
Economia
Presidente reclamou de reajustes de gasolina e diesel e decidiu trocar comando da estatal, o que causou queda no valor da empresa, na bolsa e alta do dólar
A Petrobras passou a ser o alvo de mais uma crise no governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A polêmica começou após mudanças na estatal anunciadas por Bolsonaro por descontentamento com os sucessivos aumentos no preço dos combustíveis. As medidas, no entanto, despertam críticas de economistas, afetaram o valor de mercado da companhia e são consideradas possíveis intervenções na gestão e um risco à política de preços atual, o que iria contra os preceitos liberais defendidos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.
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A polêmica começou com a série de reajustes nos preços do diesel e da gasolina anunciados pela Petrobras desde o início de 2021. De janeiro até agora, já foram quatro reajustes na gasolina, com acréscimo acumulado de 34,7% desde o começo do ano, e três do diesel, com elevação de 27,7%. Em Florianópolis e em Blumenau, o preço da gasolina nos postos já passa de R$ 5 desde a última semana.
A alta nos combustíveis desencadeou críticas de setores como os caminhoneiros, que chegaram a bloquear rodovias no início do mês e prometeram novos protestos. Os aumentos também provocam temor de desgaste na popularidade e possível reflexo na elevação de preços em outros setores que dependem do transporte, como o de alimentos.
Descontente com a situação, o presidente Bolsonaro voltou as atenções à estatal. Na sexta-feira da semana passada (19), afirmou que “jamais iria interferir na Petrobras”, mas na mesma fala disse que haveria mudanças na empresa e que “o povo não pode ser surpreendido com certos reajustes”. Ele já vinha criticando os aumentos e disse que o último acréscimo estaria “fora da curva”.
Ainda na sexta-feira, Bolsonaro anunciou a indicação do general Joaquim Silva e Luna, atual diretor da Itaipu Binacional, para ser o novo presidente da Petrobras, no lugar do atual comandante da companhia, Roberto Castello Branco. A medida precisa ser aprovada pelo conselho de administração da Petrobras, que tem a próxima reunião marcada para esta terça-feira (23), mas que pode discutir o assunto somente em uma futura assembleia. Castello Branco foi indicado por Paulo Guedes e tem mandato até 20 de março.
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Além da troca na presidência, Bolsonaro também informou na semana passada que iria zerar os impostos federais, como PIS e Cofins, do óleo diesel por 60 dias, a partir de 1º de março. O presidente também estuda apresentar um projeto ao Congresso para alterar o ICMS (imposto estadual) sobre combustíveis. Uma possibilidade seria estabelecer um valor fixo e outra, cobrar o tributo nas refinarias, onde o valor do produto é menor, e não mais nos postos, como ocorre hoje.
Atualmente o preço dos combustíveis é corrigido pela Petrobras conforme a variação do dólar e do petróleo no mercado internacional. Essa política garantiu uma recuperação financeira de perdas de outros períodos à Petrobras e teria ajudado a empresa a recuperar valor no mercado de ações.
Nesta segunda, Bolsonaro voltou a fazer críticas à Petrobras em conversa com apoiadores. Disse que a estatal "só tem um viés", e que seria atender aos interesses de "alguns poucos grupos no país". Disse que "é um direito seu" não reconduzir o atual presidente e reclamou até mesmo do atual presidente da companhia estar supostamente trabalhando em regime de home office durante os últimos meses, por causa da pandemia do novo coronavírus.
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As críticas à política de preços e a mudança na presidência da Petrobras são encaradas como um sinal de possível intervenção política de Bolsonaro na estatal, o que iria contra os preceitos liberais da economia, uma bandeira clara do ministro da Economia, Paulo Guedes, e defendida até mesmo pelo presidente em algumas ocasiões. O gesto também é encarado como um aceno aos caminhoneiros, que vinham reclamando dos aumentos no diesel, mas que estaria desagradando o mercado.
Mais do que isso, a estratégia de alterar o comando da companhia e pressionar por mudanças nos preços provocou reações negativas do mercado e fez o valor da Petrobras despencar 20% nesta segunda-feira (22). Em cifras o valor de mercado teria caído cerca de R$ 70 bilhões, segundo informação do portal G1. Até mesmo outras companhias com participação estatal, como Eletrobras e Banco do Brasil, tiveram redução de valor.
A bolsa de valores brasileira, B3, também teve queda de mais de 5% até o início da tarde desta segunda. Já o dólar registrou forte alta, passando de R$ 5,38 a R$ 5,53 no maior valor registrado na manhã desta segunda.
Indicado por Bolsonaro para presidir a Petrobras nos próximos dois anos caso o conselho de administração aprove o nome, o general da reserva Silva e Luna tem 71 anos, é doutor em Ciências Militares e hoje é diretor-geral da Itaipu Binacional. Ele foi ministro da Defesa durante a gestão do ex-presidente Michel Temer.
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O economista Guilherme Alano, sócio da empresa Siglo Investimentos, diz que a interferência na Petrobras teve dois reflexos. O primeiro diretamente ligado à Petrobras, com a queda de valor de mercado da companhia, que representa um prejuízo para a população, já que se trata de uma empresa estatal. O segundo efeito ocorre em outras empresas estatais, que também perdem valor por causa de um receio de que o governo comece a interceder também nessas companhias, modificando a gestão atual mais identificada com o livre mercado.
Além disso, a crise com a troca da presidência da Petrobras eleva o dólar, que é um custo de produção da Petrobras e, portanto, pode piorar ainda mais a situação dos reajustes dos combustíveis. Todo esse cenário de risco e “mudança de regra no meio do jogo” afugenta também investidores estrangeiros, que podem buscar mercados mais previsíveis e com maior segurança jurídica, segundo o economista.
– O reflexo não é só na Petrobras, é tudo que essas medidas representam. O que acontece agora foi uma ruptura na condução da política econômica que, aos trancos e barrancos, estava sendo adotada. Temos uma guinada neste início de 2021 totalmente oposta ao que era conduzido durante a campanha e, de certa maneira, no primeiro ano do mandato – afirma.
A expectativa agora é para saber como devem ser os próximos gestos da administração Bolsonaro diante da crise decorrente da mudança na Petrobras. Segundo Alano, o governo pode repetir o histórico recente de buscar amenizar o tom após anúncios que causam maior impacto na economia, ou então surpreender e partir para uma guinada mais estatizante na segunda metade do mandato.
– Agora o governo tem essas duas opções. Ou ele vai "assoprar", dizer que faz uma intervenção leve, mais para a questão pública dele, para dizer aos caminhoneiros, ao público de baixa renda que interveio, mas não fazer nada. Ou então ele pode de fato fazer essas mudanças mais drásticas – projeta.
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