CONTOS INFANTIS
Saiba tudo por trás desse longa-metragem em animação de grande sucesso
A produção cinematográfica dos estúdios Disney é especialmente famosa pelos chamados “clássicos Disney”: longas-metragens em animação, frequentemente inspirados em contos de fadas ou outras histórias antigas.
Dessa longa lista – que inclui filmes icônicos como Pinóquio, Cinderela e A Bela e a Fera -, um pode ser facilmente denominado o clássico dos clássicos: Branca de Neve e os Sete Anões, cuja história se confunde com a da própria Disney e de seu criador, Walt Disney. Em 2017, o desenho completou nada menos que 80 anos de existência – vale a pena conhecer um pouco mais sobre a saga desse clássico, que mudou a história da animação e do cinema como um todo.
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Como muitos filmes da Disney, Branca de Neve foi inspirado em um antigo conto de fadas – uma história da tradição oral alemã, contada de boca em boca através das gerações, e por fim eternizada pelos Irmãos Grimm no livro Kinder-und Hausmärchen, lançado em algum momento entre os anos de 1812 e 1822: era Schneewittchen, que, como todo bom conto com raízes na época medieval, era muito mais cruel que a versão posteriormente suavizada pela Disney.
Conforme a história narrada pelos Grimm, uma rainha, grávida, estava sentada ao lado de uma janela “negra como o ébano”, costurando, e de vez em quando olhava pela janela para ver a neve que caía lá fora. Em algum momento, distraída, ela pica um dedo com a agulha, e três gotas de sangue caem no chão.
Vendo aquilo, a rainha deseja que, quando sua filha nascer, ela seja “alva como a neve, com lábios rubros como o sangue e com os cabelos negros como o ébano da janela” – a Disney trocou “sangue” por “uma rosa” ao colocar essa descrição na boca do Espelho Mágico, da madrasta má.
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Bem, a rainha teve seu desejo atendido, já que sua filha nasceu exatamente como ela queria, mas a mãe acabou morrendo no parto (uma causa de morte comum na época, e que, suspeita-se, pode ter sido a origem de tantos contos em que as crianças são maltratadas pelas novas esposas de seus pais: 23 de cada mil partos, no Reino Unido do século XVII, resultava na morte da mãe, índice que hoje fica em torno de 0,2), e o pai batizou a filha de Branca de Neve.
Algum tempo depois, o rei voltou a se casar, agora com uma mulher arrogante e vaidosa, que tinha um espelho mágico que só falava a verdade. Diariamente, a nova rainha pergunta ao espelho quem é a mulher mais bela do mundo, e sempre fica satisfeita ao saber que ocupa este posto – até que Branca de Neve cresce: no aniversário de 17 anos da princesa, o espelho diz que Branca de Neve tornou-se mais bela que a madrasta – que, obviamente, fica furiosa.
A rainha manda que seu caçador leve a menina para a floresta, mate-a, e leve de volta seu coração, como prova. O caçador, um homem bom, não tem coragem de matar a menina, e manda que ela fuja para a floresta. Ele mata um cervo e leva o coração do animal para a rainha, que o assa e come – ou seja, ela acredita que comeu o coração da própria enteada.
Enquanto isso, Branca de Neve encontra e se abriga na casa dos anões – ao ver os pequeninos móveis do lugar, ela acredita que a casa é habitada por crianças órfãs, e põe-se a limpar e organizar tudo. Quando os anões retornam para casa, ficam felizes com a surpresa – e selam um trato com a princesa: Branca de Neve limpa e cuida da casa, e, em troca, pode permanecer ali, a salvo da ira da rainha.
Ou quase: depois de descobrir, através de seu espelho, que Branca de Neve ainda vive (só podemos imaginar que destino teve o pobre caçador, uma vez descoberta a farsa), a madrasta faz três tentativas de assassiná-la. Na primeira, disfarça-se de mascate, vai até a casa dos anões e vende um laço de fita à princesa – mas, assim que Branca de Neve amarra o laço na cintura, ele a aperta com tanta força que ela desmaia. Felizmente, os anões chegam a tempo de salvá-la. Na segunda, a rainha se disfarça como uma velha senhora vendendo escovas de cabelo, e consegue vender uma para Branca de Neve – mas a escova está envenenada, e também faz com que a protagonista passe mal e desmaie ao usá-la. Novamente, ela é salva pelos anões.
