Os depoimentos colhidos até agora pela CPI do Esgoto em Blumenau revelaram, no mínimo, inconsistências no contrato de concessão do serviço que colocam a atuação do Samae em xeque, com possíveis respingos no antigo e no atual governo. Foi durante a gestão de Mário Hildebrandt (PL) que teve início o processo de revisão extraordinária que resultou em um reajuste extra de 10,72% na tarifa – que somado à reposição da inflação beirou os 16% de aumento –, em um aditivo validado no mandato de Egidio Ferrari (PL).

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Na última terça-feira (22), advogados que integram uma comissão formada pela OAB para analisar este aditivo apontaram, em reunião da CPI, novas controvérsias. Um dos maiores problemas, na visão dos profissionais, é que houve uma alteração substancial do objeto da concessão sem respaldo legal. O vínculo original previa uma cobertura de 90% de rede em Blumenau via tubulação. Agora, com o aditivo, essa distribuição ficou na proporção 60×40 – 60% de rede e 40% por meio do sistema individual de fossa e fossa.

O advogado Raul Ribas observou que o sistema de fossa e filtro é uma alternativa legal, prevista pelo Marco do Saneamento estabelecido em 2020. A solução, no entanto, foi adotada sem dispositivo legal anterior – decreto ou alteração na política municipal de saneamento –, o que na avaliação da OAB comprometeria a validade jurídica do aditivo.

— Tivemos uma inversão: mudou-se o contrato antes de mudar a política pública e a base legislativa — disse.

Além de não haver esse dispositivo legal prévio, a comissão da OAB entende que faltou participação da sociedade civil na discussão, o que seria o mais recomendado diante de uma alteração profunda nos termos do contrato de concessão. O aditivo, na opinião dos advogados, também repassa aos usuários a ineficiência do poder público, já que o município não entregou logo no início a cobertura de esgoto prometida.

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Ribas observou ainda que a comissão da OAB não encontrou, na análise do caso, fundamentação para a adoção do sistema de fossa e filtro. Embora previsto no Marco do Saneamento, seriam necessários estudos que atestassem a viabilidade técnica e ambiental da alternativa, considerando as características de Blumenau. Isso se confirmaria quando o próprio Samae, depois de já ter assinado os papéis, fez uma consulta ao Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC) questionando o aditivo e admitindo que a equipe técnica da autarquia não participou das discussões.

“A equipe técnica do Samae não participou dessas tratativas no âmbito da RTE (revisão tarifária extraordinária) que levaram à aprovação do quinto termo aditivo, de modo que não foram realizadas análises de planilhas de custos, fluxo de caixa e estudos de viabilidade técnica das alterações propostas. Em virtude da ausência dessas análises e dos estudos técnicos, o Samae tem dúvidas quanto à legalidade e à viabilidade técnica das alterações introduzidas pelo quinto termo aditivo”, diz um trecho do documento enviado ao TCE-SC, assinado pelo presidente da autarquia, Alexandre de Vargas.

A consulta foi enviada ao órgão no dia 16 de abril, mais de 20 dias depois da assinatura do quinto termo aditivo, celebrado em 25 de março.

No depoimento à CPI, Ribas disse ainda que essa ausência de dispositivo legal criou um outro problema: tornou o serviço de limpa e fossa, até então prestado por empresas privadas, em monopólio público a partir do momento em que passou a ser considerado no contrato. A mudança provocou protestos de empresários que atuam na área, que se sentiram prejudicados. Uma das alternativas é que a BRK subcontrate esses prestadores no âmbito da concessão.

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Falta de comparação de custos

O parecer da OAB também sustenta que não houve comparação de custos e dos impactos tarifários com a mudança. A concessão original foi imaginada de um jeito (90% de rede coletora), mas o objeto foi alterado. Ou seja, os custos também mudam, já que a solução fossa e filtro é mais barata do que a tubulação. Há, na avaliação dos advogados, um impacto no fluxo de caixa do contrato que não foi demonstrado.

Além disso, Ribas apontou que o quinto termo aditivo traz, na avaliação da comissão da OAB, uma cláusula considerada abusiva, que permite que a BRK suspendesse investimentos caso o reajuste tarifário não fosse concedido no prazo de cinco dias. Isso, para o advogado, vai contra o interesse público porque a empresa tem alternativas previstas no contrato original para discutir o reequilíbrio financeiro sem a suspensão dos aportes.

— Se esta cláusula existisse no contrato original, desde o início a concessionária estaria autorizada a não fazer investimentos, porque desde o início existe esse desequilíbrio, já que a prefeitura não entregou a cobertura prometida — opinou.

Na semana passada, o diretor da agência reguladora (Agir) que fiscaliza a concessão, Paulo Costa, disse que o vínculo nasceu deficitário já em 2010, a partir do momento em que o município não entregou à concessionária a cobertura de rede estabelecida em edital – deveria ter sido de 23%, mas não passou de 4%.

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Próximos passos

Dois pontos principais ainda precisam ser esclarecidos:

  • Qual foi a fundamentação técnica que levou à proporção 60×40 da cobertura da rede de esgoto, em discussão construída ao longo do último governo?
  • Por que o atual governo assinou o aditivo e só depois disso consultou o TCE-SC alegando ter dúvidas sobre a viabilidade técnica das mudanças?

A resposta para ao menos a primeira pergunta deve vir na próxima terça-feira (28), quando se espera a presença na CPI do ex-presidente do Samae, André Espezim.

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