Imagine uma gangorra. De um lado, está o isolamento social. Do outro, os números de doentes e mortos por Covid-19.
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Quando medidas restritivas impulsionam o índice de isolamento, fazendo subir um lado da gangorra, do outro, caem os números da doença. O contrário também é verdadeiro. Basta relaxar na contenção e o coronavírus se encarrega do resto.
Estatísticas de casos de Covid-19 em Blumenau demonstram esse vaivém e permitem projetar o que vem pela frente. Enquanto a prefeitura relaxa quase todas as medidas restritivas, a gangorra movimenta-se para o lado do perigo.
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— É quase um experimento mostrando que, sem restrição, a cidade não vai mitigar a doença — analisa o matemático Luiz Rafael dos Santos, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em Blumenau.
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Veja o gráfico abaixo. No dia 14 de julho, os ônibus pararam de circular. Proibiu-se celebrações religiosoas e a circulação de idosos. Uma semana depois, comércio, restaurantes, bares, academias e salões de beleza tiveram de fechar as portas.
Perceba que, a partir do dia 30, a curva do gráfico de pacientes de Covid-19 muda de direção, diminuindo os novos casos e o número de doentes simultâneos.
Também melhoraram os números nas Unidades de Terapia Intensiva dos Hospitais (UTIs). São 58 leitos ocupados, o que liberou as vagas chamadas “de guerra”. O número de mortes permanece em alta, mas deve acompanhar a desaceleraçao nas próximas semanas.
Além de Santos, doutor em Matemática Aplicada, pedi a especialistas em Epidemiologia, Infectologia e Geografia que analisassem os números de Blumenau e tentassem responder a duas questões: 1) Qual medida restritiva deu maior resultado? 2) Com o relaxamento das medidas, o que vem por aí?
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O que provocou a queda?
Os quatro especialistas são unânimes em afirmar que efeitos de medidas contra o coronavírus demoram cerca de duas semanas para aparecer nos gráficos. Passaram-se 16 dias entre a interrupção do transporte coletivo e a virada nos números. No caso da quarentena de julho, foram apenas nove dias.
Outro fato reforça a suspeita de que os ônibus sejam vetores importantes da Covid-19. A disparada de casos observada em julho ocorreu após o retorno dos coletivos às ruas, em 15 de junho. Confira no gráfico.
O geógrafo Eduardo Werneck, do Instituto Federal Catarinense (IFC) em Blumenau, levanta outra questão: e se a circulação de pessoas em bares e restaurantes à noite tivesse maior influência no contágio? Como os estabelecimentos só funcionaram durante o dia desde 28 de julho, poderia estar aí a resposta.
Mas ele próprio admite ser impossível cravar. Inclusive porque há variáveis não-governamentais em jogo, como o comportamento da população e o clima.
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— As pessoas ficaram mais sensibilizadas com a crise das UTIs. Tanto isso quanto as restrições surtem efeito, mas com pouco tempo de duração — alerta Werneck.
Epidemiologia
Fernando César Wehrmeister é blumenauense formado em Fisioterapia pela Furb, mas trabalha na Universidade Federal de Pelotas (UFPel), onde fez o doutorado em Epidemiologia. Leciona no programa de Pós-Graduação em Epidemiologia, referência no país e berço da maior pesquisa nacional sobre o Sars-Cov-2.
— Não se pode atribuir a queda apenas às medidas. Parece que a parada dos ônibus e o “mini-lockdown” foram estratégias adequadas, mas teria de esperar mais para ter certeza — analisa.
O problema é que não há um intervalo de tempo suficiente entre as diferentes medidas para que se possa isolar os efeitos de uma e de outra. Pior ainda está sendo a reabertura. A prefeitura vem anunciando diferentes flexibilizações a cada três, quatro dias.
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— A gente perde a referência, é impossível tirar qualquer conclusão — critica o infectologista Amaury Mielle.
Mielle aponta o sucesso de países como Áustria e Alemanha, cujos governos respeitaram um intervalo de 15 dias entre as fases da reabertura. Assim, descobriram onde havia maior risco de contágio. No caso de Blumenau, caso medidas restritivas voltem a ser necessárias, é estaca zero. Não há parâmetros.
Projeções
A dúvida no ar impõe aos blumenauenses a seguinte situação: se o transporte coletivo foi o principal fator de redução dos casos de Covid-19, o alívio dos últimos dias será duradouro — ao menos até que os ônibus voltem a circular.
Porém, se a interrupção das atividades comerciais teve maior peso, os ganhos da quarentena tendem a ser curtos. Numa terceira hipótese, caso os maiores riscos envolvam a vida noturna, a gangorra demorará um pouco mais tempo para virar.
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— Eu queria ter uma visão otimista, mas prefiro esperar até o fim da semana. É preciso ter calma — analisa Mielle.
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Se uma nova alta de casos é provável, ao menos desta vez ela não deve ser tão repentina como ocorreu em julho. Há 10,5 mil infectados — talvez 30 mil, considerando-se a subnotificação estimada pela UFSC.
— Já não há tantos indivíduos suscetíveis à infecção circulando, então não se deve esperar uma subida tão aguda, mas é possível prever um aumento de casos — projeta Wehrmeister.
Testagem e contatos
Especialistas também concordam que Blumenau desperdiça uma oportunidade neste momento da pandemia. O provável sucesso das medidas de julho poderia gerar benefícios maiores se houvesse paciência para isso.
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O número de casos ativos parece estabilizar-se na casa dos 2 mil indivíduos. É um patamar de risco, que seguirá provocando muitas mortes. Se o município reduzisse a contaminação ao máximo, poderia investir naquilo que a Organização Mundial da Saúde (OMS) insiste ser a melhor solução até que exista vacina: testar, rastrear os contatos de contaminados e isolá-los.
Seguindo essa receita, Nova Zelândia e Vietnã ficaram mais de 100 dias sem novos casos da doença. Imagine que Blumenau zerasse os casos em agosto. Com um trabalho bem feito, poderia chegar a janeiro — quem sabe, até a vacinação — sem a necessidade de novos fechamentos. Ao invés de decretar lockdown para todos, só empresas com surtos ficariam de quarentena. Seriam absurdamente menores as perdas econômicas e em vidas.
— É um atestado de incompetência apostar em leitos de UTI. Estamos desviando a atenção no Brasil, construindo hospital de campanha, superfaturando respirador. É incrível dizer isso, mas é simples o que deveria ser feito — analisa Mielle.
Blumenau possui embasamento científico suficiente para tomar decisões corretas na crise do coronavírus. Se não as toma, é porque leva em conta fatores que passam ao largo da ciência.
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