Entre tantos novos hábitos adquiridos pelos blumenauenses com a chegada do coronavírus à cidade está o encontro diário com a prefeitura nas redes sociais. Nas já famosas lives, geralmente transmitidas do Salão Nobre da sede do Executivo, a gestão municipal costuma atualizar a situação da pandemia e anunciar e justificar medidas de enfrentamento – embora o prefeito Mario Hildebrandt já tenha aproveitado a audiência para tratar de outros temas, como alfinetar vereadores e criticar o governo de Santa Catarina.

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Na última quinta-feira (23) a prefeitura completou 100 transmissões ao vivo pela internet desde que o novo coronavírus virou pauta praticamente única em Blumenau — houve também, nesse meio tempo, boletins gravados, mais comuns nos finais de semana, e outras lives de assuntos variados que não entram nessa conta. Marcas redondas como essa são convidativas a reflexões e estimulam a comparação entre um passado nem tão distante e o presente, projetando o futuro.

A primeira live aconteceu no dia 13 de março. Não era exatamente no mesmo modelo de agora, com prefeito e secretários em uma bancada: tratava-se de uma coletiva de imprensa, que acabou reproduzida nas redes sociais. O cenário era completamente diferente quatro meses e meio atrás. Naquela data, Blumenau tinha quatro casos suspeitos e nenhum confirmado. Eram dois pacientes já infectados em Santa Catarina e 77 no Brasil. Ninguém no país havia morrido pela Covid-19 até então.

O tom era de cautela. Hildebrandt ressaltava que o objetivo era “trazer informações claras e objetivas sobre o que está acontecendo”. O secretário de Promoção da Saúde, Winnetou Krambeck, explicou o que era e o que se conhecia até então do novíssimo e – mais tarde comprovado – perigoso vírus. Pediu prudência e reforçou que não era momento de pânico. Lembrou que, em 2009, Blumenau soube enfrentar a pandemia de H1N1 e que o município “criou gabarito” para enfrentar situações como essa.

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Nem ele nem ninguém imaginava o que estaria por vir – e talvez a única ressalva daquela época que faça sentido hoje era o alerta do prefeito para as fake news sobre o assunto.

A sensação de que o coronavírus ainda era uma realidade distante explica, com alguma razão, o que se viu naquele 13 de março em Blumenau, embora os estragos provocados pelo vírus e as regras de segurança para evitar o contágio já fossem conhecidas. O Salão Nobre da prefeitura estava cheio. Ao final da apresentação, houve aglomerações para gravação de entrevistas. Ninguém ainda usava máscaras porque nem mesmo a Organização das Nações Unidas a recomendava – o que só foi acontecer no mês seguinte.

Primeira live do coronavírus em Blumenau
Primeira live sobre o coronavírus, em 13 de março: Salão Nobre da prefeitura cheio e apenas quatro casos suspeitos na cidade (Foto: Reprodução)

— Só para deixar claro, não há nada suspenso em Blumenau – reforçou Hildebrandt na época.

Quatro dias depois, no entanto, o coronavírus passaria a dar as caras para valer, provocando profundas transformações na nossa rotina. O governo do Estado decretou, no dia 17 de março, situação de emergência e anunciou medidas drásticas de isolamento social, ressalvando atividades essenciais como supermercados e farmácias. O distanciamento só começaria a ser flexibilizado em duas semanas, com a reabertura de bancos e lotéricas – a senha dada para o retorno gradativo de uma série de outras atividades.

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O passar do tempo foi desnudando um quadro sanitário grave e que vem se tornando cada vez mais dramático, embora muitos ainda insistam em ignorá-lo. Em meio à repercussão negativa pelo vídeo do saxofonista no shopping, a evolução da pandemia e as novas informações sobre a Covid-19 que chegavam o tempo todo fizeram o discurso das lives mudar também. Prefeito e secretário passaram a ser mais duros nos apelos pelo distanciamento social, condenaram churrascos de fins de semana e miraram especialmente idosos, grupo mais suscetível à doença, proibindo-os de andar de ônibus e circularem nas ruas.

Com o sistema hospitalar esgotado e profissionais exauridos, o rigor nas palavras se transformou em ação prática. Blumenau decidiu se antecipar ao governo do Estado em novas medidas restritivas e mandou fechar novamente comércio, shoppings, restaurantes, bares e academias. A prefeitura comprou a briga com o meio empresarial, que criticou as medidas, justificando que seguiu orientações técnicas. Tudo devidamente transmitido pela internet.

Cem lives depois, Blumenau passou de quatro casos suspeitos e nenhuma morte para 7.255 pessoas infectadas – isso considerando apenas os confirmados, sem levar em conta os que têm o vírus e não fazem ideia – e 37 óbitos, o mais recente confirmado na manhã deste sábado (25). Os leitos de UTI estão à beira do colapso. Para reforçar o discurso do distanciamento, a prefeitura lançou uma campanha institucional e passou a convidar médicos e diretores de hospitais para as transmissões ao vivo, apostando que a palavra de quem está na linha de frente do combate tenha mais força na conscientização da população.

Em quatro meses e meio, chegamos a um ponto em que praticamente todos nós já conhecemos pessoas que adoeceram ou foram vencidas na batalha contra a Covid-19. Aquela sensação de que a pandemia era algo distante já não existe mais. Como quase sempre acontece, o choque de realidade se deu pela dor. Que essa dor ao menos sirva de licação. Ainda há tempo para evitar que mais vidas sejam perdidas em vão.

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