Na terceira, a vilã se disfarça de fazendeira e tenta vender uma maçã à enteada – Branca de Neve, depois dos primeiros incidentes, está desconfiada, mas a rainha foi astuta: envenenou apenas metade de uma maçã, e comeu a outra metade na frente da princesa, que acreditou na inocência da outra e comeu o outro pedaço. A maçã não mata Branca de Neve, mas fica presa em sua garganta, fazendo-a engasgar e sufocar – quando os anões a encontram, julgam que ela esteja morta, apesar de seu estado ser descrito como uma espécie de desmaio profundo, ou um coma.
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Como se nada disso bastasse, os anões não tem coragem de enterrá-la – e a colocam para descansar em um caixão de vidro. Um tempo mais tarde, um príncipe, passeando por lá, avista o caixão de vidro e a donzela dentro dele – e, encantado com sua beleza, pede aos anões permissão para levá-la para seu castelo. Ou seja: por algum motivo que só podemos especular, o príncipe decide levar para casa o que julga ser o cadáver de uma desconhecida.
No caminho até o castelo, porém, graças a um solavanco da carruagem, um pedaço de maçã que ainda estava preso na garganta de Branca de Neve sai, e ela acorda. Na versão da Disney, a coisa é menos bizarra: o casal já se conhecia; e o príncipe dá um beijo em Branca de Neve quando a vê no caixão, e ela, como em A Bela Adormecida, acorda. A madrasta, aliás, quando faz a poção para envenenar a enteada, já sabe que ela pode ser acordada pelo clássico “beijo de amor verdadeiro” – mas não se importa, acreditando que a princesa será enterrada viva (o que também, convenhamos, é bastante macabro). Nos dois casos, príncipe e princesa se casam e vivem felizes para sempre.
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No desenho, a madrasta morre enquanto é perseguida pelos sete anões, que querem vingança depois que Branca de Neve come a maçã. No conto original, seu destino também é a morte, mas de maneira mais cruel: Branca de Neve e seu príncipe convidam a rainha para seu casamento e, lá, obrigam-na a vestir um par de botas de ferro quente e dançar com elas – até morrer por exaustão. Não fica devendo nada aos lendários métodos de tortura medievais.
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Existe uma suspeita de que Schneewittchen pode ter sido inspirado pela vida real de uma condessa alemã que viveu no século XVI: Margaretha von Waldeck era filha de Phillip IV, e os boatos da corte diziam que a moça e sua madrasta, Katharina de Hatzfeld, se detestavam. Margaretha foi forçada pela madrasta a se mudar para Bruxelas, onde se apaixonou por um jovem que mais tarde se tornaria Phillip II, rei da Espanha. O casamento de Margaretha e Phillip foi tão desaprovado – por ser “politicamente inconveniente” – que existem teorias de que a moça tenha sido envenenada: ela morreu aos 21 anos, com suspeitas de envenenamento, mas nada foi oficialmente comprovado.
Lançado em dezembro de 1937, Branca de Neve e os Sete Anões foi o primeiro longa de animação produzido nos Estados Unidos, o primeiro longa da Disney, e o primeiro longa de animação totalmente a cores do mundo. O filme arrecadou US$ 8 milhões em bilheterias – valor que hoje poderia ser considerado um fracasso, mas que, na época, foi a maior bilheteria alcançada até então por um filme sonoro (depois, a produção da Disney seria desbancada por …E o Vento Levou).
Na 11ª edição do Oscar, Walt Disney recebeu um Oscar honorário por sua obra, já que ainda não havia uma categoria específica para filmes de animação; e a estatueta foi pensada com um design especial: uma estatueta maior, acompanhada de sete réplicas pequeninas. Branca de Neve levou também o troféu de Melhor Trilha Sonora – foi, inclusive, o primeiro filme norte-americano, de animação ou não, a ter o álbum da trilha sonora lançado junto com o longa, prática que mais tarde se tornaria quase obrigatória.
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O sucesso não foi só uma vitória para Walt Disney, foi praticamente uma vingança: quando ele anunciou que pretendia fazer um longa-metragem de animação, ninguém acreditou no sucesso da empreitada – o pensamento da época era que “ninguém pagaria para ver um desenho animado de mais de uma hora de duração”. Até então, as produções da Disney eram mesmo curtas-metragens, como as séries Mickey Mouse e Silly Simphonies. Muita gente, do irmão Roy à esposa Lillian, tentou fazer com que Walt Disney desistisse da ideia; e a indústria de Hollywood e a imprensa passaram a se referir ao filme como “a loucura de Disney”.
