milho se espalha por novas regiões, inclusive o Nordeste, onde já há usinas no Maranhão. Isso torna a oferta de etanol mais nacional e menos dependente de importações, como antes acontecia com o álcool vindo dos Estados Unidos.

Então existe uma competição entre o álcool de milho e o de cana. Mas o resultado é positivo para o país?
– Sem dúvida. O balanço é muito positivo. O etanol de milho, além do combustível, gera um subproduto chamado DDG, um farelo seco e altamente proteico que substitui o milho na ração animal. É um produto cobiçado no mundo todo, e o Brasil já começou a exportá-lo. O mesmo acontece com o biodiesel de soja, que também gera farelo usado na alimentação animal. Assim, milho e soja produzem combustível e proteína ao mesmo tempo, e ainda se somam à produção de carne. O resultado é um ciclo virtuoso: energia limpa e proteína de alta qualidade, com custo competitivo.

Como o senhor vê o cenário geopolítico recente, especialmente após a política tarifária do governo Trump?
– O mundo já vinha enfrentando uma deterioração do multilateralismo. As instituições que deveriam garantir a paz, como a ONU, perderam protagonismo. Há guerras em vários lugares, e as organizações multilaterais deixaram de exercer liderança. O governo Trump apenas agravou isso, ao impor tarifas arbitrárias e escolher países para penalizar, afetando produtos como o café e a carne brasileiros. Mas acredito que esse quadro tende a melhorar. As negociações continuam e há espaço para reequilíbrio.

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