O orçamento inicial do filme era de US$ 250 mil, o que já era dez vezes mais do que o estúdio costumava investir em seus curtas; e no final (três anos depois) Branca de Neve acabou custando quase US$ 1,5 milhão – Walt Disney chegou a hipotecar sua casa para conseguir bancar a produção. Mas valeu a pena: o longa foi aplaudido em pé depois da primeira exibição, e em seguida apareceu nas capas da revista Time e do New York Times – o New York Times, aliás, fez uma matéria em que o título era “Muito obrigado, Sr. Disney”.
Primeiras versões: a Disney considerou outros roteiros até chegar à versão final – em um deles, a rainha faria uma primeira tentativa de matar Branca de Neve com um pente envenenado, algo parecido com o que é descrito no conto alemão. Também havia uma maior participação do príncipe, que era inclusive capturado e preso pela vilã em certo momento. O filme também era mais longo, com mais cenas entre Branca de Neve e os anões: em uma delas, eles constroem uma cama maior de presente para a protagonista, do tamanho adequado.
Os anões: foi ideia de Walt Disney dar personalidade própria e nomes específicos para cada um dos anões, coisa inexistente no conto original. A equipe do filme começou com uma lista de cinquenta nomes para os personagens, eliminados aos poucos até chegar aos sete imortalizados na versão final: Mestre, Zangado, Dengoso, Soneca, Feliz, Atchim e Dunga. Dunga, que acabou se tornando o mais popular dos anões, foi o último a ser criado.
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Branca de Neve: a princesa foi desenhada por Grim Natwick, contratado especialmente para isso – ele era famoso por saber desenhar muito bem a anatomia feminina; e inclusive trabalhou no igualmente clássico Betty Boop antes de se envolver com a Disney. O rosto da personagem foi inspirado em Hedy Lamarr, atriz austríaca que morava nos Estados Unidos e era considerada, na época, uma das mulheres mais bonitas do mundo. Gravações com atores de carne e osso foram utilizadas para orientar os desenhistas na criação e movimentação de Branca de Neve, do príncipe e da rainha.
Contando todos os seus vários relançamentos e ajustando a inflação, Branca de Neve ainda se mantém na lista das dez maiores bilheterias de todos os tempos, com quase US$ 500 milhões no total. O lucro obtido pelo filme, na época, foi usado por Walt Disney para construir um novo estúdio, o Walt Disney Animation Studios – que, nos anos seguintes ao sucesso de Branca de Neve, lançou clássicos como Pinóquio, Fantasia, Dumbo, Bambi, Alice no País das Maravilhas e Peter Pan.
Anos mais tarde, na Disneyland, na Califórnia, foi criado o Snow White’s Scary Adventures, brinquedo que existe desde a criação do parque e até hoje, e que foi reproduzido também nos parques de Tóquio e Paris. No Magic Kingdom, em Orlando, essa atração não existe mais; mas, em 2013, foi inaugurada a Seven Dwarfs Mine Train, montanha-russa que rapidamente se tornou um dos brinquedos mais populares do parque. Assim como A Bela e a Fera faria décadas mais tarde, Branca de Neve também foi adaptado para um musical, que ficou em cartaz entre o final dos anos 1970 e o começo dos anos 1980, somando 106 performances no total.
No início da década de 2000, a Disney começou a trabalhar em um filme que seria um prequel para Branca de Neve, mais tarde cancelado: na história, seriam explicados, por exemplo, como os anões se conheceram, e por que Dunga perdeu a fala. O longa também deixaria claro que a rainha, madrasta de Branca de Neve, matou o pai da menina e tomou o trono.
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O estúdio também anunciou Rose Red, que falaria de uma suposta irmã de Branca de Neve – o interessante é que também há um conto compilado pelos Irmãos Grimm que se chama Branca de Neve e Rosa Vermelha, sobre duas irmãs; mas não se sabe se essa personagem é a mesma que já conhecemos, ou se o nome não passa de um erro de tradução (especula-se que o título original deveria ser Rosa Branca e Rosa Vermelha, o que de fato parece fazer mais sentido). Desde o início do ano passado, a Disney não deu mais notícias a respeito de Rose Red – mas sabe-se que o estúdio planeja diversos live-actions para os próximos anos. Poderia ser Rose Red um desses filmes? Considerando-se a relevância da versão animada, um remake seria mais que merecido.
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